"Faça-me Feliz": Humor inteligente

Com raro senso de ritmo, diretor francês Emmanuel Mouret eleva o nível da comédia e faz rir com parcos recursos visuais

Não se engane com o título. O “Faça-me Feliz” não é um drama lacrimoso, desses que exigem lenço. É uma comédia. Comédia romântica; se quiser. Até aí nada demais. O jovem diretor francês Emmanuel Mouret talvez não quisesse adiantar de que se trata seu filme. Salvo para o público francês que já o conhece. Para os brasileiros que o veem pela primeira vez é uma grata surpresa. Mouret faz rir sem as caretas de Jim Carrey ou a cara de pau de Adam Sandler, para efeito de comparação.  Está mais próximo de seu compatriota Jacques Tati e, sem exagerar, até mesmo de Buster Keaton.

Vale-se de parcos recursos para construir o riso. Às vezes, como nos primeiros entrechos do filme, a repetição dos diálogos gera tensão, depois a gargalhada. Ainda que nesta primeira parte, digamos assim, ele esteja situando o espectador, interessando-o no que tem a lhe dizer. Jean-Jacques Dupuis, feito pelo próprio Mouret, tenta atender às exigências da amada Ariene (Frédérique Bel) sem, enfim, se ajustarem na cama. Sua insistência vai, aos poucos, provocando riso e aflição, pois enquanto ele está em chamas, ela se mantém distante, tomada por súbita morbidez.

Estes dois comportamentos é que dão a medida desta primeira parte. E lhe permite também introduzir uma discussão assaz moderna: o direito de a mulher usar as mesmas liberdades que o homem para se fazer feliz ou, pelo menos, ter uns instantes de “liberação sexual”.

Nada, no entanto, que lembre de longe as mulheres neuróticas ou liberadas de Woody Allen. Mouret não satiriza nada ou ninguém. A gozação é consigo mesmo. Mantém a posse, os gestos são comedidos, o rosto impassível, e as trapalhadas se enfileiram. Remetem ao Jacques Tati de “Meu Tio”, agarrado numa mangueira cujos jatos de água não terminam nunca e o ar de quem está fora do ambiente. Numa sequência hilariante, Jean-Jacques, com o dedo preso num vaso, tenta escondê-lo até ser descoberto pelo embaixador e o ministro japonês, em pleno salão de festas da residência do presidente francês (Jacques Weber).

Diretor dribla o clichê

Uma cena costumeira, um clichê até, mas aqui importa como ele constrói os choques, as surpresas, o comportamento dos atores. Não há como não rir do sério ministro japonês, apreensivo com o ar atormentado de Jean-Jacques, procurando livrá-lo da armadilha, e ambos terminam caindo no ridículo. O objetivo então é colocar autoridades circunspectas em situações fora do eixo, ou seja, grotescas ao limite.

Alguém poderá dizer que isto já foi visto “n” vezes. Sim, Mouret parece não levar isto muito a sério. Vale-se de outra situação muito vista ao perambular pelo salão em polvorosa, no mais longo entrecho cômico de que se tem notícia no cinema. Começa no salão de recepção do presidente francês, se transfere para o quarto da filha deste, Elizabeth (Judith Godrèche), com quem tenta entabular um relacionamento amoroso e só termina num ambiente adverso, entremeado de situações as mais deliciosas. Inclusive multiplicando personagens num diminuto espaço, o que só adiciona comicidade à sequencia.

Qualquer semelhança com “Uma Noite da Ópera”, quiprocó dos Irmãos Marx, não deve ser mera coincidência. As irmãs da meiga Aneth (Débora François) empregada de Elizabeth, só querem “ajudar” o pobre Jean-Jacques, que, perdido, nelas nem presta atenção. Talvez o diminuto quarto onde elas se amontoem signifique mais que “encalhe amoroso”. Pode ser visto também como uma crítica à vida esdrúxula e paupérrima vivida pela empregada do presidente francês e por suas irmãs. Tudo sutil e bem encenado.

Não há porque não prestar atenção em Emmanuel Mouret, cujo “Faça-me Feliz”, integra a mostra simultânea do Festival Varilux de Cinema Francês 2010, que percorre nove cidades brasileiras. E quem sabe, poderá vir a entrar no circuito normal de cinema. Inexiste uma história e os personagens se entregam às alheações de Jean-Jacques, sem reflexão alguma. Salvo Ariene, que adere a seu faz de conta de conquistador moderno, para valer-se dele para concretizar suas fantasias. À qual Jean-Jacques aparentemente não se opõe, pois foi o motivador da concretização das buscas da amada.

Assim, com entrechos bem encadeados, poucos elementos de cena, embora Jean-Jacques circule por luxuosos cenários, Mouret mostra que é possível fazer comédia leve, sem apelações, diálogos grosseiros, piadas escatológicas ou, se for o caso, satíricos trejeitos feitos por Jerry Lewis com genialidade em seu tempo. Bebe na rica fonte de Jacques Tati e Buster Keaton e trás frescor a um gênero hoje entregue ao repetitivo, canhestro, e por que não, ultrapassada forma de fazer humor, numa época carente de humor inteligente com o seu.

 

Faça-me Feliz” (“Fais-Moi Plaisir”). Comédia. França. 2009. 90 minutos. Roteiro/Direção: Emmanuel Mouret. Elenco: Fredérique Bel, Emmanuel Mouret, Judith Godrèche, Débora François.

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