Filhos do ódio e o mês da consciência negra

Confira a resenha do filme “Filhos do Ódio”, de Barry Alexander Brown, por Elza Campos. Pode conter spoiler

Novembro é um mês de esperança, é um mês de lutas, é o mês da Primavera, onde as flores desabrocham e nos trazem a mensagem da renovação. Esse é o mês da Consciência Negra e, nesse sentido, faz-se urgente reafirmar os motivos da existência dessa data em um país que nesse momento resgata os princípios democráticos e olha para sua reconstrução e para a dignidade dos (das) trabalhadores (as). Após as eleições históricas que deram um novo alento para o nosso país tão marcado por profundas desigualdades de grupos historicamente oprimidos, onde negros e pardos constituem 56% da população brasileira, segundo o IBGE, renovamos a nossa esperança. Mesmo sendo grande parte que contribuem com a riqueza social, são os mais discriminados, conforme dados que apresentaremos em seguida. Esses dados demonstram o aprofundamento da pobreza, das violências e discriminações, fazendo-nos refletir que mesmo sendo a maioria numérica, essa polução é excluída das politicas públicas, evidenciando que na escala de desigualdades entre os trabalhadores, são as mulheres, as negras as que mais sofrem com as piores condições, estabelecidas pelo capitalismo e pelo machismo e pelo racismo, seja no acesso a empregos, onde dificilmente acessam altos cargos e, quando pobres, ainda são maioria nos subempregos, precários e empregos domésticos, também precarizados, portanto, com menores salários. São os negros e entre esses, as mulheres negras que mais sofrem com a ausência de políticas públicas.

O filme “Filhos do Ódio”(“Son of the South”), baseado no livro “The Wrong Side of Murder Creek” (escrito por Bob Zellner e Constance Curry), registra a realidade do jovem Zellner, que enquanto estudante ao realizar uma pesquisa sobre direitos civis para a Escola onde estudava, passou por diversas situações, sendo preso, perseguido, espancado. Encontrou-se com Rosa Parks, ativista negra norte americana, que se tornou referência e símbolo do movimento contra a supremacia branca dos Estados Unidos quando, em 1º de dezembro de 1955, recusou-se a ceder o banco do ônibus onde estava sentada a um branco. Essa postura corajosa provocou um movimento que ficou denominado boicote aos ônibus de Montgomery, Alabama, marcando em seguida a luta antissegregacionista. Essa região, uma das mais racistas dos Estados Unidos, manteve em sua legislação até os nossos dias, a linguagem racista, onde exigia-se que crianças negras e brancas frequentassem escolas separadas por etnia. Zellner também se aproxima de John Lewis que, aos 21 anos, ajudou a fundar o “Viajantes da Liberdade” (em inglês: Freedom Riders), um movimento que lutava pelos direitos civis dos negros nos anos 60.

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A película é dirigida por Barry Alexander Brown, conta a história de Bob Zellner (Lucas Till), um jovem branco, neto de um líder da Ku Klux Klan, que acaba por se somar à luta antirracista, e questiona o histórico de ódio onde ele nasceu, se tornando um aliado da luta pelos direitos civis da população negra. Zellner, autor do livro em que é baseado o filme “Filhos do ódio”, foi um dos primeiros brancos a participar como voluntário do Comitê de Coordenação de Estudantes Não Violentos – SNCC, um dos principais instrumentos de luta do movimento afro-americano em defesa dos direitos civis ocorrido na década de 1960. O movimento “Freedom Ride”, se caracterizava pela resistência dos ativistas negros para pôr fim à segregação racial e consistia na defesa de uma viagem interestadual de Washington D.C. a Nova Orleans para assegurar que os negros também tivessem o direito de viajar nesses ônibus, já que eram impedidos. Mas a viagem deveria necessariamente passar por Mississipi, o estado sulista mais racista dos EUA até então.

Esse filme traz uma forte mensagem sobre a resistência do movimento negro e sua importância nos Estados Unidos, embora, fazemos um alerta da necessidade de reconhecer que o faz colocando o protagonismo em um rapaz branco (que rompe com o avô racista (Brian Dennehy), que a todo momento tenta demover o neto da atuação nessa batalha, onde teve papel importante nessa luta antirracista.

A temática do filme é totalmente atual, mesmo que registre uma parte da história dos Estados Unidos, tem relação com nosso país que carrega desde a colonização portuguesa, que teve como principais características: civilizar, exterminar, explorar, povoar, conquistar e dominar a população indígena e, em seguida, pela criminosa escravização de quase 4 séculos, de milhões de negros e negras trazidos de forma forçada de seus países. Esse passado escravocrata manteve os negros na pobreza no Brasil, e requer uma segunda abolição, conforme destaca o escritor Laurentino Gomes, que diz que o legado da escravidão, que perdurou por mais de 300 anos e trouxe ao país cerca de 5 milhões de negros e negras, deixou sequelas profundas. Essas desigualdades estão expostas nos dados recentes divulgados pelo IBGE, que revela que a taxa de analfabetismo entre negros é três vezes superior do que entre pessoas brancas. Esse estudo apresenta dados estarrecedores sobre a diferença na educação, no mercado de trabalho, mas o que mais choca são as informações sobre a violência: de cada 100 assassinatos, 75 são cometidos contra negros e a chance de um jovem negro ser assassinado é quase três vezes maior do que um jovem branco, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Demanda-se que no governo de Lula possam estar presentes as politicas públicas como forma de reparação dessas profundas desigualdades, lembrando que estamos no mês da consciência negra e precisamos abolir a mentalidade e prática escravocrata das estruturas de nossa sociedade, conforme nos indica o professor Silvio Luiz de Almeida, que alerta para a necessidade de rompimento e concepção do racismo individual, institucional e estrutural, transpondo com a estrutura racista do nosso país que está presente nas instituições.

  • “Filhos do Ódio”(“Son of the South”) – Disponível na Netflix (ano 2020) – Pode conter spoiler
  • Direção: Barry Alexander Brown
  • Gênero: Biografia, Drama
  • Elenco: Lucas Till – Bob Zellner
  • Lex Scott Davis – Joane
  • Lucy Hale – Carol Anne
  • Julia Ormond – Virginia Durr
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