Novembro na Palestina
Quando comemoramos datas importantes, escolhemos de um modo geral, números redondos. Neste mês de novembro, comemoramos 90 anos da Revolução Russa, o maior acontecimento político do século 20. Na Palestina isso não é diferente. Quero aproveitar
Publicado 15/11/2007 19:18
Um mês marcante
É raro num mesmo mês, como em novembro, ter tantos eventos relacionados com um mesmo povo. No caso da Palestina quero comentar quatro eventos, todos ocorridos nesse mês. Dois deles são as chamadas “datas redondas” e ambas não se relacionam com notícias positivas aos palestinos. São os 90 anos da Declaração Balfour, de 1917 e os 60 anos da fatídica e equivocada, em meu ponto de vista, criação do Estado de Israel em terras palestinas. As duas outras datas, não são “redondas”. Trata-se dos 19 anos da Declaração de Independência da Palestina e os 3 anos sem Yasser Arafat. Vamos a elas.
Declaração Balfour
Arthur James Balfour foi um político inglês, extremamente conservador. Viveu entre os anos de 1848 e 1930. Chegou a ser primeiro Ministro da Inglaterra entre 1904 e 1905. acabou entrando para a história por uma fatídica declaração que emitiu em nome de “Sua Majestade, a Rainha”, no sentido de prometer uma terra aos judeus que tinham iniciado uma migração maciça para as terras da Palestina. Desde o congresso sionista da Basiléia, organizado por Theodor Herzl, em 1897, a orientação que a Agência Judaica e os sionistas deram aos judeus de todo o mundo, era de que deveriam emigrar para a região e lá tentar construir um estado judeu, que levaria o nome de Estado de Israel. Quando o lorde Balfour fez a declaração ele exercia o cargo de Secretário de Negócios Estrangeiros da Inglaterra, uma espécie de ministro das Relações Exteriores. Uma reunião prévia ocorrida no dia 31 de outubro com sionistas e ingleses, acabou por gerar a Declaração, emitida em 2 de novembro, portanto há 90 anos (alguns autores mencionam o dia 1º como data da emissão da carta). Nesse texto, Balfour promete uma terra, um lar “nacional judaico” na Palestina para os judeus de todo o mundo. Faz uma ressalva de que “nada seria feito que prejudicasse o povo palestino”. No entanto, foi essa declaração que acabou por embasar os textos posteriores de juristas que passaram a fundamentar da legalidade da partilha das terras palestinas com a criação de dois estados nacionais num mesmo território. O texto original traduzido é o seguinte: “Caro Lord Rothschild, tenho grande prazer de endereçar a Vossa Senhoria, em nome do governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia quanto às aspirações sionistas, declaração submetida ao gabinete e por ele aprovada: `O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento, na Palestina, de um Lar Nacional para o Povo Judeu, e empregará todos os seus esforços no sentido de facilitar a realização desse objetivo, entendendo-se claramente que nada será feito que possa atentar contra os direitos civis e religiosos das coletividades não-judaicas existentes na Palestina, nem contra os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro país.´ Desde já, declaro-me extremamente grato a Vossa Senhora pela gentileza de encaminhar esta declaração ao conhecimento da Federação Sionista. Arthur James Balfour”. Esse cidadão inglês, Rothschild, além de banqueiro e milionário inglês, era líder dos sionistas. A Inglaterra estava no auge de seu poder imperial e dominava quase metade do planeta. No ano seguinte venceria a guerra com os aliados e em 1922, receberia da Liga das Nações, um mandato para administrar a Palestina com o fim o Império Otomano.
