Jezková: Desabafo
Lembro-me de um passado próximo onde não tinha medo de nada. Pra mim nada tinha valor, era tudo na base da imaginação, com certeza com aquela mentalidade eu mudaria o mundo e tornaria mais justo todas as relações intrapessoais.
Publicado 14/03/2008 17:27
Mas eu esqueci de tudo, não que tenha mudado a mente, eu apenas deixei no fundinho do meu ''EU'' toda essa coragem, e passei a provar um pouquinho da realidade.
Nossa! E como é ruim essa realidade. Cheguei muito perto da miséria, da favela (que até então eu colocava que era da periferia, mas eu era da periferia, eu sou da periferia), do tráfico de drogas. Fui a um mundo que tudo isso é normal e corriqueiro, que um menino novo fumar maconha é normal, pior seria ele usar pedra. Conheci pessoas maravilhosas que tinham como profissão ser ladrão, e mesmo assim eram pessoas maravilhosas.
Coloco eram pois, vários destes já não figuram mais em nosso mundo, o caminho é esse, infelizmente, ''ou cadeia ou caixão''. Tenho amigas que a alegria delas é o final de semana, que elas vão como numa festa pra porta do cadeião, viajam horas, isso lógico com dinheiro do tráfico que elas tem que apoiar aqui fora a semana inteira, os ditos ''corre da vida''. O pior de tudo são as crianças, essas vêem cada coisa cabulosa. Eu que na minha santa ignorância nunca vi uma pedra de crack, essas crianças já sabem quando o padrasto fumô pelo cheiro. Meninas que com 9 anos na 3ª série não aprenderam a ler ainda, sabem copiar o que está na lousa, senão a professora briga, mas perguntei o que estava escrito lá, elas nem tinham idéia, será que brigar é mais útil do que ensinar, deve ser mais fácil, né?
Isto realmente me deixou aos poucos desgostosa, onde estão os discursantes do nosso país, os programas de desenvolvimento humano, as ong's, não sei, mas sei que lá ainda não foi ninguém. E eu estava lá também, pastando pra ter um pouco de dignidade.
Indo ao Ceasa pegar o resto da feira de domingo, nossa, era a felicidade das famílias, pois tudo se dividia e dava para semana inteira. Mas também enchíamos carrinhos e mais carrinhos de feira pra poder dividir. Sabe onde estavam os maridos? Nem eu, tudo nóia! Passei 4 anos dentro dessa realidade, onde era normal a mulher ser diminuída e espancada pelo marido, as outras diziam: ''Pelo menos o seu trabalha, e o meu que fica o dia inteiro dentro de casa e eu ainda tenho que dar os 5 da maconha e os 10 da pedra pra ele não me bater…''
Era normal minhas filhas não ter o sabonete e pra ele ter o gel, ou no dia do pagamento irmos comer no lugar mais gostoso e ficar o mês inteiro sem mistura, só no arroz e feijão. E hoje eu me pergunto do que eu tenho medo? TUDO. O mundo me envergonha, sinto que o céu não existe, mas que o inferno é aqui mesmo e que a igreja só ajuda o pobre que freqüenta o culto e que se você apanha dentro de casa e não faz nada é porque você gosta de apanhar. Que absurdo! Alguem gosta de apanhar? Acho que não.
Mas sei que não é uma regra esta realidade que citei, mas ela existe e eu não desejo ela pra ninguém! Como fugir hoje desse mundo que me é tão próximo??? Como tentar uma vida melhor sendo que a qualquer deslize que eu der eu corro o risco de cair de novo?
Hoje não posso mais errar, fiz escolhas difíceis, mais que difíceis, e não posso me dar ao luxo de simplesmente errar. Isto me lembra quando minha mãe, em sua vasta sabedoria, me dizia assim: ''Filha, não faz isso, pense no que estou te dizendo eu conheço o mundo, esse não é o melhor caminho…'' e eu tinha a pachorra de pedir pra ela me deixar errar, caramba, como eu era idiota!!! Mas não tinha medo, e agora o que fazer? Querer o antes ou o agora???
Jezková é codinome de uma jovem moradora de São Paulo.