Mazembe e Lumumba

A inédita participação de um time africano de futebol, o TP Mazembe, no Campeonato Mundial de Clubes nos leva a pensar no quanto esse feito tem a ver com a história de seu país, a República Democrática do Congo. E com as idéias do líder Patrice Lumumba, primeiro-ministro deposto e, depois, assassinado em 1961.

Lumumba foi líder da luta pela libertação de seu país do domínio belga, e elevado ao poder pelo enorme clamor popular, aos 35 anos de idade. Mas ficou apenas 67 dias como primeiro-ministro, sendo destituído por um golpe comprovadamente orientado bela Bélgica e, em especial, pela Agência de Inteligência dos Estados Unidos, a CIA.

Ele era ferrenho defensor do pan-africanismo e da tese de que um país africano poderia ser dirigido por governo que estivesse acima das etnias e diferenças culturais e que a África fosse unida. O time do Mazembe tem jogadores das mais variadas etnias congolesas e cinco estrangeiros (quatro atletas e o técnico), mas todos de países africanos.

O time nasceu em 1932 numa escola católica da cidade de Lubumbashi, hoje com perto de 2 milhões de habitantes. Kinshasa, a capital, tem 6,3 milhões de habitantes e o país inteiro tem 64 milhões. Calcula-se que 95% dos congoleses sejam católicos.

Assim como o time, Lumumba cresceu em escolas católicas. Na sua formação política, teve forte influência de Kwame Nkrumah, líder marxista que foi primeiro-ministro e presidente de Gana, desde a libertação da Inglaterra, em 1957, até 1966, quando foi deposto por um golpe de estado. Ele não morreu porque estava em viagem a Hanói,  Vietnã do Norte, e exilou-se na Guiné, onde faleceu em 72.

Já em 1958, Lumumba foi eleito presidente da União dos Trabalhadores do Congo. Naquele mesmo ano, Nkrumah promoveu em Gana o 6º Congresso Pan-Africano. Os outros cinco tinham sido realizados em países europeus, com apoio não-governamental. Este, por ser em solo africano,  fortaleceu a idéia da libertação e do socialismo. Dois anos depois, a Bélgica teve que aceitar a independência da sua colônia.

A negociação final para isso foi em Bruxelas. Mas os negociadores congoleses exigiram a presença de Lumumba, que estava preso em Leopoldville (hoje Kinshasa). Os belgas o colocaram em um avião e tiveram que engolir o jovem líder como primeiro-ministro. Na sua fala, na posse, ele irritou ainda mais os belgas, com a força da palavra.

Lumumba mal sentou na cadeira e já se deparou com uma verdade africana, da qual Nkrumah fala em um de seus livros (“Luta de Classes na África”). Ele diz que a burguesia que detinha o poder entes das independências, era a mesma que solapava os novos regimes, em conluio com os ex-colonizadores e os Estados Unidos.

A província mineral de Katanga, sob a liderança de Moise Tshombe, foi a que mais se rebelou contra o novo governo do Congo. Esse sujeito era pau-mandado dos brancos que habitavam aquela rica província, vizinha da Rodésia (hoje Zimbabue), onde o apartheid racialera a regra.

O fato é que o movimento pan-africanista vinha ganhando vulto. A influência da União Soviética poderia frutificar por ali. O colonial-imperialismo resolveu, então, dar um corte na história e pegou Lumumba como exemplar. Afinal, o Congo já tinha uma indústria mineradora de cobre, ouro e diamante e uma classe operária já organizada.

O mesmo ocorria em Gana, onde a agricultura em larga escala, a indústria minero-metalúrgica e de construção, cresciam com as escolas e hospitais. Foi Nkrumah que construiu, por exemplo, a hidrelétrica de Akosombo, no rio Volta, que formou o que é até hoje o maior lago artificial do mundo. Pelo menos até encherem os nossos de Belo Monte etc.

Mas havia um problema. Além de Nkrumah e Lumumba, pululavam pela África ocidental outros movimentos e outros lideres do mesmo matiz. Entre exemplos mais clássicos estavam Julius Nyerere, da Tanzânia, Sekou Toure, da Guiné, Tom Mboia, do Quênia. Isso explica porque, pelos dados oficiais, de 1963 a 1969 ocorreram 25 golpes de estado na África, inclusive o de Gana, que derrubou Nkrumah.

No caso do Congo, o processo acabou nas mãos de outro aliado do imperialismo, o coronel Mobutu Sese Seko, que se instalou no poder por décadas e mudou o nome do país para Zaire. Só fez acirrar as desigualdades. Hoje, a R.D. do Congo voltou a ser democrática, mas, apesar das enormes riquezas que detém, disputa a vaga de país mais miserável do mundo.

A estratégia do imperialismo era evitar que a África se desenvolvesse, que as idéias socialistas não prosperassem, que aquela gente ficasse onde estava. Em contrapartida, Nkrumah dizia que “precisamos acabar com o tribalismo, não com as tribos”.

Ele, Lumumba e vários outros pregavam o voto universal, inclusive para mulheres, e nenhum tipo de discriminação econômica ou racial. O Mazembe parece ser uma soma de tudo isso. É a R.D. do Congo unida nela própria e com o resto da África. O nome do time mistura o francês (o TP quer dizer Tout Puissant, ou seja: Todo Poderoso) com o africano.

E os olhares no futuro.

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