Plano de Partilha da ONU
A data em que se comemora os 60 anos da declaração será no próximo dia 29 de novembro. Foi nesse fatídico dia que a Assembléia Geral das Nações Unidas, então recém criada, votou a favor de dividir a Palestina em duas partes. Uma onde ficariam os judeus, que se chamaria Estado de Israel e outra, onde já estavam os palestinos, e que deveria se chamar Estado Palestino. Os palestinos ficaram com 47% do território e as piores terras, menos férteis e quase sem água. Os judeus ficaram com 53% do território e as melhores terras. A polêmica foi imensa. A ONU à época era composta apenas por 57 países e era politicamente influenciada – como até os dias atuais – pelos Estados Unidos, que emergiram da 2ª Guerra Mundial, como a maior potência do planeta, ao lado da União Soviética. Nesse dia foi aprovado a famigerada Resolução 181/47. A votação foi apertada. Dos 57 países presentes, a “criação” do Estado só foi apoiada por 33 países (ai incluso o Brasil, cujo voto foi de Oswaldo Aranha). Houve 13 votos contra, sendo de 11 países árabes e mais Cuba e Grécia. Houve ainda 11 abstenções. Na verdade, todos os colóquios de juristas internacionais sobre o tema, deixam muito claro uma questão: não é atributo das Nações Unidas, criar país algum. Até porque se essa moda pega, a ONU poderia criar vários países e logo em seguida estes ingressariam no seu sistema, alterando a correlação de forças. O Estatuto das Nações Unidas não permite que ela vote “criação de países”. Mas, essa foi uma exceção, pois havia uma comoção internacional em favor dos judeus que foram massacrados pela Alemanha nazista. Até a União Soviética apoiou a criação – mas depois ficou ao lado dos palestinos. Havia também uma avaliação equivocada na liderança comunista da época que os judeus sionistas que estavam migrando para a região tinham ideais socialistas. Alguns até tinham mesmo e criaram os Kibutzin que eram espécie de fazendas coletivas onde todos trabalhavam em prol das comunidades. Mas, um erro histórico de avaliação, pois acabaram criando um dos maiores conflitos do século 20, que segue sem nenhuma perspectiva de solução e já dura 60 anos. Cometeram assim, uma das maiores injustiças da história da humanidade, para com os palestinos.
Tanto isso é verdade que em 1977, trinta anos depois desse erro, a própria ONU votou uma outra resolução, a de número 32/40 que estabelece o Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino. Em 2001, em outra resolução, a de número 56/34, a ONU pede que se acelerem nos países a implementação desse Dia Internacional de Solidariedade, que ele tenha mais visibilidade em todos os países que o adotam.
No Brasil, a primeira Lei que foi aprovada por uma Assembléia Legislativa Estadual foi a Lei nº 4.439, de 7 de dezembro de 1984, de autoria do então deputado comunista do PCdoB, Benedito Cintra. Ela foi sancionada pelo governador do estado à época, André Franco Montoro (já falecido). Publicamos abaixo, para ilustrar o inteiro teor da Lei:
Institui o “Dia da Solidariedade com o Povo Palestino”,
A ser comemorado anualmente, no dia 29 de novembro
O Governador do Estado de São Paulo:
Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei:
Artigo 1º – Fica instituído o “Dia da Solidariedade com o Povo Palestino” a ser comemorado, anualmente, no dia 29 de novembro.
Artigo 2º – O Governo do Estado de São Paulo e a Assembléia Legislativa promoverão atividades alusivas à efeméride.
Parágrafo único – Estas atividades serão desenvolvidas conjuntamente com entidades árabe – palestino – brasileiras, sediadas no Estado de São Paulo.
Artigo 3º – Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Palácio dos Bandeirantes, 7 de dezembro de 1984.
Franco Montoro
Jorge Cunha Lima, Secretário Extraordinário da Cultura
Roberto Gusmão, Secretário do Governo
Algumas outras datas
Para concluirmos nossos comentários sobre o mês de novembro na Palestina, quero deixar registrado duas datas e ambas não são “redondas”. Trata-se dos primeiros três anos da morte do líder máximo dos palestinos, Yasser Arafat, que viveu entre 1929 e 2004, quando faleceu no dia 11 de novembro. Arafat deixou muitas saudades, pois a unidade política do povo palestino foi quebrada com a sua morte. Muitas manifestações foram realizadas em lembrança ao seu nome. Uma pena o que presenciamos hoje na Palestina, centenas de prisões feitas na Faixa de Gaza efetuadas pelo grupo Hamas, de palestinos vinculados ao grupo Fatah. Lamentável essa divisão.
