Melhor não dizer verdades?

Do papel do Legislativo à privatização, insta uma reflexão sobre a importância do debate e da correção de rumores para o progresso da nação.

Brasília – Plenário da Câmara dos Deputados | Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Estranho o País em que vivemos. Aceitamos com naturalidade a enxurrada de “fake news” a que estamos submetidos, mas causa indignação ouvir constatações óbvias e verdades indiscutíveis. Dois fatos me chamaram a atenção esta semana. Vejamos o primeiro.

Em uma entrevista, o atual Ministro da Fazenda, declarou que a Câmara dos Deputados “está com um poder muito grande” e não pode usá-lo para “humilhar o Senado e o Executivo.”

Revolta dos congressistas. Exigem retratação. Uma ousadia dizer o que todos vêm. O Rei Nu volta a aparecer.

Declara o presidente da Câmara, após cancelar uma reunião que seria estratégica:

“É equivocado pressupor que a formação de consensos em temáticas sensíveis revela a concentração de poder na figura de quem quer que seja. A formação de maioria política é feita com credibilidade e diálogo permanente com os líderes partidários e os integrantes da Casa”.

Para evitar dissabores, o Ministro declara que não era bem isso que dizia, era uma análise histórica em que analisava a saída do Brasil do presidencialismo de coalizão para um modelo amorfo em que “o parlamentarismo sem primeiro ministro” passava a imperar. A afirmação feita parece melhor se aplicada à realidade da Câmara atual. Afinal, o que se vê.

Não foi verdade que criaram o “Orçamento Secreto” e puderam direcionar grande parcela dos recursos públicos para interesses individuais e nem sempre articulados com um projeto nacional? Que usaram esses recursos direcionando para interesses políticos de curto prazo que garantiram a base de muitas das reeleições? Que mesmo os que foram direcionados para projetos necessários, não tiveram transparência suficiente para a sociedade saber quem os solicitava, quais os objetivos e como poderia monitorar o bom uso?

Não é verdade que com o fim do poder, pela decisão do STF, que esse mecanismo de alocação de recursos dava, faz-se pressão para incluir no orçamento do ano vindouro novas emendas para atender interesses parlamentares, “sugerindo” adicionar mais de 9 bilhões de reais para esse fim, que se força a entrega de Ministérios para aliados da Câmara, com o único objetivo implícito de acelerar a liberação de recursos para projetos de interesse dos congressistas?

Nada mais patente e claro, nada que não seja de conhecimento de todos os que acompanham a política nacional.

A função do Legislativo é legislar, no máximo acompanhar as ações do Executivo e validar ou não os caminhos adotados, não é a de assumir as funções do Executivo e de se apoderar do direito de definir a alocação dos recursos em obras e ações de interesse dos congressistas. Principalmente quando vem a atender apenas a interesses individuais ou corporativos. Formar bancadas que só pensam em interesses específicos, nos interesses de perfis setorializados, pouco ajuda no desenvolvimento da sociedade como um todo.

Outro fato. Houve um apagão. Versões são espalhadas de todos os lados. Culpados são definidos a priori. Sem aprofundar investigações, sem se conhecer efetivamente os fatos. Não quero entrar nessa polêmica. O que me chama a atenção é o retomar da discussão sobre privatizações.

Sou daqueles que acreditam que, na sociedade capitalista, é um processo natural. O Estado entra como produtor e fornecedor em setores da atividade econômica de maturação de mais longo prazo, em segmentos em que a lucratividade de curto prazo é pouco atrativa para a iniciativa privada, ou em atividades que são estratégicas para as cadeias de valor e para a melhoria social do país. Nada mais lógico que, quando se estabilizam, quando conseguem atrair interesses, saia  através de privatizações, o que permite que se capitalize para atender novas demandas inerentes a um mundo em rapidíssimas modificações.

No entanto, essa saída deve ser controlada para evitar que o estratégico possa ser ameaçado por interesses meramente de remuneração. Também, fundamental que os investimentos feitos pela nação sejam ressarcidos a contento, evitando subfaturamento, evitando atender apenas os interesses de grupos econômicos.

Essa é a lógica de um processo sadio de privatização. Acredito que um caminho natural no modo de produção em que vivemos.

O dito apagão trouxe a baila o processo ocorrido com a Eletrobras. Esse é o ponto. As acusações de subfaturamento são facilmente observáveis, o controle dos investimentos em manutenção e modernização, ainda cedo para se saber. O processo se finalizou no segundo semestre de 2022.

O problema levantado é a participação do Estado brasileiro na gestão da companhia. Ele continua detendo mais de 40% das ações ordinárias, com direito a voto. E isso foi fundamental para atrair os investidores.

No entanto, na privatização incluiu-se um dispositivo que impede que um associado possa ter direito a mais de 10% nas votações que direcionariam o órgão. Com isso, se evitou a possibilidade do acionista majoritário definir regras e direcionamentos de gestão. Ou seja, tirou-se do governo a possibilidade de orientar a companhia para o estratégico no contexto de desenvolvimento do país. Tema importante que merece reflexão e aprofundamento.

Debate posto, novamente vozes se levantam contra. Leio nos jornais evejo nas mídias que a privatização foi feita e não se podem admitir questionamentos. Com risco de novas represálias nas votações do Parlamento.

Um tema de máxima importância para a nação sempre deve poder voltar à discussão. Equívocos são feitos e devem ser corrigidos. A quase proibição do debate pouco contribui para o avançar. Não há como chegar a um país mais eficiente caso não se corrija distorções que muitas vezes foram feitas de afogadilho, no apagar das luzes de outra gestão.

Vejo agora que a PGR solta um parecer nessa direção. Questionando a falta do baixo poder de decisão do governo nacional frente à sua posição acionária. Embora possa ter sido motivado por outros interesses conjunturais, como a manutenção em cargos em período de possíveis mudanças no órgão, é salutar. É importante rever caminhos traçados e rumos a serem seguidos.

Nossos parlamentares se melindram facilmente. Essa birra, a cada assunto que não lhes interessa ameaçam com paralisação dos principais temas de interesse coletivo, pouco ajuda, pouco faz avançar. Permitam que a Democracia plena seja exercida. Coloquem os argumentos contrários, mas não deixem de votar e agendar debates sobre temas relevantes para o país, não posterguem as chances que temos de mudar a nação.

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