Las Acacias” Vidas em pentimentos

A vida entre o sonho e o recomeço de dois proletários latino-americanos foge à estigmatização neste filme do argentino Pablo Giorgelli

Como as acácias (sesbania punicea), árvores da família leguminosas-minosaceas, que se prestam a múltiplas utilidades, os humanos ao serem desbastados revelam suas camadas submersas. O cineasta argentino Pablo Giorgelli usa-as como metáforas para seus personagens, neste “Las Acacias”. Um filme soneto ou novela, como se preferir, que dá conta da existência da doméstica Jacinta (Hebe Duarte), de sua filha de colo Anahi (Nayra Calle Mamani) e do motorista de caminhão Rubén (Germán De Silva), numa longa viagem do Paraguai a Buenos Aires.

Giorgelli e seu corroteirista Salvador Roselli não precisam escavar muito para desbastar suas vidas. Seus pentimentos logo se revelam. São a solidão, a introspecção e o alheamento de Rubén; as declarações sucintas de Jacinta aos guardas de fronteira mostrando uma vida cheia de impasses, e, por último os cuidados exigidos por Anahi, com seus choros e sorrisos inocentes. É com eles que Giorgelli estrutura um dos mais belos filmes sobre a riqueza e simplicidade do ser humano em seus instantes de buscas.

A dupla Giorgelli/Roselli o destitui de adornos, estereótipos e falatório. Há um surpreendente contraste entre o barulho da estrada, com seus caminhões e automóveis, e o silêncio desnorteante de Rubén, Jacinta e Anahi. Sobram olhares e gestos que dizem mais que os parcos diálogos dos personagens. O minimalismo aqui, ao contrário de muitas obras, faz sentido. Destaca o mundo, os sonhos, os impasses e suas descobertas. Precisam de poucas frases para se fazer entender. Assim, conseguem do outro o que precisam saber.

Personagens se revelam na estrada

Rubén por ter-se acostumado às “curvas sinuosas da estrada”, às refeições solitárias num restaurante de paradas e ao chimarrão na cabine do caminhão desaprendeu a conviver com o outro. Enquanto Jacinta, que carrega sua condição de mãe solteira, cuidando da filha de cinco meses, mantém-se atenta às reações do estranho. Neste tatear irão dar um ao outro o que não esperam. Assim, o silêncio acaba criando liames numa época em que se fala demasiado, se revela demasiado, via redes sociais, sem trocas reais com o outro.

Nisto se constitui o encanto deste “Las Acacias”. Inexiste uma história, cheia de choques, discussões, interferência exterior, personagens que mudam a narrativa. Há apenas o fluir da existência, o encadeado de entrechos que o reforça, dando sentido ao comportamento dos personagens. Isto é significativo num filme de estrada (road movie), sempre dado a rupturas (“Sem Destino”, 1969, Dennis Hopper/1936/2010), de buscas e descobertas (“Diários de Motocicleta”, 2005, Walter Salles/1956) ou de fuga e estigmatização (“Corrida contra o Destino”, 1971, Richard Serafian/1930/2013).

Las Acacias” trata da interiorização dos sentimentos. Rubén e Jacinta não exteriorizam suas emoções, nem interagem com a estrada, o exterior. Ela não é mais que uma rota para Rubén e o que liga Jacinta a dois pontos: a saída do Paraguai e a chegada a Buenos Aires. A câmera de Giorgelli nela pouco se detém; serve apenas para localizar as linhas centrais e manter o caminhão no rumo certo. Isto basta para Georgelli situar a mesmice existencial de Rubén e Jacinta.

Personagens são pessoas comuns

No mais, Giorgelli mantém a câmera fixa em Rubén, Jacinta e Anahi. São pessoas comuns, de poucas exigências, consomem o necessário. Estão ligadas a estruturas capitalistas que as moldaram, mas, mesmo assim, procuram delas escapar. Jacinta embarca para o recomeço com a pequena Anahi. Faz sua viagem a um só tempo interior e exterior, fugindo à aceitação do que lhe foi imposto. É um personagem positivo, por não aceitar fronteiras e buscar outra chance em condições ignoradas. E ele, Rubén, enxerga nela a possibilidade do recomeço ditado pela redescoberta de si mesmo.

As acácias, de flores de múltiplas cores (roxas, róseas, vermelhas, amarelas) terminam revelando as camadas submersas dos personagens. A cada instante desbastam seus matizes, sem uso de palavras. A geografia lhes dita apenas o ponto de partida e o de chegada. Entre elas há uma construção político-social, que expõe as angústias e aspirações da paraguaia Jacinta e as agruras do argentino Rubén. Seu ponto em comum é sua posição social.

Jacinta ao dizer que a filha não tem pai, termina por atestar que também não tem pátria. Sua viagem é sua reconstrução de mulher, mãe/pai, anulando a necessidade de companheiro para fazê-lo. Desta forma, rompe com estruturas e construções de gênero burguesas que não mais se sustentam. Sua ligação com Rubén se dá por igualdade, não por submissão. O convite dele termina sendo recomeço para ambos. A mobilidade social pode ser ponto de encontro.

“Las Acacias”. Drama. Argentina/Espanha. 2013. 85 minutos. Montagem: Maria Astrauskas. Trilha sonora: Martin Litmanovich. Fotografia: Diego Poleri. Roteiro: Pablo Giorgelli/Salvador Roselli. Direção: Pablo Giorgelli. Elenco: Germán De Silva, Hebe Duarte, Nayra Calle Mamani.

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