O bebê de proveta envolto ainda pelas neblinas de Siruiz

Parte substancial dos direitos reprodutivos está nas neblinas de Siruiz, caso do aborto e da geração do chamado "bebê de proveta", cada um com sua gama própria de questões morais, éticas, técnicas, religiosas e políticas.

Relembro: Siruiz é um jagunço-poeta envolto em neblinas, donde brotam a canção de Siruiz, uma profecia da sina de Riobaldo, uma toada bela e muito estranha, que é um poema épico-lírico sobre um encontro inevitável e fatal, que emocionou Riobaldo: "Aquilo molhou minha ideia" ("Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa).

Até 14.12.2010, norteavam a criação do bebê de proveta: a Resolução CFM 1.358/1992 (Normas Éticas em Reprodução Humana); a Resolução CFM 1.623/2001 (sobre captação, processamento, armazenamento, distribuição e efetivação de transplante de tecidos e células para fim terapêutico); e a Lei de Biossegurança (lei nº 11.105/2005), que autorizou pesquisas com células-tronco de embriões inviáveis ou congelados há mais de três anos, pós-consentimentos de seus genitores (art. 5º), e proíbe a clonagem humana e a engenharia genética em célula germinal, zigoto e embrião humanos (art. 6º).

Em 15.12.2010, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução CFM 1.957/2010 (normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida), que atualiza e revoga a Resolução CFM 1.358/92, com vistas a coibir abusos éticos e, de algum modo, ainda que débil, parte dos descalabros técnicos.

Segundo uma visão bioética, destaco como mérito da nova resolução a lucidez científica, que constava em dois pontos da resolução anterior, de explicitar que os procedimentos da fertilização in vitro (FIV) não tratam, nem curam infertilidade: "As técnicas de reprodução assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham se revelado ineficazes ou consideradas inapropriadas"; e "As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente" – aqui, como diria vovó, "a porca torce o rabo", pois ainda são procedimentos experimentais que foram alçados, açodadamente, à condição de prática médica segura!

Novidades: ampliação do leque de "pacientes das técnicas da RA": substituiu a palavra "mulher" por "pessoas" e aboliu o item 2: "Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou do companheiro, após processo semelhante de consentimento informado"; definiu medidas de prevenção à gravidez múltipla; e "Não constitui ilícito ético a RA post mortem, desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a)". Manteve sob as neblinas de Siruiz (quem cala consente) biotecnologias que mereciam abordagem científica à luz dos saberes e ignorâncias científicas atuais, a exemplo do "turbinamento de óvulos" (injeção de 10% de citoplasma de óvulo jovem em óvulo em senescência), que, embora não trocando genes, modifica o código genético humano, ao "misturar" duas fontes de DNA mitocondrial, gerando uma quimera!

Parafraseando Guimarães Rosa – "Eu quase nada sei, mas desconfio de muita coisa" -, repito: "A reprodução humana assistida (RHA) é um campo minado de procedimentos experimentais e inseguros que, no Brasil, ainda é terra de ninguém. É abusivo que o Ministério da Saúde não tenha elaborado uma norma técnica sobre RHA até hoje". É, "quem cala consente"!

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