Meu olho que pensa que tudo viu

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Meu olho se estica entre os prédios e dá a volta em todos os vãos intrincados de concreto e musgo. Penetra em cada janela, especulando seus moradores em paredes sem cor. Nas antenas lá do topo emaranhadas com fios de pipas, meus olhos se enroscam e rechaçam as pixações sem nexo e plainam de volta às copas das minguadas árvores. Um par de tênis surrado balança pelo cadarço nos fio de eletricidade, jogado há dias por um moleque na saída da escola. Ele divide o espaço com os pombos cinzentos e magros que, malabaristas, esperam migalhas escassas na porta da padaria. Meu olho se alonga mais adiante e arde com o congestionamento das ruas vizinhas, na fumaça dos cigarros, na fuligem dispersa. Se apressa e conta quanta gente se aperta no ônibus e, feito gato no escuro, reflete a luz da retina, embaixo, no túnel do metro.

Tranquilamente fotografa as vestes coloridas, os guarda-chuvas molhados, os cabelos esvoaçantes de transeuntes alvoroçados e cada placa de rua de todas as ruas com seus nomes desconhecidos. Segue atentamente os cães sem dono, de olhar pidonho e lacrimeja compaixão. Aperta-se para ver o sol e enruga-se sobre os escombros do Haiti e do Chile, de tão longe que meu olho vai. Enquanto espera o farol abrir, meu olho que pensa que tudo viu nestes poucos minutos, dá graças à minha imaginação por sentir tanto assim.

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