Greve, e aleive, nas federais

Mais uma greve nas universidades e institutos federais de ciência e tecnologia mostra-nos que ainda há um caminho bastante longo a ser percorrido a fim de se atingir a tão almejada educação de qualidade.

Por mais que se possa dizer que uma greve é uma “escola de cidadania”, ou coisas do tipo, as reiteradas interrupções da vida acadêmica traz prejuízos incalculáveis na formação de milhões de jovens brasileiros em processo de formação.

Antes de tudo, é bom que se afirme a justeza das reivindicações em torno do aumento salarial, por uma nova estrutura de carreira para os docentes do magistério superior (MS) e do ensino básico técnico e tecnológico (EBTT) com equiparação salarial com a de ciência e tecnologia, pela progressão de D1 para D3 dos professores (EBTT), entre outros reclamos. O que não é justo, e se trata mesmo de um tremendo aleive, é a crítica feita por parte da diretoria do Andes e do Sinasefe elegendo o atual governo como inimigo da educação brasileira. É fundamental saber pontuar a crítica, com o risco de o tiroteio desabrido acabar atingindo o próprio pé ou mesmo nos tornando todos – os que militamos em prol da educação – vítimas do conhecido “fogo amigo”. Muitos progressistas acabam caindo nesta cilada.

Afora a primeira reivindicação em que o governo coloca dificuldades para implantação imediata (orçamento para 2013), as outras duas já receberam o sinal positivo por parte do Ministério da Educação, o que merece reconhecimento da categoria. Mais que isso, há de se reconhecer que nunca se investiu tanto em educação em nosso país como nos últimos dez anos, e quem está na academia tem a obrigação profissional de se abraçar aos fatos e aos números antes de dizer o contrário, pois pode estar sendo irracional nos argumentos, anticientífico na análise ou corporativista no mérito.

Se focarmos apenas na remuneração dos servidores, veremos que, de fato, não houve avanço significativo no período citado. O piso salarial dos docentes com apenas graduação, em dedicação exclusiva, é de apenas R$2.800,00 (diferentemente do que já foi afirmado maldosamente como sendo de R$557,00). Mas investimento em educação não se resume a vencimentos e, nesse sentido, muitos daqueles que hoje engrossam as fileiras do movimento grevista são justamente aqueles que foram beneficiados com as milhares de novas vagas criadas, através de concursos públicos, pelos governos Lula e Dilma. Além do mais, há muito mais vagas e oportunidades para todos os docentes realizarem mestrado e doutorado (inclusive no exterior) com o acúmulo de bolsas, o que era impensável há alguns anos.
A nova política educacional inaugurada nestes últimos dez anos partiu de um quadro extremamente adverso, com um legado terrível de um sistema nacional de educação em frangalhos, praticamente à beira do colapso, sucateado e elitista. É preciso ter ciência que a superação de muitas demandas, apesar de louváveis, levará algum tempo para serem atingidas. Nada será resolvido num piscar de olhos, principalmente a elevação de investimentos ao patamar de 10% do Produto Interno Bruto.

De todas as formas, ao mesmo tempo em que se faz a cobrança por agilidade na valorização docente, é imperioso reconhecer o muito que se tem feito na educação nacional no geral, desde a creche até a pós-graduação. Exemplos não faltam, a começar pela expansão da rede pública federal com vários novos campus inaugurados e o aumento progressivo dos investimentos em educação.

Mas a má fé e a ingenuidade de alguns contribuem por obscurecer essas conquistas, impondo uma pauta extremamente negativa em que até os investimentos federais para a realização da Copa do Mundo e as Olimpíadas são rivalizados com a educação. “Há dinheiro para a Copa, mas não há dinheiro para a educação” é o slogan da vez. Um absurdo. Esporte, educação e outros grandes eventos devem e vão continuar marchando juntos, sem risco de retrocedermos em nenhuma área.

A condução da justa greve nas federais (assim como é justa também a decisão de vários campus que optaram por continuar trabalhando) deve se dar de forma responsável, democrática e comprometida com a verdade. Se de um lado a crise econômica mundial não pode ser a âncora da sustentação do governo em vetar qualquer possibilidade de reajuste salarial, por outro é necessário reconhecer que de fato estamos em meio a um cenário econômico mundial turbulento que requer cautela. Só o diálogo (e nesse governo há abertura democrática para tal) poderá apontar as melhores saídas.

Ontem um amigo da época da graduação me perguntou por que eu havia mudado tanto, pois ele não estava mais reconhecendo em mim aquele antigo jovem tão fervoroso militante grevista da década de 1990. Disse a ele que quem mudou mesmo foi o quadro político. Antes lutávamos contra a privatização da educação, pelo resgate da assistência estudantil, a favor do aumento de vagas e abertura de concursos, etc. Hoje, vivemos um cenário bem melhor e a pauta do movimento grevista é quase toda centrada no reajuste salarial. O que não mudou nada mesmo foi o velho sectarismo de setores do movimento sindical, incapaz de compreender o novo momento em curso no país e no mundo.

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