Juba, o Franco atirador de Bagdá

Em praticamente todas as guerras do século 20, especialmente desde 1918, com o fim da 1ª Guerra Mundial, a figura de franco-atiradores profissionais sempre foi largamente utilizada pelas partes envolvidas nos conflitos. Trata-se de joven

Os especialistas em guerras dizem que um atirador desses de elite, capaz de matar inimigos a até um quilômetro de distância, tem que ter pelo menos quatro características fundamentais: uma paciência extremada, capaz de ficar horas e horas a fio imóvel em seu posto de combate; tem que ter sangue frio, um olhar atento e extremamente aguçado e por fim, suas mãos devem ser firmes e não podem tremem em hipótese alguma. Fala-se de uma capacidade de ficar imóvel horas seguidas, mirando seu alvo, sem poder mexer um só músculo sequer, seja enfrentando sol ou chuva, picado ou não por formigas. Alguns chegam a fazer suas necessidades fisiológicas na própria roupa. Possuem grande capacidade de efetuar cálculos que levam em conta a velocidade do vento. São grandes especialistas em armamentos pesados, capazes de disparar balas a mais de mil metros de distância.
        
Desde a 2ª Guerra e na guerra do Vietnã, eles são largamente utilizados e são considerados o terror dos soldados regulares, que os temem profundamente pelo simples fato que eles são vistos como “soldados fantasmas”, como o personagem do livro de John H. Poole. Seja nas selvas, seja nas cidades, eles são temidos por todos e só podem ser enfrentados por outros semelhantes a eles, que dispõe de treinamento especial.

Vassili Zaitsev

        
Há uma referência incontestável sobre os franco atiradores na história recente. Trata-se do jovem membro do Exército Vermelho, Vassili Zaitsev, combatente da heróica batalha de Stalingrado. Ele é considerado um herói nacional na antiga União Soviética e mesmo na Rússia atual. Ele era o maior e mais capacitado franco atirador do Exército Vermelho. Com sua perícia, sua pontaria precisa, conta a história que Vassili matou exatamente 149 invasores nazistas que tentaram ocupar a cidade e foram derrotados. O alto comando alemão chegou a mandar um outro franco atirador, o maior e o melhor de todas as tropas do Reich, o major alemão Heinz Torvald. Mas, até este teve o mesmo fim dos outros soldados nazistas: morreu com um tiro certeiro de Vassili, que perfurou o seu capacete, atingindo mortalmente o seu cérebro. Um verdadeiro abalo na moral das tropas nazistas. Há informações que dizem que o total de mortos de Vassili teria chegado a 400 soldados inimigos em toda a 2ª Guerra.
        
Esse personagem, tanto Vassili, como Heinz, foram retratados fielmente num belo filme, ao qual recomendo aos meus leitores, que, no Brasil foi traduzido como “Círculo de Fogo”, cujo ator principal foi interpretado por Jude Law. Quem interpreta o atirador nazista é o excelente ator Ed Harris. Vale a pena ser visto. Trata-se da história de um pastor simples, dos Urais na antiga URSS, cujo pai o ensinou a se defender de ursos e lobos, adquirindo desde pequeno uma exímia pontaria.

Os franco atiradores da resistência

        
Não demorou muito para que a resistência à ocupação americana no Iraque passasse a usar também os seus francos atiradores. Muito provavelmente, esses soldados integravam as forças regulares do exército iraquiano, que foi dissolvido com a invasão americana em 2003 (dizem os analistas que esse teria sido um dos grandes e vários erros cometidos pelo exército americano).
        
Com o surgimento de franco atiradores, logo eles ganharam um nome por parte tanto da imprensa iraquiana, como pelos próprios soldados americanos: Juba. É certo que não existe apenas um Juba em Bagdá, mas vários deles. No entanto, a forma de agir e de atuar é perfeita e unificada: ele dá apenas um único e certeiro tiro mortal. Perfura os capacetes de kevlar dos soldados estadunidenses ou atravessa parte de seu colete à prova de bala. Não mais que de repente, cai um corpo pesado em meio às tropas americanas. Ou já cai morto ou cai mortalmente ferido. Isso impacta imediatamente a moral das tropas.
        
Mas, o Juba iraquiano não age sozinho. Ele age com a propaganda iraquiana junto com ele. Ao seu lado, perfila-se outro membro da resistência, não menos importante do que o próprio atirador: o cinegrafista. Este filma toda a operação, desde a declaração inicial do próprio Juba em árabe, mostrando o seu pente de balas – geralmente com nove tiros – e os corpos caindo um a um claro que, para quem assiste os vídeos, não há diferença de tempo nas filmagens, mas as mortes ocorrem com tempo grande entre uma e outra.
          
A propaganda é o ponto alto dessas filmagens. Os vídeos são os produtos mais disputados nos mercados de Bagdá e mesmo na Internet, eles são proucuradíssimos. Existem acordos da mídia americana e sites de pesquisa e busca, para retirar do ar esses pequenos filmetes, para não ficar a propaganda a favor da resistência iraquiana. A mídia grande dos EUA bloqueou, por ordem do alto comando, toda e qualquer informação sobre esses ataque dos franco atiradores árabes da resistência. A única e honrosa exceção foi o jornal inglês The Independent. No Brasil, exceção sempre feita ao Portal Vermelho deu a notícia, seguida do jornal popular Hora do Povo e uma pequena nota no Estadão (apenas pela internet e não pelo jornal impresso).

