Grata surpresa no sebo
A primeira olhada, na primeira estante do sebo, e a surpresa: uma edição de “Os subterrâneos da liderdade”, de Jorge Amado, editado pela Livraria Martins Editora, de São Paulo.
Publicado 23/06/2015 18:03
Um detalhe tornava o volume incomum: tratava-se da quarta edição (1954), quando o romance, em três volumes, integrava um ambicioso projeto do escritor baiano (e militante do Partido Comunista do Brasil, então sob a sigla PCB), destinado, segundo breve nota explicativa do editor, a “apresentar um quadro da luta do povo brasileiro, dirigido pela classe operária, nos anos que vêm do golpe de Estado de 1937 até os dias atuais”, ou seja, meados da década de 1950.
Sob o título geral “O muro de pedras”, a obra original envolvia os três volumes de “Os subterrâneos da liberdade” (um intitulado “Os ásperos tempos” e dois sob o título “A luz no túnel”), e ainda os romances: “O povo na praça” e “Agonia da noite”). “O povo na praça” acabou não escrito, enquanto “Agonia na Noite” foi incluído em “Os subterrêneos da liberdade”, e assim a obra é conhecida até hoje. A trilogia, escrita no início dos anos 1950, entre a Tchecoslovávia (no Castelo da União dos Escritores Tchecoslovacos, em Dobris) e o Rio de Janeiro, marcaria fortemente gerações futuras (e a mim, que a li aos 13, 14 anos). Das suas páginas candentes, vertia um poderoso estímulo à ação revolucionária, pela qual ansiavam muitos dos jovens da época, tocados pelo fulgor do socialismo vitorioso na II Guerra Mundial.
“Os subterrâneos da liberdade” continuam nas livrarias, editados agora pela Companhia das Letras. Mas sem a repercussão de antes, até porque, nos últimos 60 anos, o mundo mudou substancialmente, as pessoas mudaram e o impulso da luta para transformá-lo perdeu muito do vigor de antes. As razões para tais mudanças fogem do escopo deste modesto artigo, cobrariam outros artigos e merecida profundidade.
Um olhar contemporâneo, no entanto, sem desprezar a dimensão histórica e literária de “Os subterrâneos da liberdade”, não pode desconhecer que a trilogia foi talvez a principal e mais difundida obra do realismo socialista no Brasil. E, como tal – e a despeito de suas óbvias qualidades – apresentou os pecados daquela tentativa soviética de impor um método único para as artes, conferindo a estas um caráter quase exclusivo de instrumento de propaganda. Vinte anos antes de sua publicação, o I Congresso dos Escritores Soviéticos, sob a liderança de Máximo Gori e de Andrei Jdanov, havia consagrado o método, tornado obrigatório em todos os países socialistas. O realismo socialista propiciou obras meramente propagandísticas, de personagens superficiais e estereótipos que mostram os revolucionários como homens e mulheres perfeitos, endeusam operários e campopneses e massacram burgueses e trotskistas, estes sempre apresentados como traidores e moralmente degenerados. Não é por menos que a literatura soviética tenha produzido obras em sua maioria medíocres. Também este tema mereceria apreciação mais aprofundada, o que foge dos limites desse breve artigo.
Jorge Amado, anos depois, já fora do PCB, reconheceria as limitações literárias de “Os substerrâneos da liberdade”, mas nunca renegou a obra. A trilogia, de todo modo, serve como amplo panorama das lutas pela liberdade no perído de que trata, um cenário sombrio de ditadura e avanço mundial do nazi-fascismo, com destaque – é bom que se diga – para a atitude de vanguarda, sempre firme, consciente e corajosa dos comunistas.
Quanto ao livro do sebo, comprei-o e o guardo como relíquia de tempos que sempre me impressionaram.