Hu Jintao: o novo status do marxismo na China

O desapontamento é geral nos arraiais da imprensa especializada ocidental. Notadamente nas mais afeitas à extrema-direita sediadas em Washington, Londres, Hong-Kong e Taiwan. Afinal ao contrário do que, em 2002, afirmavam 99% dos especialistas em China no

Trata-se dos velhos desejos de uma classe dominante mundial se confrontando com a força das leis naturais. Sob os mantos da Quarta Geração Revolucionária de dirigentes, o marxismo ganha força na China. Para mim não cabem grandes novidades.


 


 


Em conversas com meu mestre Mamigonian, com amigos como Aldo Rebelo e Amaury Porto de Oliveira e em artigos e palestras realizadas nos estertores do 16º Congresso do PCCh realizado em 2002, sempre deixei claro que a história milenar chinesa guardava respostas ao futuro próximo. E que não estava fora da ordem natural das coisas uma nova etapa de desenvolvimento.


 


 


O surgimento – um século antes de propostas éticas, civilizatórias e tolerantes semelhantes na Grécia, já não homérica – do confucionismo e do taoísmo como resposta a uma crise interna, as prolongadas revoltas camponesas em meio à decadência da dinastia manchu, prenunciando tempos de luzes (fundação do PCCh em 1921) e os ventos taoístas da Revolução Cultural antecedendo época de prosperidade sob Deng Xiaoping.


 



Um pouco do hoje


 


Hoje, as contradições inerentes a um longo processo de desenvolvimento bate às portas da China. Reedições atuais de seculares revoltas camponesas estão à olhos vistos e a busca de soluções (na moda de Lao Tse e Confúcio em seus tempos) torna-se imperativa. Daí o ressurgimento com força de uma retórica e práticas claramente marxistas. Em primeiro plano no campo ideológico, em segundo plano na política interna do regime e por fim na ordem econômica e social (status privilegiado às empresas chinesas em detrimento das multinacionais no que tange tarifação tributária e acesso a créditos da mesma forma que Geisel impôs durante seu brilhante PND e no campo social a construção de um moderníssimo sistema de previdência social com fundos atuais de mais de US$ 200 bilhões).


 


Amiúde o que cada um pensa acerca da regulamentação da propriedade privada. Que para mim foi um grande acerto baseado na história de uma pequena produção mercantil de mais de 3.700 anos de existência.


 


E como pequena produção mercantil é sinônimo de empreendedorismo, logo, de novos campos de acumulação, nada mais correto. E o processo de acumulação interessa diretamente aos marxistas-leninistas. A começar por Marx (composição orgânica do capital e economia monetária) e Lênin (triunfo da grande produção, o processo de emulação socialista, a economia monetária à serviço do capitalismo e do socialismo e o estímulo às iniciativas econômicas individuais “enterradas” sob o capitalismo e sua fase monopolística).


 


Afinal, ao socialismo interessa o desenvolvimento rápido das forças produtivas, sem as quais, a única possibilidade possível, nas palavras de Kautsky, e a implementação de uma “economia natural do socialismo”. Tão ao gosto de uma certa “esquerda” e seu pântano teórico de diatribes a-históricas e anticientíficas do tipo “agricultura sob base familiar” e outras “elaborações” financiadas pela Fundação Ford, logo contra-revolucionárias pró-imperialistas.


 



O marxista Hu Jintao e sua visão de mundo


 


As comemorações de uma era ultra-liberal – pós 2002 – na China baseavam-se no fato de a maioria dos assessores do birô político do PCCh terem sido treinados nos EUA e em outros centros ocidentais. Tal “onda” se acelerava na medida em que Hu Jintao se distingua de seus antecessores por não ter participado do processo revolucionário chinês (filiou-se ao PCCh em abril de 1964). Infelizmente esqueceram-se que ele não havia nascido em Xangai (como São Paulo, uma formação social cosmopolita, lócus dos comerciantes de imp-exp)e sim numa província pobre do interior do país (Anhui). Fatos bibliográficos de relevo para compreender um quadro comunista chinês.


 


Tanto Hu Jintao, quanto o carismático premier Wen Jiabbao, tiveram sua vida militante e administrativa centradas em províncias interioranas. No caso de Jintao, foi governador das províncias mais pobres do país (Tibet e Gansu), logo conviveu diariamente com as contradições do processo recente chinês. Mais: chegou ao poder (designado em 1992 por Deng Xiaoping para suceder o xangainense Jiang Zemin) num momento em que as contradições internas e externas arremessam-se sobre a China cobrando soluções complexas e difíceis.


