Nação exige Comissão da Verdade Já (II)
Mais um fato impressionante revelado na semana passada veio reforçar a necessidade imperiosa da instalação já da Comissão Nacional da Verdade, cuja lei foi sancionada em novembro do ano passado pela presidenta Dilma Rousseff, portanto há meio ano. É tempo demais. Há grandes nomes para compô-la. Tudo depende de decisão política. Não dá mais para esperar a sua constituição e funcionamento.
Publicado 13/05/2012 23:17
O fato é o lançamento do livro “Memórias de uma Guerra Suja”, dos jornalistas capixabas Marcelo Neto e Rogério Medeiros, a partir do depoimento do ex-delegado do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), Cláudio Guerra ao longo dos dois últimos anos. Como agente da ditadura militar, Guerra declarou ter participado da tortura e assassinato de mais de 100 militantes políticos, inclusive da incineração de pelo menos dez deles. Esses fatos teriam acontecido nas décadas de 1970 e 1980, inclusive no atentado terrorista de 30 de abril de 1981 no Pavilhão Riocentro, no Rio de janeiro, quando ali era comemorado o Dia do Trabalho. Ele contou com detalhes porque não deu certo o que fora planejado para causar pânico e morte de centenas de pessoas e depois culpar os comunistas.
Há quem veja o relato do ex-delegado do DOPS com certa reserva, até porque o seu nome não consta em nenhuma lista de torturadores nas entidades de defesa dos direitos humanos. Contudo, o detalhamento, os nomes citados dos terroristas do regime e dos militantes políticos, e as datas precisas, nos levam a exigir a rigorosa apuração. E a Comissão Nacional da Verdade é o órgão mais indicado para levar a investigação a cabo. Daí a insistência das famílias e amigos dos mortos e desaparecidos e de todos os democratas que lutam pela memória, a verdade e a justiça.
No livro lançado na semana passada e que deve chegar a Fortaleza nesta sexta-feira 11 de maio, revelações bombásticas provam o que vimos dizendo há décadas: a ditadura militar instalada em 1º de abril de 1964 foi uma das maiores tragédias vividas pelo povo brasileiro.
Da mesma forma como a velha mídia conservadora, venal e golpista silenciou sobre o lançamento do livro do jornalista Amaury Ribeiro Filho a “Privataria tucana”, que deixou a tucanada em desespero, agora também omite o lançamento deste que revela fatos até então desconhecidos e que já deixa muita gente sem poder conciliar o sono, notadamente os mandantes dos crimes, os empresários que financiaram a repressão e os agentes – civis e militares- que executaram.
O fato mais escabroso narrado por Cláudio Guerra foi a incineração do corpo de dez limitantes políticos, entre eles David Capistrano, que teve a mão direita decepada durante a tortura, João Massena Mello e Luiz Ignácio Maranhão Filho, dirigentes históricos do PCB; Ana Rosa Kucinsk e Wilson Silva – ela tinha o corpo todo mordido, talvez para impedir um estupro, e ele não tinha as unhas da mão direita, arrancadas durante as sessões de tortura.
Os corpos foram incinerados no forno da usina de açúcar Cambahyba, no município de Campos – Rio de Janeiro, pertencente ao então vice-governador fluminense Heli Ribeiro que passou a receber benesses dos ditadores de plantão. No forno dessa mesma usina foram incinerados também os corpos de João Batista e Joaquim Pires Cerveira, ambos presos na Argentina pela equipe do delegado Fleury; Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho, militantes de APML.
Amigo do dono da usina, o ex-delegado do DOPS levou os seus superiores coronel de cavalaria do Exército, Freddie Perdigão Pereira, que trabalhava para o SNI – Serviço Nacional de Informações, e o comandante da Marinha, Antonio Vieira, que atuava no Cenimar – Centro de Informações da Marinha. De imediato os dois oficiais das Forças Armadas aprovaram o local para dar o sumiço para sempre daqueles que ousaram lutar contra a ditadura militar.
Cláudio Antonio Guerra, hoje com 71 anos e membro de uma igreja evangélica, arrependido e com forte crise de consciência, conta com riqueza de detalhes como matou outros democratas e patriotas como Nestor Veras, membro do Comitê Central do PCB que foi barbaramente torturado e estava agonizando quando lhe deu os tiros de misericórdia, sendo um no peito e outro na cabeça. Ele também matou o estudante universitário e militante da ALN – Aliança Libertadora nacional- Ronaldo Mouth Queiroz; Emanuel Bezerra Santos, Manoel Lisboa de Moura e Manoel Aleixo da Silva, todos do PCR- Partido Comunista Revolucionário.
Ele também conta que chegou a vestir batina para se aproximar de Leonel Brizola e matá-lo, para jogar a culpa na Igreja Católica que não mais apoiava a ditadura.
Ele também detalha o atentado ao Riocentro e por que não deu certo; a morte do jornalista Alexandre Von Baumgarten e do temido torturador Sérgio Paranhos Fleury. Este foi morto porque sabia demais e enriqueceu com o dinheiro que recebia dos empresários para combater os inimigos do regime militar.
A decisão de matar Fleury foi tomada em um restaurante em São Paulo onde, além de Cláudio Guerra, estavam presentes os seguintes militares: coronel do Exército Ênio Pimentel da Silveira, o coronel-aviador Juarez de Deus Gomes da Silva, o coronel do Exército Freddie Perdigão, o comandante da Marinha Antonio Vieira, o coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi quem coordenou a reunião; e o delegado da Polícia Civil de São Paulo, Aparecido Laerte Calandra.
O ex-delegado e hoje evangélico quer ser acareado com todos os militares que ele cita, em especial o coronel Brilhante Ustra, o coronel-aviador Juarez de Deus e o delegado Aparecido Laerte Calandra, os três sobreviventes do “tribunal” que decretou a morte do delegado Fleury.
Ele está sendo escoltado por agentes da Polícia Federal para garantir a sua segurança física e acaba de mostrar os locais até então desconhecidos que indica como centros de tortura, execução e desaparecimento de presos políticos.
O livro “Memórias de uma Guerra Suja” já foi lido pela presidenta Dilma Rousseff, pelos comandantes militares e pelos ministros da Justiça, José Eduardo Cardoso, e dos Direitos Humanos, Maria do Rosário.
Diante desses fatos não dá mais para não constituir a Comissão Nacional da Verdade.
Mais do que nunca a Nação exige!