“Eu, Daniel Blake”

Filme denuncia crueldade sistêmica do capitalismo, refletindo as contradições cíclicas apontadas por Marx, que levam à alienação, exploração e desumanização da classe trabalhadora

Imagem: Reprodução

A desvalorização do mundo humano aumenta em proporção direta
com a valorização do mundo das coisas. (Karl Marx)

Já tinha assistido ao filme documentário, Eu Daniel Blake, que nos traz uma indagação perturbadora: alienação, exploração, dispersão, fragmentação da civilidade humana e a perda paulatina da força de trabalho humana como geradora de valor, são fenômenos que se constatam cada vez mais nos maiores países do mundo, gerando miséria, desemprego, desespero, humilhação e caos social.

Foi em 2017 que assisti o filme. Nesse período, aproveitava para conversar com as turmas de estudantes de Serviço Social sobre os efeitos chocantes do capitalismo no mundo do trabalho e na vida dos (as) trabalhadores (as). Tinha colocado em minha lista para um dia rever essa impactante película. Eis que, um camarada indicou os filmes desse diretor britânico, quando fui avidamente buscar na internet e me deparo com um de seus filmes. Este, Palma de Ouro em Cannes (França) em 2016, também premiado no festival internacional de Locarmo (Italia) e ainda em 2017 como melhor filme Britânico.

Kenneth “Ken Loach”(Nuneaton, Warwickshire, 17 de junho de 1936), cineasta britânico, dirigiu, roteirizou e produziu quase uma centena de filmes, documentários e séries, mostrando as “vidas reais”, as adversidades, o sofrimento mental, enfim, condições que ele tão bem evidencia acerca dos efeitos perversos produzidos pelo capitalismo. Para ele, “o coração de um filme está nas ideias. A história é simples, mas as raízes são profundas”.

Daniel Blake (Dave Johns) vive intensamente o personagem, um marceneiro viúvo de 59 anos. Sofre um ataque cardíaco, sendo proibido pelo médico de voltar a trabalhar. Aí começa uma verdadeira maratona para buscar o auxílio, um tipo de seguro-desemprego. Para quem pagou impostos a vida toda como Daniel, nada mais justo que, para se sustentar, busque seus direitos no poder público britânico. Mas, o que se vê, além de uma total falta de solidariedade, é uma negação sistemática do subsídio. Com demora s intermináveis pelo atendimento seja nas salas de espera, seja pendurado ao telefone aguardando informações que não lhe é repassada, ou na exigência para preenchimento de formulários via internet, um verdadeiro pesadelo para o protagonista que vive humilhações constantes pela negação do contributo.

Em uma dessas salas de espera, ele conhece Katie (Hayley Squires), mãe solo, desempregada, com dois filhos e que também sofre situações semelhantes à de Daniel, nascendo dessa forma uma amizade e colaboração mútua entre eles. (https://shorturl.at/acEI6)

No enredo, vemos a denúncia à burocracia e as mazelas do sistema de Previdência Social britânico, políticas que foram implementadas nos principais países da Europa após a II Guerra Mundial e tornaram-se referência para o resto do mundo, como o sistema de bem-estar social – welfare state, quando o Estado era responsável por promover a assistência social da população, garantindo educação, saúde, habitação, renda e seguridade social aos cidadãos. No entanto, as crises do capitalismo inviabilizaram este modelo na maioria dos países do mundo.

Desde os estudos de Marx, no século 19, apreende-se que o sistema capitalista, por suas contradições internas, está sujeito a cíclicas crises. Com o advento da etapa monopolista-imperialista, o sistema já passou por duas Guerras Mundiais, se recompôs após cada uma delas, e o que vemos é a existência de centenas de milhões de seres humanos a não terem de onde tirar sustento, moradia, saúde digna, educação e trabalho. Segundo a ONU, os números continuam a crescer e 2023 já era o pior dos últimos 7 anos, com 258 milhões de pessoas, em quase 60 países, que estavam passando fome, sendo que parcelas destes – a maioria crianças – irão morrer por falta de alimentos.

O capital sobrevive, acumula-se, multiplica-se e reproduz-se da geração de valor pelo trabalho humano. No entanto, cada vez mais a força de trabalho humana é descartada. As potencialidades das pessoas para a criação de conhecimento e de riquezas são imensas, mas o sistema econômico prevalente no mundo impede que isso seja socializado e convertido em benefícios para todos/as.

A lei geral de acumulação do capital, estudada por Marx em “O Capital”, indica a busca aflita pelo lucro, a qualquer custo, e em nosso mundo contemporâneo isso atinge o auge, à procura da mais elevada produtividade e da maior exploração da classe-que-vive-do trabalho, no dizer de Ricardo Antunes. Compreende-se classe trabalhadora como a totalidade daqueles que dependem do trabalho para sobreviver.

Assim, o filme “Eu, Daniel Blake” que pode ser visto na Globoplay, é atual, comovente e envolvente e nos chama atenção para a: “necessidade de um projeto civilizatório, radicalmente adverso ao imposto pela atualidade de um mundo capitalista em crise. Educar, formar a humanidade para uma sociabilidade solidária”, eis nossa tarefa”, como bem revelou Ken Loach em uma de suas entrevistas. (https://shorturl.at/fmtK1).

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