 


Abrindo parêntese: lado bom desta história é o papel cumprido pela “pressão de baixo” camponesa e operários citadinos de origem rural. Para o confucionista Mêncio (372-289 a. C.) , “o poder é delegado pelos céus, mas revogáveis pelo povo”. Está aí uma grande diferença entre China e URSS (base social articulada e com poder de fogo e pressão), pois enquanto a URSS afogava-se em seu complexo de inferioridade secular (Principado de Moscou e Rússia Czarista), atemorizando-se ante uma “Guerra nas Estrelas” reaganiana e produzindo – nas palavras de meu mestre A. Mamigonian – “puxa-sacos e oportunistas” como Kruschev, “aprendizes de feiticeiro” como Gorbatchev e “picaretas” como Yeltsin, a China sob um aparato histórico milenar que produziu figuras como Mao Tsétung e Deng Xiaoping iniciava reformas dez anos antes da melancólica Glasnost e Perestroika.


 


Retornando, Jintao foi esmerado em meio às profundezas da pobreza do interior da China. De lá produziu sua forma de enxergar o mundo. Viveu intensamente a dèbacle do mundo socialista no final da década de 1980. Cumpriu papel exemplar – como governador do Tibet entre 1987 e 1989 – no sufocamento da contra-revolução na China, tratando de forma implacável (imaginem) separatistas tibetanos. Pela China, ouvi diversos depoimentos que asseveram o estudo profundo de Jintao das causas que levaram ao colapso a URSS.


 



Hu Jintao sobre Gorbatchev e a referência ideológica em Cuba e na Coréia do Norte


 


Discurso proferido por Hu Jintao ao Sexto Pleno do CC do PCCh – realizado em janeiro de 2005 – “vazou” para a imprensa ocidental. Com um conteúdo horrendo à mídia de aluguel ocidental, onde o Jintao disparou contra Gorbachev, como se lê:


 


“As forças inimigas sempre utilizaram a opinião pública para construir uma base de propaganda. Grupos capitalistas -monopolistas mundiais liderados pelo imperialismo norte-americano produziram pensamentos e ideologias para alçar ao chão a URSS e o partido de Lênin, O PCUS. O colapso da URSS e de seu partido dirigente de forma alguma foi o colapso do marxismo e do socialismo. Numa análise de cunho histórica, foi o resultado de um gradual distanciamento das bases teóricas marxistas, do socialismo e dos interesses fundamentais do povo. O ex-presidente soviético Mikhail Gorbatchev não foi capaz de enfrentar os desafios impostos pela realidade à URSS, ao marxismo e ao socialismo. Por isso deve ser considerado culpado – também – da contra-revolução aberta no mundo. De forma alguma pode se considerar Gorbatchev como um estadista marxista de méritos. Ele esteve do lado contrário do povo soviético e do progresso humano.” (1).


 


A 29 de setembro de 2005, num meeting de imprensa o membro do secretariado do PCCh, Ji Bingxuan, “aterrorizou” os periodistas presentes ao comentar afirmação de Jintao, onde segundo ele: “No que cerne ao trabalho ideológico temos muito que a aprender com os exemplos cubano e coreano. Apesar dos problemas econômicos da Coréia, a forma deles fazer política e ideologia é correta.” (2).


 


Semanas depois Jintao despachou à Coréia do Norte o responsável pela área ideológica do CC do PCCh, Li Changshun, com a tarefa de aprender com o caso coreano.


 


Neste ritmo de análise, Hu Jintao, em conversa privada, mas “vazada”, comentando sobre a questão do controle da internet na China, soltou o seguinte: “(…) ao invés de nossa juventude aprender as verdades do marxismo, preferem ficar bisbilhotando a vida dos outros pelo computador. Temos de tomar providências nesse sentido” (3).


 


Concordo com ele, pois acima de qualquer direito humano está a soberania nacional, pois inexistem direitos humanos em qualquer país não soberano.


 



O apreço a Cuba em forma de gestos


 


Vamos abrir outro parêntese (afinal aqui também deve ser um espaço de formação de nossa juventude e militância). Inversamente ao fato de a NEP soviética ter sido abordada pela proximidade da 2º Guerra Mundial – afinal avançar a socialismo significa a implantação maciça – e rápida – de indústria de base (Departamento 1 da economia), sem a qual fica impossível fazer frente a desafios internos (industrialização) e desafios externos (guerra armada ao socialismo) – a NEP chinesa pós-1978 leva em conta de forma correta a não possibilidade de nenhuma 3º Guerra Mundial entre o socialismo e o capitalismo.


