Leitura e vida nacional

Apenas metade dos brasileiros se declaram “leitores”, segundo o terceiro volume dos Retratos da Leitura no Brasil. Aplicada entre junho e julho de 2011, em 5.012 entrevistados, a pesquisa constatou que grande parte da população considera a biblioteca como um espaço da escola – 75% dos entrevistados não frequentam biblioteca e 33% afirmaram que “nada os faria frequentar uma biblioteca”.


Biblioburro leva livros às crianças colombianas
Entre 145 professores entrevistados, 73 não souberam citar nenhum autor que tenham lido e, dos que se lembravam de algum nome, a maioria mencionou obras de autoajuda. Apenas três professores declararam dedicar seu tempo livre à leitura.

Existem ações governamentais para mudar esse quadro. A Política Nacional do Livro, (Lei nº 10.753, de 2003) reconhece ao brasileiro o direito de acesso e uso do livro como meio principal e insubstituível da difusão da cultura e transmissão do conhecimento, do fomento à pesquisa social e científica, da conservação do patrimônio nacional, da transformação e aperfeiçoamento social e da melhoria da qualidade de vida. Indica também a urgência de capacitar a população para o uso do livro como fator fundamental para seu progresso econômico, político, social e promover a justa distribuição do saber e da renda.

Os índices nacionais de alfabetização e de consumo de livros permanecem baixos, mesmo se comparados com alguns dos países em desenvolvimento da América Latina e da Ásia. Nelson Werneck Sodré dizia que o Brasil passou abruptamente de um estágio de oralidade para a cultura do audiovisual, desde meados do século 20, sem que houvesse efetiva mediação dos livros e materiais de leitura.

A segunda edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, publicada em maio de 2008 (dados de 2007) apontou que somente 55% dos brasileiros pesquisados informaram ter lido pelo menos um livro nos últimos três meses. Entre esses, a média de leitura foi 4,7 livros ao ano, quantidade bastante baixa. Argentina, Uruguai, Chile e Colômbia têm índices de leitura superiores. O professor colombiano Luis Soriano Borges teve a iniciativa, inclusive, de criar o Biblioburro, que leva livros às crianças de localidades isoladas na burra Alfa e no burro Beto. Do total de livros lidos ao ano pelos brasileiros, 3,4 são didáticos ou indicados pela escola. Apenas 1,3 livros lidos ao ano pelos brasileiros são, de fato, desvinculados do processo de escolarização.

Segundo o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF), com dados de dezembro de 2011 a abril de 2012, 27% dos brasileiros são analfabetos funcionais (analfabeto absoluto e alfabetização rudimentar) e 73% são alfabetizados funcionalmente (apresentam, em diferentes graus, capacidade de utilizar a leitura e a escrita para resolver situações cotidianas, perceber informações e compreender a própria realidade). Os organizadores da pesquisa consideram que os novos estratos sociais que chegam às etapas educacionais mais elevadas “provavelmente não gozam de condições adequadas para alcançar os níveis mais altos de alfabetismo (…). A busca de uma nova qualidade para a educação escolar, em especial nos sistemas públicos de ensino, deve ser concomitante ao esforço de ampliação de escala no atendimento para que a escola garanta efetivamente o direito à aprendizagem”.

Para a Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura (Unesco), existem três fatores qualitativos e dois quantitativos necessários para a existência expressiva de leitores em um país. Os qualitativos: o livro deve ocupar um destaque no imaginário nacional, sendo dotado de forte poder simbólico e valorizado por amplas faixas da população; devem existir famílias leitoras, cujos integrantes se interessem vivamente pelos livros e compartilhem práticas de leitura, de modo que as velhas e novas gerações se influenciem mutuamente e construam representações afetivas em torno da leitura; deve haver escolas que saibam formar leitores, valendo-se de mediadores bem formados (professores, bibliotecários) e de múltiplas estratégias e recursos para alcançar essa finalidade. Os aspectos quantitativos: o acesso ao livro deve ser amplo, com a disponibilidade de um número suficiente de bibliotecas e livrarias; e o preço do livro deve ser acessível a grandes contingentes de potenciais leitores. Nenhum desses fatores existe em grande escala no Brasil.

Cláudia Neves Nardon, autora de O Preço do Livro no Brasil (2010), afirma: “Apesar das perspectivas alvissareiras para o aquecimento do mercado livreiro e para a queda no preço do livro nos próximos anos, é preciso observar que o processo de aproximação entre os brasileiros e a leitura será longo, lento e exigirá grande mobilização do poder público e das parcelas da sociedade interessadas nessa conquista”. Em seu estudo conclui: “A melhoria na distribuição de renda e nos níveis de escolaridade da população verificada nos anos recentes não garantiu que houvesse aumento no consumo de livros, uma vez que a folga nos orçamentos familiares foi canalizada para a compra de outros bens e serviços, de desfrute mais fácil e maior apelo comercial, como demonstrou a pesquisa O Livro no Orçamento Familiar” (de 2007, encomendada por editoras, com base na Pesquisa de Orçamentos

Familiares 2002-2003, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE). “É necessária – como parte de uma política do livro e da leitura – ampla estratégia de marketing para que o livro tenha o seu valor simbólico reconhecido pelos brasileiros, para que faça parte do imaginário nacional como objeto familiar e desejável, digno de ser comprado e lido”.
Já dizia Monteiro Lobato: “Quem não lê, mal ouve, mal fala, mal vê”.

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