Lula livre: e agora?
Não tem sido fácil para o campo progressista e, em especial, para a esquerda encontrar acordos na política.
Publicado 11/11/2019 13:28
Prova disso é o necessário raio-x da nossa situação às vésperas do golpe de 2016. Há 3 anos, vivíamos um crise de unidade que, configurada há anos, chegava ao ápice na campanha. Basta lembrar que, já sem margem de manobras, a presidenta Dilma Rousseff se agarrava, em finais de 2014, a um apoio promíscuo e vacilante de um centro em frangalhos e em processo de fascistização para poder fechar o exercício daquele ano sem comprometer as políticas de transferência de renda e o controle da economia; tentando não reduzir o estado, na medida em que, ainda assim, reduzia investimentos em áreas estratégicas.
Podemos passar aqui horas elucubrando sobre o encurralamento do governo diante das demandas difusas e antagônicas das forças produtivas do país, o qual se refletia na sua política monetária que tentava dar conta do pleno emprego, dos investimentos em produção, do estado em funcionamento, das chantagens especulativas, da guerra cambial internacional, da recessão, da queda do preço das commodities etc. Importa, acredito, reconhecer que, diante de decisões difíceis e de horizontes fechados, o setor entreguista, alinhado com o grande capital e disposto a rifar o país, conseguia testar seus caminhos de unidade provisória em um cenário de retração, inflação e desemprego, com uma classe trabalhadora desacreditada, amedrontada e uma parcela significativa da população ressentida. Nós seguimos e apostamos no esfacelamento.
Os setores da esquerda e da centro-esquerda que não compunham o governo apostaram em se desligar da base de sustentação, acusar como prova as contradições do governo e denunciar, de forma honesta e também de forma oportunista. Os aliados e a base de sustentação não apresentavam acordo interno em relação aos movimentos necessários e à defesa das pautas. Dilma, por fim, pagou um preço altíssimos – cujo reconhecimento da história ainda devemos a ela – por ser a primeira mulher presidenta da República e, assim sendo, a mais honesta, ilibada e intransigente figura anticorrupção da história desta cadeira. Nesse momento de esfacelamento, o pavor da direita selou a unidade golpista (áudios e confissões que o provem não faltam). Perdemos todos.
Na última hora, quando não havia mais caminhos de mobilização das bases, de comprometimento público de lideranças, quando a resistência estava fechada, achamos alguma unidade urgente e já era, pois, tarde demais.
Digressões à parte, o que se confirmou como tendência da direita foi a aliança do entreguismo mais devastador – porque de curto e longuíssimo prazo – com o fascismo obscurantista, lunático, fanático e retrógrado. Se hoje essas tendências parecem brigar entre si, que se matem, pois não tenhamos em relação à extrema direita ilusões.
Nós mantivemos rumo, ensaiamos alianças no segundo turno das eleições e diminuímos menos do que o previsto em 2018. Ainda assim, fomos incapazes de mobilizar amplamente a população na luta contra a reforma da previdência e as reformas nefastas no estado promovidas por Guedes e companhias.
Tentamos resistir ao cariz jurídico persecutório do golpe, que consolida o fechamento do estado democrático de direito e à sua face fascista detratora e assassina. Embora intuíssemos, ambos estão mais ligados do que imaginamos: Marielle vive e Lula Livre forjaram unidade. A atuação dos desgovernos da extrema direita e as provas que reunimos ajudaram e muito a desmoralizá-los, na reconquista das bases e nas vitórias que suamos. Sabemos que a família do presidente da República sabe mais do que diz sobre o assassinato de Marielle; um STF ameaçado recua timidamente e, reavaliando, propicia a liberdade de Lula.
Derrotados, seguimos buscando a unidade política, a recomposição dos campos angariando os descontentes (cidadãos, categorias, segmentos).
Tudo isso para dizer o que parece óbvio. A crise política não pode ser entendida apenas como resultado da crise econômica ou da crise no seio do governo; ela é, e muito, decorrente da crise de representação, das formas de mobilização e da capilaridade dos movimentos sociais e de categorias hoje. Ela é uma crise que correu em paralelo à disputa entre direita e esquerda e se adiantou a ela: ela é a crise no seio da esquerda brasileira que tem a sua maior expressão na fundação do PSOL, além de outros fatores e resultados de grande impacto. As crises internas das esquerdas nacionais é, aliás, uma realidade de toda a complexa organização dos movimentos de resistência ao capital, desde sempre e, em maior ou menor grau, contribuem e encerram as nossas disputas com a direita.
Isso, pra terminar por hora, nos coloca o desafio de compreender o que é urgente, fundamental, amplo e popular; o que é inegociável para a esquerda e, a partir de então, vencer a pauta dentre a população que não aderiu, nem se convenceu ou se sensibilizou com o nosso projeto. Entender que todas as formas e canais precisam funcionar e que um núcleo de unidade precisa ser encontrado e movimentado. É preciso entender que, em que pesem as divergências, em momentos de crise, os embates com a direta reclamam imediatamente o caminho do cessar fogo entre nós. O Brasil é enorme, contraditório, o capital aqui é parasitário, antipovo, antitrabalhador, racista e antinacional. A elite do atraso é a mesma.
Lula sabe disso tudo melhor que todos nós, admitamos. Por essa razão, desde sempre e, sobretudo nos últimos anos, ele fala o fundamental, para o povo e chama nominalmente a unidade.
Eu espero que a esquerda, nos seus espectros de vermelho e amarelo, tenha aprendido – porque antes tarde do que nunca – com aquele que é a maior liderança do Brasil e em torno de quem podemos reencontrar a forma de fazer a unidade forte, ampla e consistente o suficiente para enfrentarmos o fascismo.
#Dilmacoracaovalente
#mariellevive
#Lulalivre