Na boca da urna, qual programa? Por Luciano Siqueira.

´Colunistas e editorialistas, movidos pelos interesses do mercado financeiro e do agronegócio, mostram-se inquietos sobre a política econômica do futuro governo

Foto: Ricardo Stuckert

Toda eleição para cargos executivos é assim. Num dado momento, por boas ou más intenções surge a cobrança do chamado programa de governo, em geral da candidatura mais cotada para vencer.

Recordo-me do ex-governador Miguel Arraes, aliado do PCdoB, com quem tive a oportunidade de conviver por 24 anos.

Em 1982, ainda pelo MDB (que então encarnava a frente ampla democrática de resistência à ditadura militar), o senador Marcos Freire despontava como forte candidato oposicionista ao governo do Estado.

Arraes não simpatizava com essa alternativa: “Cadê o programa?”

Quatro anos após, em 1986, ele próprio é que foi o candidato, eleito em memorável campanha que marcou a história de Pernambuco:

“Programa? Não há necessidade, o povo sabe o que eu penso”, dizia ele.

Dois pesos, duas medidas conforme as circunstâncias. E a correlação de forças.

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Agora a cobrança recai sobre Lula, que tem chances reais de vencer o pleito presidencial talvez até já no primeiro turno.

A grande mídia, que circunstancialmente reforça a candidatura do ex-presidente — Bolsonaro é o inimigo comum declarado —, diz-se desinformada sobre a proposta programática do futuro governo da coalizão Brasil da Esperança. 

Isso apesar da plataforma apresentada por Lula e Alckmin no início da campanha e que vem ensejando proposições do conjunto da sociedade e de segmentos organizados, através de plataforma digital.

Na verdade, colunistas e editorialistas, movidos pelos interesses do mercado financeiro e do poderoso agronegócio, mostram-se inquietos em relação à política econômica do futuro governo.

Desejam uma solução “frankenstein” para a crise: derrotar o fascismo, mas conservar, na essência, o figurino neoliberal.

A cobrança é uma impropriedade, tanto porque programa de governo propriamente dito só se estabelece quando o governante toma posse e se assenhora plenamente da situação real que encontra, como porque, no caso específico da candidatura de Lula, a agregação de novas forças à frente ampla que a sustenta prossegue incorporando opiniões diversas.

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Confirmando-se a vitória, pelo menos teoricamente se terá três meses de transição do atual para o futuro governo. Tempo para pisar nas condições concretas de governo e de decantar as proposições recolhidas.

Agora, bem que Lula poderia — ao estilo Miguel Arraes — ponderar: “Para que antecipar um programa de governo se a nação já sabe o que penso e as motivações dos variados apoios que recebo?”

Na verdade, como todo governo, o próximo será de intensa disputa interna entre as forças que o comporão, tão amplas e diversificadas quanto complexos são os problemas a serem enfrentados sob a consigna da reconstrução nacional.

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