Nas entranhas da Amazônia

Posso me dar ao luxo de dizer que conheço bem a Amazônia. Conheço todos os estados da região, um grande número de cidades e várias comunidades, especialmente do estado do Amazonas. Algumas delas em locais tão ermos que sequer constam em qualquer mapa oficial. Mas o espetáculo, a rigor, não se repete. Cada uma delas tem sua particularidade, o que evita a repetição monótona, comum em cenários repetitivos.

Acabo de retornar de uma dessas aventuras.

Saímos de Manaus no sábado, dia 12, a bordo de um taxi aéreo. Duas horas depois chegamos a Tefé, cidade pólo da região do médio Solimões, que dispõe de aeroporto homologado e razoável estrutura urbana.

Alguns minutos depois estávamos a bordo de uma voadeira(1) em direção a comunidade de “São Raimundo do Rio Cubuá”, município de Maraã, cujo acesso só é possível por via fluvial. Inauguramos casas populares construídas no período em que ficamos à frente da Secretaria de Estado da Produção Rural, reunimos com a comunidade e fomos “apresentados” ao motor de popa (rabeta) movido a gás – tecnologia desenvolvida exclusivamente por eles, que nunca freqüentaram uma escola de mecânica – cujo mérito é reduzir a despesa com deslocamento em até 70% em relação ao uso de gasolina.

Quatro horas depois estávamos de volta a Tefé. Tomamos alguns automóveis   tipo pick-up e nos deslocamos para a comunidade “Aliança com Deus”, no ramal do Andiroba. Mas após 20 km de estradas tivemos que abandonar os carros e caminhar 01 hora por um varadouro(2) recém aberto que ainda conservava quase todos os tocos de arvores que cederam lugar ao caminho; quando cessavam os tocos vinha a lama e os espinhos num interminável subir e descer de pequenas ladeiras. Fomos inaugurar uma escola rural municipal, construída pelo Prefeito Sidônio Gonçalves e pelo secretário de educação do município, professor Eliézio Moura, um antigo militante do PCdoB e líder de sua categoria naquela região. A líder da comunidade, Odinéia, nos brindou com a hospitalidade típica dos amazônidas e uma banda municipal, em plena selva amazônica, entoou o hino nacional e municipal. Nesse dia, após o arraial de Santo Antonio, encerramos o expediente por volta de meia noite.

Às seis horas da manhã tomamos o taxi aéreo em direção a São Gabriel da Cachoeira no alto Rio Negro. Mais duas horas voando sob o tapete de floresta e água. Às 9 horas já estávamos numa voadeira de 115 HP em direção a “Vila Nova do Rio Xié”. Alem da equipe da Sepror nos acompanhava o Prefeito Pedro Garcia e os vereadores Flavia, Orlando e Osmarina, alem de lideranças indígenas da região. Foram seis horas singrando o majestoso rio negro, tão belo quanto abandonado. A viagem só não se transforma num martírio pela beleza da região. Mas se há de convir que seis horas balançando numa pequena voadeira não é necessariamente uma programação agradável. Fomos espiritualmente compensados ao passar por uma canoa com um pequeno motor de popa que se destinava ao mesmo local; levariam 4 dias subindo o rio negro, sem qualquer proteção contra o sol inclemente e as chuvas torrenciais. Estavam por conta da natureza e… da sorte.

Na comunidade fomos recebidos pelo cacique Elizeu que liderava uma imensa fila pela qual nós passávamos cumprimentando uma a uma das pessoas. Serviram almoço, um chibé típico da tribo e em seguida inauguramos 20 casas construídas pela Secretaria para aquela comunidade. Agradeceram em Nhengatu, a língua geral indígena, sem a menor preocupação se entendíamos ou não o que eles estavam dizendo. O prefeito é da etnia Tariano e a Vereadora Osmarina é da etnia Tucana. Não entendiam igualmente o que eles diziam. Mas o Gerente de Agricultura Indígena da Sepror, Orlandino Melgueiro, da etnia Baré nos socorreu e assim podemos saber que eles estavam nos agradecendo e não eventualmente nos xingando.

Estávamos há pouco mais de uma hora para chegar à fronteira da Colômbia e da Venezuela, mas em território nacional. Mas se não fosse a providencial intervenção do nosso gerente da Sepror talvez não tivéssemos conseguido nos comunicar. É isso o Brasil que fica acima da linha do equador.

Toda a área é de reserva indígena e praticamente não há moradores, salvo pequenas comunidades indígenas isoladas. Só água e floresta. Atividades como essa da Sepror, construindo casas e desenvolvendo agricultura através de um projeto especifico de agricultura indígena, talvez sejam as poucas ações concretas do poder público naquele mundo à parte. Não é preciso dizer o quanto eles precisam do estado nacional. Não como tutor, mas como parceiro na elevação de seu padrão sócio econômico.

Retornamos a Manaus direto de São Gabriel nas asas do nosso táxi aéreo por longas 03h30min. Assim, após 11 horas e trinta minutos viajando (05h30min de avião e 6 horas de barco) podemos finalmente encerrar mais uma aventura nas selvas, nos rios, nas matas e nos céus da Amazônia. E vivos, para alegria de uns e tristeza de outros.

(1) Canoa de alumínio com motor de popa que alcança velocidade superior a 60 km por hora.

(2) Caminho estreito no meio da selva amazônica.

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