Lutar com palavras

Lutar com palavras é a luta mais vã, afirmava Drummond, sempre tão certeiro em sua poesia delicada e cortante.

Há uma luta sendo travada nas ruas do Brasil e procuro as palavras para fazer parte, eu também, dessa luta. E a escritura, esse ofício muitas vezes mesquinho e ingrato, parece às vezes impotente, desnecessária. É que há ignorância em demasia, é que há ódio transbordando em escritos por aí, seja da lavra de desconhecidos ou parta dos teclados bem pagos de renomados profissionais. É necessário enfrentar a luta. Se a luta é vã, o mesmo Drummond afirmava que, entanto, lutamos, mal rompe a manhã. Árdua e necessária luta, essa, de combate ao ódio, à ignorância, à desesperança.

Os tempos duros que vivemos não são, à primeira vista, terreno propício para a poesia, ou para o combate com palavras. São tempos a cobrar ação imediata, a pedir a definição de um lado, a nos cobrar as barricadas nas ruas, as trincheiras populares. Mas é exatamente em tempos duros assim que necessitamos da unidade de todas as formas de luta. O momento que vivemos no Brasil requer múltiplas formas de luta na defesa da democracia e da soberania nacional.

Drummond, ainda Drummond, em outros versos reclama que “os camaradas não disseram que havia uma guerra, e era necessário trazer fogo e alimento”. Nós, no nosso tempo, nem podemos nos defender com isso. Nós sabíamos e sabemos que estamos em guerra. Há um governo ilegítimo, filho de um golpe institucional, que ameaça direitos e conquistas históricas dos trabalhadores. Há uma polícia violenta, que parece ter recebido licença para reprimir, bater e matar. A repressão é gratuita nas ruas do Brasil. Há uma onda de ódio em boa parcela da sociedade, alimentada na superfície e nos subterrâneos.

Num tempo tão sombrio, há que se lutar com todas as armas. Precisamos saber combinar as mais diversas formas de luta. As eleições municipais, por exemplo, constituem hoje o palco de encarniçada batalha entre o golpe e a democracia. É necessário ousadia e serenidade para essa disputa. Há que se trazer para o teatro da guerra a questão nacional, de denúncia do golpe, de defesa da democracia. Mas há também que se ter o olho nas questões locais, mirar os problemas concretos do povo. Nem sempre é fácil juntar as duas coisas, especialmente em uma época como essa, quando as coisas, muitas vezes, ficam confusas, e a névoa do esquerdismo contribui ainda mais para embaralhar tudo.

É necessário ouvir a juventude, sangue no olho nas manifestações de rua. Mas é necessário também que ajudemos na direção política dessa juventude, que travemos o debate com ela, que situemos historicamente a luta, antes que o justo anseio por democracia se transforme em uma revolta vazia e sem direção.

É necessário o mais irrestrito apoio às lutas setoriais dos trabalhadores, como a dos bancários em greve neste momento. Eis aí uma boa oportunidade para discutirmos a democracia com esse importante setor de serviços. Eis uma boa oportunidade para desmascararmos o golpe, que encontra apoio em parte dessa categoria, como em muitas outras. Se a hora é confusa, ela é a mais propícia para o debate aberto e para o chamado à unidade. Unidade na diversidade de formas de luta. Unidade nos diversificados interesses das categorias de trabalhadores. Unidade em torno da bandeira da democracia.

Na trincheira de cá, o que nos sobra é, mal rompa a manhã, lutarmos com palavras, verbos cortantes ou afetuosos a flutuar nos céus da existência. Porque, nós sabemos, há uma guerra em curso, e além de fogo e alimento, é necessário que tenhamos sempre pronta uma palavra de luta e de alento em defesa da democracia.

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