“Morrer pelo Che” e a importância dos revolucionários da América Latina

Autor: Thiago Modenesi

Sempre impressiona a atualidade de Ernesto Guevara de la Serna e suas ideias, mas também como sua presença no cenário político latino-americano plantou raízes e difundiu pensamentos que contestavam preceitos históricos e políticos estabelecidos nas nações do continente. Daí a importância de uma HQ como Morrer pelo Che, por seu roteiro e arte instigantes, envelopando uma trama que merece ser conhecida pelos leitores.

Morrer pelo Che (Quadriculando/Anita Garibaldi, 2021) é uma história em quadrinhos muito singular. Reproduz a histórica viagem ao Uruguai do comandante Che Guevara e toda a repercussão da mesma na sociedade e na mídia local, mesclando aspectos reais e fictícios, num trabalho realizado por Pablo Roy Leguisamo, Marcos Vergara e Caio Di Lorenzo.

A obra venceu os Fundos Concursáveis do Ministério da Educação e Cultura do Uruguai em 2012 e faz mais que narrar um feito histórico, parte de um trabalho minucioso de resgate a partir de documentação, o discurso de Che (transcrito do áudio original), por exemplo, reproduz palavra por palavra o dito pelo líder cubano na sua passagem pelo país.  A HQ nos oferta uma ficção histórica a mais precisa possível, tendo reproduções fiéis as capas dos jornais e outros fatos que têm ligação com seus dias nesse país, a exemplo das relações dos personagens reais que aparecem (por exemplo, a agente da KGB e Ramírez).

Os eventos retratados em agosto de 1961, a partir da visita de Che Guevara ao Uruguai, mostram claramente as características de uma época contraditória, onde a violência e a ingenuidade se misturavam no entorno político e social da América Latina. Grupos de esquerda e de direita, influenciados por agentes da CIA e da KGB, estavam envolvidos em uma rede de espionagem que superava a compreensão de ambos os lados.

A HQ se situa no ano que Guevara visitou o Uruguai na qualidade de Ministro da Indústria e Presidente do Banco Nacional de Cuba para participar de uma Conferência em Punta del Este, em uma reunião extraordinária do Conselho Interamericano Econômico e Social (CIES) na qual se criaria a chamada Aliança para o Progresso. Os autores se detêm nesse momento da vida de Ernesto Guevara e, a partir daí, desdobram múltiplas nuances que nos desafiam do passado ao nosso presente.

Aqueles dias que Che passou no Uruguai são o contexto para descrever o espírito daquela época, não só no Uruguai, mas toda esta América que compartilha histórias similares. Naqueles primeiros anos da década de 1960, emanavam da Cuba revolucionária ideias que pareciam tornar realidade os sonhos socialistas, e como tais começaram a serem as bandeiras de muitos grupos militantes e partidos políticos.

Roy, Vergara e Di Lorenzo conseguem apresentar toda a história de uma maneira sutil e precisa. O roteiro parte de um feito histórico real que ocorreu durante a visita de Guevara ao Uruguai: enquanto discursava na Universidade foi assassinado em circunstâncias misteriosas o professor Arbelio Ramirez, o mistério foi tamanho que se criaram múltiplas teorias, se escreveram livros, se fizeram filmes e agora existe também essa HQ sobre o fato.

Marcos Vergara é fundamental para a apresentação viva de Guevara nessas páginas, lhe dando energia e movimento a um corpo que somente vimos em fotografias históricas. O roteiro de Roy também é repleto de virtudes, marcando o ritmo da narração, introduzindo personagens e situações, contrapondo cenas dos personagens ideologicamente opostos.

O assassinato de Arbelio Ramírez foi apontado posteriormente como a primeira morte por razões políticas daquele país naquela época, sendo, portanto, um marco da violência política no Uruguai. E como tal, se identifica também com feitos similares que ocorreram nos países vizinhos na mesma época, como no Brasil. É por isso que Morrer pelo Chenarra ao mesmo tempo uma história baseada na realidade e transmite o espírito de um tempo, interpela também o leitor de hoje sobre o ocorrido que ainda tem feridas abertas várias décadas depois.

A edição da Quadriculando/Anita Garibaldi tem capa exclusiva desenhada pelo argentino Marcos Vergara para versão brasileira e segue o padrão original, com 100 páginas coloridas, capa cartão, formato 19 x 25 cm e papel de alta qualidade. É possível adquiri-la em pré-venda com 30% de desconto em http://catarse.me/che até 20 de julho.

Thiago Modenesi é licenciado em História, Especialista em Ensino de História e Ciência Política, Mestre e Doutor em Educação, é professor e pesquisador sobre charges, cartuns e histórias em Quadrinhos e editor do selo de histórias em quadrinhos Quadriculando, além de presidente do PCdoB em Jaboatão dos Guararapes/PE e colunistas do Portal Vermelho.

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