Impeachment: para além das indignidades, dois votos emblemáticos

No dia 17 de abril, o povo brasileiro conheceu realmente os deputados federais. Parecia final de Copa do Mundo. E todo o país viu novamente o Brasil ser humilhado diante de uma Nação estarrecida. As consciências críticas foram vulneradas naquele fatídico domingo, que irá entrar para os anais da história como o dia em que a mentira e a hipocrisia venceram a democracia fazendo vergonha alheia. A maioria votou a favor do impedimento por vingança e ódio!

Foi um show de indignidades, sandices e patetices, com direito, pasmem, a confetes! Nosso povo não mereceu aquilo que aconteceu na Câmara dos Deputados. Parcela expressiva de deputadas e deputados, que apoiou a abertura do processo, aproveitou a grande audiência para se comportar em público, como de certo, se comporta privadamente.

Sem educação política ou massa crítica, a maioria dos eleitores tem mandado para Brasília como representantes federais o que de pior tem entre os candidatos. E a tendência é piorar, como tem acontecido eleição após eleição.

Sem discurso e coerência, a narrativa da esmagadora maioria dos votos pela abertura do processo de impeachment era de fazer corar as almas mais ingênuas e despolitizadas. Foi um show do que não se deve fazer em política. A Câmara dos Deputados se desnudou, foi colocada às avessas e disse a que veio — a defesa da família, dos deputados!

Eram votos em si mesmos, pois grande parte dos que faziam coro contra a corrupção e pela abertura do processo de impedimento da presidente da República responde a processos na Justiça. Moral e eticamente não tinham condições de votar sobre a matéria.

Os votos dedicados à família, a Deus, às cidades natais, e tantas outras patetices expressam tão somente a desqualificação da política a que os eleitores têm sido submentidos ao longo das últimas duas décadas. Apesar de o País e o povo terem melhorado muito, social e economicamente, nos últimos doze anos.

Os votos

Dos 367 votos em apoio à abertura do processo de impedimento da presidente Dilma, dois são emblemáticos. O da deputada Raquel Muniz (PSD-MG), porque expressa o quão hipócrita tem sido esse discurso contra a corrupção. E o do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), pelo desprezo à democracia e àqueles que tombaram para que hoje pudéssemos respirar os ares das liberdades democráticas no Brasil. Esses dois votos entrarão para os anais da história, não tenham dúvidas disso!

A deputada Raquel Muniz ao votar pelo impeachment e contra a corrupção fez homenagem ao marido, prefeito de Montes Claros (MG), Ruy Muniz (PSB), empresário da educação e saúde, citando-o como exemplo de que ‘o Brasil tem jeito’. E, no dia seguinte, a notícia da prisão do prefeito demonstrou a hipocrisia do discurso contra a corrupção.

O prefeito, marido da deputada, foi preso pela Polícia Federal em Brasília, nas primeiras horas de segunda-feira (18), na operação Máscara da Sanidade II – Sabotadores da Saúde. Ele é investigado por crimes de falsidade ideológica majorada, dispensa indevida de licitação pública, estelionato majorado, prevaricação e peculato. O prefeito, segundo a PF, usava de meios fraudulentos para inviabilizar o funcionamento de um hospital público e favorecer o hospital que pertence a ele e seus familiares.

A PF estima que aproximadamente 1,6 milhão de pessoas foram afetadas pelos crimes atribuídos ao prefeito. Ainda, segundo a PF, a Secretaria de Saúde de Montes Claros fraudou documentos para permitir que o Hospital das Clínicas Mário Ribeiro fosse credenciado ao SUS sem passar por processo licitatório. Paralelamente, Ruy Muniz ‘denegria a imagem de hospitais públicos e filantrópicos da região, inclusive utilizando veículos de comunicação da região’, informa a PF.

O esquema resultou em um repasse de R$ 1 milhão de recursos do SUS para o hospital. Somente em outubro de 2015, segundo a PF, o grupo de Muniz retirou cerca de 26 mil consultas especializadas e 11 mil exames dos hospitais públicos municipais.

Que ‘exemplo’ de gestão pública! Três ‘sim’ para essa ‘gestão’.

Mais: Raquel Muniz é alvo de ação por improbidade administrativa e enriquecimento ilícito movida pela União. A parlamentar e seu marido são réus em ação por improbidade administrativa, com dano ao erário, referente a mau uso de verbas públicas destinadas a uma de suas empresas, a Funorte. A deputada e seu marido são investigados por abuso de poder político e de autoridade. O Ministério Público investiga esquema de favorecimento da candidatura da parlamentar com concessão de gratificações a servidores públicos no mandato do marido como prefeito.

Apoio à ditadura de 64 e à tortura

O outro voto emblemático, do deputado Jair Bolsonaro, pelo impedimento, é claro, ele dedicou, antes de exaltar a ditadura militar instalada no Brasil em 1º de abril de 1964, ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos comandantes do DOI-Codi, órgão de repressão do 2º Exército durante o período da ditadura militar. Ustra é considerado um torturador perante a Justiça brasileira.

Brilhante Ustra, junto com o delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, policial que atuou no Dops de São Paulo, durante a ditadura militar, são as duas figuras mais odiosas do regime de exceção.

Estes dois votos serão lembrados outrora por razões prosaicas. O da deputada porque expressa a mentira, a falsidade, o desprezo e o escárnio contra o povo. O voto pela família é uma síntese disto. Votou-se ‘pela família’ como ato falho, pois votou-se defendendo interesses pessoais, alguns absolutamente inconfessos.

O do deputado será lembrado pelo desprezo à democracia e seus preceitos mais básicos: defesa da vida, da dignidade humana, da liberdade, que o deputado usa para pedir a volta da ditadura! Quanta contradição! O Brasil não é mesmo para amadores!

Em tempo

O processo já está no Senado. Na Casa, haverá basicamente duas votações: 1) a admissibilidade, que para ser aprovada necessita de maioria simples (41 votos). Se o for, a presidente é afastada por 180 dias; e 2) o mérito, que precisa ser aprovado por 2/3 dos senadores (54 votos).

No Senado, Casa de ex-governadores e ex-presidentes da República, as manifestações, espera-se, deverão ser mais sóbrias, no sentido de não haver os espalhafatos que aconteceram na Câmara. E também porque os senadores devem se dar o respeito que faltou aos deputados-mariposas, sob pena de serem ridicularizados pela opinião pública, como a maioria dos deputados estão sendo agora.

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