Por fim, não poderíamos deixar de comentar outra data que não é “redonda”. Trata-se dos 19 anos da declaração de Independência da Palestina, proclamado pelo então Conselho Nacional Palestino, uma espécie de Parlamento no exílio. Os palestinos não tinham conseguido no ano de 1988, os chamados acordos de paz de Oslo, que só viria cinco anos depois, em 1993, dois anos depois do término da primeira guerra no golfo (quando falamos em guerra queremos dizer agressão americana à região e aos povos árabes). A votação da Declaração de Independência foi feita na cidade de Argel, capital da Argélia, no dia 15 de novembro de 1988. Também para ilustrar escrevemos as partes principais dessa declaração:
Declaração de Independência da Palestina
O Conselho Nacional Palestino, instância máxima da OLP – Organização Para a Libertação da Palestina, único e legítimo representante do povo palestino, aprovou a Declaração da Independência.
Terra das mensagens divinas reveladas à humanidade, a Palestina é o país natal do povo árabe palestino. Foi lá que ele cresceu, se desenvolveu e atingiu sua plenitude. Sua existência nacional e humana aí se afirmou numa relação orgânica ininterrupta e inalterada entre o povo e sua história.
Continuamente enraizado no seu espaço, o povo árabe palestino forjou sua identidade nacional, e se ergueu, por sua obstinação em defendê-la, até o nível do impossível…Apesar da fascinação suscitada por esta terra antiga e por sua posição crucial no ponto de encontro das civilizações e das potencias; apesar dos objetivos, das ambições e das invasões que impediram o povo árabe palestino de realizar sua independência política, a ligação afetiva permanente deste povo à sua terra imprimiu, porém, ao país, sua identidade e a seu povo seu caráter nacional.
Inspirado pela multiplicidade das civilizações e a diversidade das culturas, daí retirando suas tradições espirituais e temporais, o povo árabe palestino se desenvolveu em completa unidade entre o homem e seu solo. Sobre os passos dos profetas que se sucederam sobre esta terra abençoada, é das suas mesquitas, de suas igrejas e de suas sinagogas que se elevaram os louvores ao Criador e os cânticos de misericórdia e de paz.
O povo árabe palestino nunca cessou de defender sua pátria. De geração em geração, suas revoltas sucessivas concretizaram sua aspiração à Liberdade e à Independência Nacional.
Portanto, quando o mundo contemporâneo decidiu instaurar uma nova ordem, as relações de força regionais e internacionais levaram à exclusão do Palestino do destino comum, demonstrando mais uma vez, que a justiça era incapaz, por ela mesma, de fazer girar a roda da história.
A ferida infligida no corpo palestino privado de sua independência e submetido a uma ocupação de um novo tipo veio se somar à tentativa de dar crédito à ficção, segundo a qual a Palestina era uma “Terra sem povo”. Apesar desta falsificação histórica, a comunidade internacional, pelo art. 22 da Carta de Sociedade das Nações, adotada em 1919, e pelo Tratado de Lausanne assinado em 1923, reconhecia implicitamente que o povo árabe palestino, a exemplo dos outros povos árabes separados do Império Otomano, era um povo livre e independente.
Apesar da injustiça histórica imposta ao povo árabe palestino, que provocou sua dispersão e o privou de seu direito à autodeterminação como fruto da Resolução 181 (1947) da Assembléia Geral das Nações Unidas, recomendando a partição da Palestina em dois Estados, um árabe e outro judeu, é esta Resolução que assegura, hoje ainda, as condições de legitimidade internacional que garantem, igualmente, o direito à soberania e à independência do povo árabe palestino.
A ocupação israelense dos territórios palestinos e de outras porções de territórios árabes, a desapropriação e a expulsão deliberada da maioria dos habitantes da Palestina pelo terrorismo organizado, a submissão, daqueles que ficaram na sua pátria, à ocupação, à opressão e à destruição dos fundamentos de sua vida Nacional, constituem violações flagrantes dos princípios da legalidade internacional, da carta das Nações Unidas e de suas Resoluções, que reconhecem, os direitos nacionais do povo árabe palestino, compreendido, aí, seu direito ao retorno, à autodeterminação, à independência e à soberania sobre seu solo nacional.
