Há 200 anos, Brasil deixava de ser colônia

Nesta quarta-feira, 16 de dezembro, registra-se o bicentenário da promulgação da Carta de Lei de 1815, ato que elevou o Brasil a condição de Reino, deixando para trás o estatuto colonial e igualando-o, formal e juridicamente, a Portugal “e Algarve”.

1815 foi um dos três grandes atos, cumulativos, que constituíram as etapas ou fases de nosso singular e original processo de independência nacional, ocorridos em 1808, com a chegada de Dom João 6º ao Rio; de 1815, com a promulgação do Reino Unido; e finalmente, em 1822, com a efetiva independência nacional.

Neste dia 15, a efeméride a valorizar é o fato de que com a promulgação do “Reino Unido do Brasil, de Portugal e do Algarve” vivemos, ainda que por breve período de sete anos, embrião de um Império Luso-brasileiro, refletindo a aspiração de uma grande nação geograficamente espalhada por todo o globo terrestre, das Américas à Europa, da África à Ásia, passando pela Oceania.
A ideia do vasto Império luso-brasileiro animou estadistas e pensadores dos dois lados do Atlântico por pelo menos dois séculos.

O Padre Antônio Vieira, profícuo pensador e homem de ação, propôs a ideia já no século XVII. D. Luís da Cunha retomou a proposta no século XVIII. Em sua proposta, o rei passaria a ter o título de “Imperador do Oeste” e nomearia um vice-rei para governar Lisboa.

A proposta foi retomada, já não mais como ideia, mas como saída diante da iminente invasão francesa ao território português em 1808, por D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o Conde de Linhares, no início do século XIX. Defendia Coutinho, que a Portugal “ainda resta ao seu soberano, e a seus povos, o irem criar um poderoso Império no Brasil, donde se volte a reconquistar o que se possa ter perdido na Europa”.

Mais a frente, o próprio Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, junto com o príncipe regente Dom Pedro I, mantinham, no curso da aspiração nativista, a ideia da continuidade dos vínculos entre Rio e Lisboa, com a sede do Império localizada nas prósperas terras tropicais. A Revolução Liberal do Porto de 1820, com a exigência de retorno imediato de Dom João 6º à Lisboa, no entanto, abortam o ambicioso projeto e resultaram na cisão das duas partes em 1822. O Rei, aliás, teria voltado a Lisboa a contragosto, provavelmente por partidário que era de desfecho que resultasse na liderança brasileira do grande Império Luso-brasileiro.

Significados da Carta de Lei de 1815

Entre 1808 e 1822, foram 14 anos de rápidas transformações que resultariam na independência do Brasil, tendo 1815 como etapa intermediaria deste curso.

Assim, a carta de Lei de 1815 pode ser vista em função do esgotamento da situação que a precedeu, 1808. Afinal, a presença do Rei em terras brasílicas, de fato, esvaziava o estatuto colonial, tornando-o totalmente anacrônico. Desse modo, a carta de Lei efetivamente põe fim ao estatuto colonial, em franca erosão desde a chegada da Corte em 1808.

Os atos independentistas de 1822, por sua vez, foram decorrência direta de fato novo, derivado das descabidas exigências da burguesia lusitana, a partir da mencionada Revolução do Porto, que propunha a própria reversão do estatuto do Reino Unido e mesmo retrocesso ao estatuto vigente no pré-1808. Algo inadmissível para os patriotas brasileiros.

Em nossa historiografia, figuras como o Visconde de Cairú, Francisco Adolfo de Varnhagen e Manuel de Oliveira Lima – este último em seu clássico Dom João VI no Brasil – dedicaram especial atenção aos eventos de 1815. Afinal, trata-se de ato central do reinado americano de Dom João VI e da própria investigação sobre a trajetória e a narrativa de nossa independência nacional.

A peculiar transição para a Independência – composta a um só tempo por luta independentista aguda, por vezes de arma em punho, e, ao mesmo tempo, transição sem rupturas –, nos legou uma condição em que os brasileiros podem valorizar seu passado. Valorizamos o grande feito do homem português, que no início da idade moderna empreendeu movimento civilizacional de vulto, resultando num vasto Império.

Nesse momento difícil que vive o Brasil, de divisão, polarização e cisão da nacionalidade, é preciso rememorar com nossa trajetória civilizatória para reunir forças tendo em vista o futuro.

Primeiro, pela condição única de uma civilização miscigenada, amalgamada, que nos permite condições diferenciadas em relação a outros grandes países envoltos em cisões étnicas ou sectárias que os fraturam e os enfraquecem, deixando-os a mercê de exploração oportunista por parte de inimigos internos e provocadores externos.

Da mesma forma, ao lembrar os 200 anos do grande Império, devemos pensar nas enormes potencialidades que este legado permite para a projeção brasileira no mundo. Somos herdeiros de um grande Império meridional, onde a presença lusófona, da língua e da cultura portuguesa, da qual somos tributários, nos permitem ser ponto de unidade e coesão de grandes causas progressistas e humanistas, junto a outros povos de passado comum.

Preparemo-nos para que o bicentenário da Independência em 2022 veja um Brasil forte, coeso, em desenvolvimento acelerado e progresso social, unido aos povos que comungam da origem lusófona e aspiração civilizatória comum.

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