Medida Provisória, o filme

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Assim como “Mariguella”, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) segurou por meses a estreia do filme “Medida Provisória” em salas de cinema brasileiras. O diretor Lázaro Ramos e a esposa Taís Araújo, protagonista do longa-metragem, dizem se tratar de censura.

“Tivemos que adiar a estreia quatro vezes. Censura também se faz com burocracia e foi isso que aconteceu. O flerte com a censura é expediente desse governo, a gente sabe”, disse Lázaro em entrevista à Folha de São Paulo. Com um ano de atraso, o filme entrou em cartaz na quinta-feira (14).

Lázaro e Taís também foram perseguidos na internet por bolsonaristas, em um coro puxado por Mário Frias e Sérgio Camargo, ex-secretário especial de Cultura e ex-presidente da Fundação Palmares, respectivamente. O próprio presidente Jair Bolsonaro entrou no circuito e insinuou nas redes sociais que o casal roubou R$ 2,7 milhões de dinheiro público para fazer o filme. O valor corresponde ao montante oriundo do Fundo Setorial do Audiovisual. Ao todo, o longa captou R$ 4,2 milhões em verbas públicas, e gerou mais de 850 empregos diretos e indiretos, segundo a Folha.

Para o casal, o motivo está na mensagem do filme. “Medida Provisória” é ambientado num Brasil dirigido por um regime autoritário, que decide deportar a população negra para a África, com a desculpa de promover reparação histórica. Representantes do governo federal encararam a obra audiovisual como uma crítica a Bolsonaro, o que não foi negado por seus criadores.

A segregação racial do País já foi retratada em produções recentes, como o curta-metragem “República”, de Grace Passô. A história se passa em 2020, início da pandemia, quando um xamã descobre que o Brasil é um sonho, e tudo o que vivemos poderá se dissipar, pois quem estiver sonhando poderá acordar a qualquer momento.

Grace é a protagonista do curta, e recebe a notícia através de uma ligação que a desperta no meio da noite. No telefone, ela conversa com alguém que não sabemos quem é, apenas que se chama Anastácia. É o mesmo nome de uma santa não reconhecida pela Igreja Católica, mas cultuada por tradições umbandistas e espíritas desde a década de 60 no Brasil, retratada como uma mulher negra escravizada, condenada a usar uma Máscara de Flandres, instrumento de tortura que impedia levar o alimento à boca.

Um ano antes do lançamento do curta, o artista Yhuri Cruz criou a obra “Monumento à voz de Anastácia” ou “Anastácia Livre”, um retrato da santa com o sorriso à mostra, sem a amarra de ferro. Segundo Yhuri, a ideia é revelar a boca mais real do que a máscara. “Na batalha de ficções, a mítica branca se esfacelou. Nunca mais não haverá a boca insubmissa”, declarou o artista em entrevista ao Projeto Afro, plataforma afro-brasileira de mapeamento e difusão de artistas negros.

Com “Anastácia Livre”, Yhuri Cruz criou um doppelgänger liberto para a Escrava Anastácia, algo que também se manifesta em “República”, onde um Brasil ilusório e outro real se enfrentam para um acerto de contas.

Já no longa-metragem “Branco Sai, Preto Fica”, de Adirley Queirós, a disputa pela realidade acontece em uma mescla de ficção e documentário. De 2014, o filme narra as consequências deixadas em um grupo de jovens que sobreviveu a uma ação policial violenta. A história é baseada em um acontecimento de 1986, em um baile de black music de Ceilândia, em Brasília.

Ceilândia foi fundada em 1971, durante a ditadura militar, pelo então governador Hélio Prates. Por meio de um projeto de remoção compulsória, famílias que viviam em áreas irregulares foram alojadas nas regiões mais afastadas do Plano Piloto, nascendo assim a Campanha de Erradicação de Invasões (CEI).

No filme de Adirley Queirós, dois homens têm as vidas marcadas pela repressão policial em Ceilândia, e um terceiro homem vem do futuro investigar o ocorrido e expor as causas sociais mais profundas que resultam no evento trágico.

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