Lembranças de San Juan (1)

De 23 de setembro a 4 de outubro estive mais uma vez na Argentina. Fui ao 5º Encontro Internacional Comunitário de Escritores, que se realiza em San Juan, capital da província de San Juan, no noroeste do país Ali é a denominada região cuyana. Reúne, além de San Juan, as províncias de La Rioja e San Luís.

O Encontro é um evento marcante do calendário cultural sanjuanense. Escritores e artistas de vários países latino americanos ali se reúnem para intercâmbio de experiências, debates sobre temas culturais e integração de nossa fragmentada América. O encontro é liderado pela escritora e animadora cultural Esther Robledo de Guzzo, com apoio dos Governos da província e, desta vez, da comunidade do departamento de Santa Lucia. O ponto alto é o envolvimento da comunidade por meio das escolas, bibliotecas populares, escritores e artistas locais. Não pude porém escapar ao fragor da realidade argentina. O belo país irmão colhe a ressaca maior da crise feita nos países ricos. O custo de vida alto, as greves espalhadas em todos os setores, bloqueios de estradas, praças e avenidas. Uma atmosfera de tango envolve a nação. A presidenta afogada em crises tenta aprovar uma lei que aumenta o controle sobre os meios de comunicação. Um tarifaço de até 400% onera o gás e a energia elétrica. A lembrança de mortos e desaparecidos políticos expõe o lado doloroso e inesquecível da história recente. Para piorar a situação, a seleção argentina anda tropeçando nas palavras estropiadas de D. Diego Maradona. E toma mais tango! Mercedes Sosa, a voz de todos, La Negra, agoniza num hospital. A ONU resolve reconhecer o tango como patrimônio da humanidade. Creio que é a primeira vez que se atribui tal caráter a um patrimônio imaterial. Festa para argentinos e uruguaios. Celebração para os tangueiros e milongueiros de todo o mundo. Afinal, como o futebol, o brioche, as livrarias e os cafés, nada mais argentino do que o tango. Segregado a pequenos rincões da população ainda dá o tom nostálgico a espetáculos performáticos para turistas. San Juan é uma cidade calma. A gente fala arrastado, sem pressa. Abraçam apertado, beijam o rosto e dão a toda conversa uma doce carícia familiar. Vivendo sobre placas inconstantes, sujeito a terremotos, o sanjuanense desfruta de uma alegria gostosa, sem temer a natureza hostil. Isso se vê nas churrascadas, na dança da chacarera, da samba, ( é mesmo assim, feminino) da cueca que comparte com o vizinho Chile. Sobre a terra áspera cortada pelas valas de irrigação alargam-se os cultivos de azeitonas, uvas, pêssegos, maçãs, marmelos. Terra dos belos doces e dos inesquecíveis vinhos. Mas o que mais identifica a gente de San Juan é sua calma prazenteira. Nada como uma boa sesta. Por causa do clima hostil, da secura do ar, a maioria das atividades fazem uma parada que vai da uma às cinco da tarde. Aí todos mergulham num bom cochilo para despertar ao anoitecer, quando as ruas, os passeios, os bares estrepitam de vida e agitação. (continuo na próxima semana).

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