No coração da pátria e em volta dela, nos exílios próximos ou longínquos, jamais o povo árabe perdeu a sua fé em seu direito ao retorno e à independência. A ocupação, os massacres e a dispersão não conseguiram tornar o Palestino estrangeiro a sua consciência e a sua identidade. Ele continuou seu combate obstinado, aprofundando a sua personalidade através da experiência de uma luta crescente.
Esta vontade nacional se encarnou num quadro político, a Organização pela Libertação da Palestina, sua única representante legítima, reconhecida pela comunidade internacional representada na Organização das Nações Unidas e suas instâncias e, também, em outras organizações regionais e internacionais, fundamentando-se sobre os direitos inalienáveis do povo árabe palestino, sobre o consenso árabe tanto quanto sobre a legalidade internacional, a OLP conduziu os combates de seu grande povo, galvanizado por uma unidade nacional exemplar e uma resistência sem falhas aos massacres e ao estado de sítio, no interior como no exterior de sua pátria. Esta epopéia palestina se impôs à consciência árabe e internacional como, um dos movimentos de libertação nacional dos mais consideráveis de nosso tempo.
O grande levante popular, a Intifada em pleno curso nos territórios palestinos ocupados e a resistência épica dos acampamentos de refugiados no interior e no exterior da pátria, elevaram a consciência universal da realidade e dos direitos nacionais palestinos a um nível superior de percepção e de compreensão. A cortina caiu finalmente sobre toda uma época de falsificações e entorpecimento das consciências. A Intifada sitiou a mentalidade israelense oficial, acostumada a apelar ao terror para negar a existência nacional palestina.
Com a Intifada e a experiência revolucionária acumulada, o tempo palestino chegou ao limiar de uma encruzilhada histórica decisiva. O povo árabe palestino reafirma hoje seus direitos inalienáveis e seu exercício sobre o solo palestino.
De conformidade com os direitos naturais, históricos e legais do povo árabe palestino à sua pátria, a Palestina, e fortificado pelos sacrifícios de gerações sucessivas de palestinos pela defesa da liberdade e da independência de sua pátria.
Baseado nas resoluções das conferências da cúpula Árabe,
Em virtude da primazia do direito e da legalidade internacional encarnados pelas resoluções da Organização das Nações Unidas de 1947,
Exercendo o direito do povo árabe palestino à autodeterminação, à independência política e à soberania sobre seu solo.
O Conselho Nacional Palestino, em nome de Deus e em nome do povo árabe palestino, proclama o estabelecimento do Estado da Palestina sobre nossa terra palestina, com Jerusalém, al-Quds al-Sharif, por capital.
O Estado Palestino é o Estado dos Palestinos onde quer que eles estejam. É neste quadro que eles poderão desenvolver sua identidade nacional e cultural, gozar da plena igualdade dos direitos, praticar livremente suas religiões e expressar, sem obstáculos, suas convicções políticas.
Nesse Estado será respeitada sua dignidade humana em regime parlamentar democrático fundamentado sobre a liberdade de pensamento, a liberdade de constituir partidos, o respeito, pela maioria, dos direitos da minoria e o respeito, pela minoria, das decisões da maioria. Este regime será fundamentado sobre a justiça social, a igualdade e a ausência de toda forma de discriminação, de raça, religião, cor ou sexo, no quadro de uma constituição que garante primazia da lei e a independência da justiça, e em total fidelidade às tradições espirituais palestinas, tradições de tolerância e de coabitação generosa entre as comunidades religiosas através dos séculos.
O Estado da Palestina é um estado árabe, indissociável da Nação Árabe, de sua herança e de sua civilização, e de suas aspirações à libertação ao desenvolvimento, à democracia e à unidade. Reafirmando seu engajamento a carta da Liga dos Estados Árabes e sua determinação em consolidar a ação árabe comum, o Estado da Palestina conclama os filhos da Nação Árabe para que eles o ajudem a realizar seu estabelecimento efetivo, mobilizando seu potencial e intensificando seus esforços para por fim à ocupação israelense.
O Estado da Palestina proclama sua adesão aos princípios e aos objetivos da Organização das Nações Unidas, à Declaração Universal dos Direitos do Homem, assim como aos princípios e à política do não alinhamento.