O canto da sereia da “liberdade” e a luta contra a 6×1: qual o futuro do Trabalho?
Entre a promessa de liberdade e a realidade da precarização, a rejeição à CLT revela um impasse geracional e um novo campo de disputa sobre o futuro do trabalho.
Publicado 27/06/2025 14:02 | Editado 27/06/2025 12:51

Vivemos um tempo estranho. O Brasil bate recordes de empregos formais, mas cresce o desejo de fugir da carteira assinada. A CLT, outrora símbolo de proteção e dignidade, agora é vista por muitos jovens como uma prisão. Segundo o Datafolha, desta semana, 59% dos brasileiros preferem trabalhar por conta própria. Entre os jovens de 16 a 24 anos, esse número sobe para 68%. O que está acontecendo?
Bom. O que está acontecendo é que venderam uma nova promessa. E ela vem embalada com filtros do Instagram, vídeos de TikTok e coaches carismáticos: a de que ser “dono do próprio tempo” é melhor do que ter direitos. A cultura da nova economia de plataformas, combinada com a ascensão do empreendedorismo precarizado, sequestrou o imaginário de uma geração inteira. E o mais cruel: ela transforma insegurança em liberdade e esgotamento em propósito.
Mas não se trata só de narrativas. Há também uma realidade dura por trás desse “choque de rejeição à CLT”. A jornada 6×1, por exemplo — seis dias seguidos de trabalho para uma folga — representa um modelo de vida cada vez mais incompatível com os desejos legítimos de equilíbrio, saúde mental e tempo livre. Numa sociedade que valoriza a flexibilidade e a autonomia, a rigidez do sistema formal aparece como um entrave.
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É aí que a pauta da luta pelo fim da jornada 6×1 se firma ainda mais como uma pauta estruturante para nosso tempo. Uma janela de oportunidade histórica. Um convite para repensar o Trabalho a partir da perspectiva da vida — no sentido ontológico do termo, como uma categoria fundamental para a constituição do ser humano, tanto individualmente quanto socialmente. Neste sentido, o fim da escala 6×1 pode catapultar a luta no sentido da recuperação do valor do emprego com direitos sem cair na armadilha da informalidade romantizada. É possível, sim, ter um contrato formal com dignidade, tempo livre, reconhecimento e saúde. Mas isso exige confronto com a lógica que transforma o trabalhador em engrenagem descartável.
O discurso dominante — reproduzido inclusive por setores da mídia e por figuras públicas — afirma que a juventude não quer mais ser “empregada”, que prefere empreender. Mas o que isso significa? Que milhões vão seguir sem férias, sem 13º, sem aposentadoria e sem nenhuma rede de proteção? Vamos naturalizar que a única forma de “liberdade” seja trabalhar 12 horas por dia com uma mochila nas costas ou uma tela na frente do rosto?
A ironia — e sinal de fôlego para a luta — foi ver a Parada LGBTQIA+ de São Paulo deste ano levantar o tema do direito à velhice. Falou-se de aposentadoria, de cuidados, de dignidade no envelhecer. Mas como falar disso com uma juventude inteira convencida de que contribuir com o INSS é “coisa de trouxa”? O canto da sereia do empreendedorismo ignora que o futuro chega — e que, sem direitos, ele chega duro, solitário e desesperançado.
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Esse debate precisa sair das bolhas. Precisa chegar nas bases sindicais, nas escolas, nos coletivos, nas redes sociais. Não se trata de demonizar o trabalho autônomo — ele é legítimo, necessário e real para milhões. Mas sim de repolitizar o Trabalho como categoria. De lembrar que o que está em jogo não é apenas o “modelo de contratação”, mas o projeto de sociedade que queremos construir.
A agenda da indústria, das plataformas e dos bancos é clara: aprofundar a flexibilização, reduzir encargos, desregular ainda mais. A nossa agenda, enquanto campo progressista e da esquerda consequente, precisa ser tão clara quanto: recuperar o valor do trabalho digno, combater a precarização com novas formas de organização e construir um novo pacto geracional baseado na solidariedade e não na competição individualista.
A luta contra o 6×1 pode ser o ponto de partida para um debate mais profundo: sobre tempo, saúde, pertencimento e sentido. Um debate que coloque a vida no centro — e não o algoritmo. Que compreenda que os trabalhadores e trabalhadoras, sobretudo os mais jovens, não estão “fugindo da CLT” porque gostam da incerteza, mas porque foram convencidos de que não há alternativa.
Mas há. E ela passa por reconectar o Trabalho com a ideia de futuro. Um futuro no qual direitos não sejam tratados como obstáculos, mas como pilares da dignidade. Um futuro no qual ser formalizado não signifique abrir mão da vida pessoal, da saúde mental e da liberdade de ser quem se é. E que empreender seja uma escolha, não uma fuga.
O desafio está posto: transformar a rejeição atual à CLT em energia para reinventá-la. E fazer dessa geração, não a geração do bico, mas a geração que ousou disputar o sentido do Trabalho — com direitos, com sonhos, com esperança.