 


Melhor, os chineses entenderam corretamente o recado de Lênin para quem o comércio internacional s transformaria no campo de batalha em que os dois sistemas iriam se digladiar (4). Daí a crescente presença chinesa na África e na América Latina, notadamente em Cuba.


 


Hu Jintao esteve em Cuba no ano de 2004. Relatos dão conta de um abraço emocionado entre Jintao e Castro que durou cerca de dois minutos. Ato seguinte, Jintao dirige-se ao povo cubano em rede de rádio e TV afirmando a necessidade do povo cubano em apoiar o regime e continuar, contra vento e maré, persistindo na via socialista. Cerimônia seguinte. Pauta: economia. Reunião tensa era prevista, onde Castro iria relatar a impossibilidade de Cuba saldar sua dívida de US$ 500 milhões devida a China. Antes que nosso amigo Fidel fizesse qualquer observação, Hu Jintao, declara o perdão da dívida cubana, com a seguinte observação: “Comandante, não estamos aqui para impor sofrimento ao povo cubano, somos parceiros, amigos e camaradas. Conte conosco para tudo.”


 


A China fechou com Cuba 16 acordos comerciais que previam investimentos chineses em Cuba da ordem de US$ 2 bilhões (para um país com a população de Pequim trata-se de uma quantia razoável).


 


É no mínimo para pensar. Afinal a China usa seu crescente poderio financeiro à serviço do planejamento de seu comércio exterior. Exemplo se encerra no fato de a China conceder empréstimos à países africanos em condições jamais imaginadas por tais: juros de 1% ao ano, pagamento em commodities, não-imposição de políticas econômicas leoninas. Isso sem dizer no recente perdão das dívidas externas dos 35 países mais pobres do mundo com a China e a abertura comercial total do mercado chinês aos 100 países mais pobres do mundo.


 


A imprensa ocidental prefere fazer loas à proposta de Tony Blair que atrela perdão de dívidas externas com maior liberalização comercial.


 


Existe sempre uma essência por detrás da aparência.



O novo status do marxismo na China


 


O novo status do marxismo na China pode ser medido, tanto pela postura do governo chinês (nucleado por Hu Jintao) acima descrita (a prática é o critério da verdade), quanto pela crescente onda de discursos de líderes chinês enfocando a centralidade da ciência marxista à solução dos problemas atuais chineses (5).


 


Neste esteira, cabe salientar a abertura de uma “Nova Academia Marxista” anexa à Academia Chinesa de Ciências Sociais e a inédita publicação prevista para 2015 – em 100 volumes – das Obras Completas de Marx e Engels. Empreendimento tal suspenso pelas academias de ciências sociais da URSS e da Alemanha Oriental em 1988.


 


Tais empreendimentos levados à cabo a pouco mais de uma década do fim da URSS é no mínimo algo à ser salientado e louvado por todos os marxistas do mundo.


                                                                                                                                      Notas:


 


(1) “Hu Jintao is starting to show his true colors”. Taipei Times. 29/01/2005.


(2) Idém.


(3) “Has Hu Jintao read Balzac?”. Media News Daily. 30/08/2005.


(4) LÊNIN, V.: “Reunião de ativistas da Organização de Moscou do PCR (b). Relatório Sobre as Concessões”. In, Obras Completas, t. 42, pp. 75-77”.


(5) Sugiro acessar o site do PCCh, versão em inglês. O caminho é o seguinte: www.people.com.cn, em seguida aparecerá um site escrito em chinês. No canto alto à esquerda, é fácil visualizar um link vermeho com uma foice e um martelo. Este é o tal link do site em tela. Divirtam-se.


 



Em tempo: Estarei no próximo final de semana lançando meu livro “China: infra-estruturas e crescimento econômico” na serrana cidade de Petrópolis no RJ. Há quem a chame de “Sierra Maestra de Tupinicópolis”. Pois bem, ainda não me informaram o horário e o local do evento, mas como brasileiros que somos, não deve escapar do período da tarde. A idéia será fazer um lançamento e em seguida uma aula sobre a China. Desde já advirto que aproveitarei o ensejo para fazer uma longa conversa (a tal da “aula”, nada feudal…) sobre a China com duração prevista de duas a três horas. Viajaremos na história milenar deste país. Assim fica melhor compreender o hoje chinês. Acho que vai ser legal.

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