Como age Juba?

        
Juba, como todos os franco tiradores da história, agem sozinhos. São combatentes solitários, introvertidos, frios e calculistas, precisos na sua maneira de agir. Nunca, em hipótese alguma, disparam o segundo tiro, para que não ocorram uma reação das tropas inimigas. Nunca se sabe para onde vão em seguida e como atiram de grande distância, têm sempre um tempo valioso na frente dos inimigos, e têm suas rotas de fuga e escape, que lhes assegura sucesso nas operações. No caso iraquiano, ele age com o seu inseparável cinegrafista, elemento fundamental para a propaganda a favor dos árabes e da resistência, portanto nada é espontâneo e natural, mas tudo é planejado e calculado para dar certo.
        
Um dos vídeos mais famosos e disputados nos mercados e nos sites da Internet, é um que Juba inicia as filmagens dando a seguinte declaração: “Eu tenho nesta minha arma nove balas e darei um presente para George Bush. Vou matar nove de seus soldados invasores. Vou fazer isso para que os espectadores possam observar. Deus é supremo. Deus é supremo (Alláh ú Akbhar! Alláh ú Akhbar)”. Promessa feita e promessa efetivamente cumprida: após essa cena inicial, claro que gravado com o guerrilheiro coberto no rosto pelo manto árabe dos fedayins, seguem-se nove imagens de americanos caindo um a um, filmadas, geralmente com um fundo musical com músicas patrióticas e revolucionárias, para animar a resistência.
        
O moral das tropas que atuam em Bagdá esta cada vez mais baixo, exatamente por causa disso. Coronéis e comandantes de várias patentes do exército de ocupação temem a Juba e declaram que ele é de uma estirpe praticamente em extinção, pois quase nunca erra o tiro. Dizem, os militares americanos, que ele, Juba (ou os vários Jubas em ação), vêm atirando a distâncias cada vez menores. Alguns arriscam que ele já atingira a menos de 200 metros dos soldados americanos. Em todos os locais onde ele mata de forma certeira, ele deixa uma mensagem escrita em árabe, com a bala que tirou a vida do soldado, com o seguinte dizer: “o que foi tomado pelo sangue, só pode ser reconquistado pelo sangue”. Não sei em dados oficiais, mas as informações que pudemos obter na Internet, dão conta que Juba já liquidou exatamente 156 soldados americanos – portanto mais do que seu colega russo da década de 1940 e teria ferido outros 54, totalizando 210 soldados abatidos de uma forma ou de outra, pelos tiros certeiros de Juba, o franco atirador de Bagdá.
        
Desnorteado, o alto comando conjunto do exército americano já enviou diversos comandos de franco atiradores. O mais recente, composto de quatro membros, que se dirigiram para Bagdá para “caçar” Juba, tiveram derrotada a sua missão de forma drástica e horrível: todos foram mortos implacavelmente pelo herói da resistência árabe. Todos mortos com certeiros tiros na cabeça.
        
Não gostávamos de ver jovens americanos morrendo dessa forma nos campos de combate, mas é o preço que se vai continuar pagando pela decisão do governo americano de manter as tropas de ocupação no Iraque por prazos indeterminados. Eles seguirão recebendo dos iraquianos a mais firme resistência que um povo pode dar na defesa de seu território pátrio, a despeito dos governistas e colaboracionistas que estão de plantão no governo iraquiano de turno.

Coluna nº 200

        
No último dia 28 de março de 2006, quase que em brancas nuvens, completamos quatro anos – ininterruptos – desta Coluna no portal Vermelho aqui na Internet. Dentre os 30 ou mais colunistas, temos conseguido ser nesses quatro anos, com o apoio dos leitores, um dos colunistas mais assíduos. Falhamos nesses quatro anos apenas quatro vezes, três delas pelo fato que nos encontrávamos em viagem ao exterior.
        
Costumamos numerar nossas colunas e a desta semana, que homenageamos o franco atirador de Bagdá, completa duas centenas de colunas semanais. Tratamos tudo sobre o Oriente Médio. Basicamente, os países que mais ganharam espaço em nossos escritos são, pela ordem, claro, a Palestina, seguido do Iraque. Depois disso falamos do Irã, da Síria, do Líbano, da Arábia Saudita e da Turquia. Comentamos quase 40 livros nesses quatro anos.
          
A coluna deu sua contribuição para a divulgação do cada vez melhor e insuperável portal Vermelho, o site de boa audiência política na Internet, pois todos os nossos leitores, são também leitores do Portal e esperamos que continuem sendo dessa forma. Esperamos continuar aprimorando nossos escritos, contando com o apoio dos leitores. Esta coluna é reproduzida em vários portais e sites pelo mundo afora, alguns inclusive na Europa, de língua espanhola e portuguesa. Esperamos poder continuar contando com o apoio e retribuir em responsabilidade e seriedade em nossos trabalhos pelos anos pela frente.

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