Israel na contra mão da história

Como sempre, meus dilemas tem sido qual título dar à coluna semanal. Pensei no mesmo de um artigo do combativo escritor Ury Avnery, que dizia “Do lado errado”, em uma clara menção que o mundo caminha para um lado e Israel para outro. E é isso que tratarem

Foto legenda: Avigdor Liberman, um fascista que pode ser fiel da balança no Governo de Israel


 


 


Blocos e propostas nas eleições


 


 


Já se disse – e com grande razão – que depois de uma guerra sempre vem uma direita fortalecida. Não vamos aqui nos aprofundar em história para demonstrar essa tese, mas as eleições em Israel é uma das provas disso. O maior derrotado destas eleições foi o Partido Trabalhista de Israel, o PTI, ou Labor como é conhecida na sigla em inglês. Seu líder e atual ministro da Defesa, Ehud Barak, tido como progressista” (sic), tentando manter a tradição de seu Partido, que se apresenta como de “centro-esquerda”, foi o que mais perdeu cadeiras nas eleições. De segundo maior partido em Israel, amarga hoje uma quarta colocação, com três partidos de direita na sua dianteira (caiu de 19 para apenas 13 cadeiras).


 


 


O resultado eleitoral e a formação do novo gabinete é inequívoco. Israel moveu-se ainda mais à direita neste pleito. Na contra mão da história. O mundo ´é mesmo o grande navio americano, como comparou Avnery, move-se, ainda que lentamente, para posições mais progressistas, em que pesem todos os problemas políticos e ideológicos do novo presidente Obama. Em nosso subcontinente, na América Latina, é nítida a guinada à esquerda (vejam os recentes referendos na Bolívia e na Venezuela, com ampla vitória popular e de esquerda). Mas isso não ocorreu em Israel. Por isso a paz, continuo achando, vai se tornando cada dia mais difícil.


 


 


Para efeitos mais didáticos, a sociedade israelense, com a sua representação parlamentar fragmentada, com seus 13 partidos que conquistaram cadeiras, está basicamente dividida em quatro grandes blocos. Vamos apresentá-los baixo, de forma didática, mostrando o significado de cada bloco, quais partidos os integram e quantos deputados desses blocos participam, indo da extrema direita à esquerda. Depois os comentários finais:


 


 


Israel Ampliado, sem Estado Palestino – aqui essa configuração de extrema direita não admite sequer a possibilidade da solução de dois estados, convivendo lado a lado em paz. No máximo, mencionam algumas áreas para os palestinos, que seriam cidadãos de segunda classe, como que se morassem em bantustões (esse modelo foi adotado na fase final do regime do Apartheid na África do Sul, onde os negros ficariam confinados em pequenas glebas de terras com autonomia limitada e mesmo sendo maioria da população, perderiam até 905 de seu território). Defendem essa configuração os partidos Kadima (dele participam judeus laicos, religiosos não radicais, drusos), Gil (representava os idosos e fundiu-se com o Kadima), Labor (judeus ocidentais laicos, drusos, alguns árabes, kibutzim), Shas (judeus ortodoxos orientais, ultraortodoxos antissionistas), totalizando esses partidos 52 deputados;


 


 


Grande Israel (Eretz Israel, em hebraico) – não defendem a paz com os palestinos. Falam num “Grande Israel” bíblico, que poderia compreender do Eufrates na Mesopotâmia (atual Iraque) até o Nilo, no Egito. Participam dessa concepção política os seguintes partidos: Likud (judeus conservadores laicos ou religiosos não radicais e drusos), Judaísmo Unido (judeus ortodoxos europeus), União Nacional (judeus nacionalistas religiosos e seculares, colonos na Cisjordânia), Lar Judeu (mesmo perfil da União). O total desse eventual bloco resultaria em 42 deputados;


 


 


Dois Estados com Nova Fronteira e expulsão dos palestinos – aqui quando se fala em dois estados, não se quer dizer necessariamente pelo menos as fronteiras de 1967. No entanto, o tal nacionalismo de direita israelense, defende inclusive que os palestinos só sejam reconhecidos como cidadãos por Israel se estes jurarem fidelidade à sua bandeira e se comprometerem com a segurança de seu estado. Isso é uma coisa nunca jamais visto para quem nasceu em um determinado país. Pode-se até admitir isso quando se pede naturalização em outro país que não o que tenhamos nascidos, mas com naturais de seu próprio país é inédito. O único partido defende essa concepção é o Israel Beitenu (em hebraico quer dizer Israel é nossa casa). O slogan usado na campanha por essa extrema direita fascista, ainda que laica, é Israel é nossa Casa. A deles é a Palestina. Esse agrupamento chega a propor quase que uma limpeza étnica completa, a expulsão de todos os palestinos de suas próprias terras onde sempre moraram desde a ancestralidade mais remota. A sua base social são os judeus russos que imigraram para Israel entre 1989 e 1999 (em torno de 1,2 milhão, nem todos eles judeus; tinham que provar, pela lei israelense do Direito ao retorno, que possuíam pelo menos um avô ou avó, que fossem judeus). Elegeu 15 deputados e será o fiel da balança em qualquer composição governamental para a formação de um novo governo;


 


 


Dois estados soberanos, com fronteiras anteriores a 1967 – aqui se pode dizer que essa concepção é integrada mais por partidos de feições social-democrata e até socialistas e de esquerda. Ainda que vigorasse essa proposta, com todas as dificuldades que implicaria a sua implementação, o percentual da Palestina histórica ficaria com no máximo 22%, menos da metade do aprovado pela Resolução 181 da ONU de 29 de novembro de 1947 (em torno de 43%). Os partidos que compõe esse possível bloco são o Hadash (compostos por árabes e judeus progressistas, de esquerda e marxista; alguns desse partido chegam a propor um estado único, binacional); Lista Árabe Unida (composto por árabes, religiosos, muçulmanos, mas de centro-esquerda); Balad (de orientação social-democrata, composto por árabes laico progressistas e alguns judeus) e o Meretz (composto por judeus progressistas, alguns árabes, kibutzim e a esquerda religiosa judaica; é de feição social-democrata e mesmo ambientalista). O total de deputados desse possível bloco de deputados seria de 14 deputados (tinham em 2006 15, com uma vaga a menos).


 


 


Olhando dessa forma acima, parece uma confusão política e ideológico. E é mesmo. Nem mesmo quem mora por lá e acompanha a cena israelense cotidianamente, como nós brasileiros fazemos aqui no Brasil, teria facilidade de entender as nuances, os contornos, os desdobramentos, os jogos de interesses.


 


 


A formação do novo governo ainda poderá demorar muitos dias, até semanas. Após a proclamação dos resultados, o presidente Shimon Peres (ex-PTI, hoje adesista do Kadima), tem 18 dias para indicar quem será incumbido de tentar formar uma maioria parlamentar de 61 deputados para formar um governo por quatro anos. Caso este indicado não consiga, ele indicará um segundo. O cenário mostra um claro fortalecimento do Likud de Benjamin Netanyahu, Bibi. Seria a primeira vez que um partido que não foi o mais votado, formaria um governo em Israel. Mas, o cenário caminha para isso, com o Beitenu sinalizando que apoiaria essa configuração, com outros conservadores. Poderia mesmo dispensar o Kadima, centrista e o Labor, dito de centro-esquerda. Ou mesmo, Bibi poderia propor – e já o fez nos bastidores – um governo de “unidade nacional’, com todos no governo, em troca de ministérios.


 


 


Quanto às perspectivas de paz, olhando dessa forma, vê-se que estão cada dia mais distantes. Mas, nem tudo esta perdido. Por vários aspectos e fatores. Entre eles listo: a) a ampla solidariedade aos palestinos que cresce a cada dia em todo o mundo (nunca a mídia mostrou tanto imagens chocantes, mesmo com tatá censura como a imposta por Israel e pelos próprios chefes de redação dos órgãos ocidentais); b) Israel vai se mostrando a cada dia um estado mais inviável, mais contestado, por dentro e por fora (fala-se em mais de 500 mil judeus que abandonaram o Estado, por desacreditarem do seu projeto original); c) a correlação de forças no mundo vem se alterando em favor da centro-esquerda, especialmente com a derrota do neoliberalismo e d) a presidência de Obama nos EUA (não que ele será completamente diferente; autores como James Petras o chama de primeiro presidente “judeu”, pelas suas convicções e apoio à Israel; mas, por exemplo, a sua indicação para o conflito do Oriente Médio foi ninguém menos que o ex-senador George Mitchell, filho de mãe libanesa, que fala árabe completamente e é progressista; dos quatro telefonemas que deu ao Oriente Médio, fez em primeiro lugar para Mahmoud Abbas e depois para Olmert, ainda que o maior jornal de Israel, o Haaretz, tenha falsificado a notícia, dando a ordem inversa).


 


 


Não perdemos as esperanças. Somos os pessimistas mais otimistas para a atual conjuntura. A história acompanha de perto os palestinos e sua luta será vitoriosa, qualquer que venha a ser o governo que será montado em Israel.



 


Nota


 


 


(1) Parte dos dados que uso para a elaboração desta coluna, foram obtidos na matéria do jornalista da revista Carta Capital intitulada “Rumo ao Desastre”, edição de 18 de fevereiro de 2009, páginas 40 a 42.

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