O capitalismo de “Seu” Alfredo e o capitalismo Lemann-Telles-Sicupira

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Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, os donos das Lojas Americanas

Na periferia de Natal, uma cidade de pouco mais de 750 mil habitantes (conforme IBGE, 2022), “Seu” Alfredo (nome fictício) tem uma pequena mercearia e emprega seu sobrinho, que estava desempregado. O “Seu” Alfredo abre sua pequena mercearia as 7h e fecha por volta das 18h, porque tem medo de assalto. O sobrinho Almir (nome fictício), não tem carteira assinada e seu tio lhe paga cerca de R$ 100 por semana como “ajuda ao coitado”, que tem dois filhos e uma esposa, que faz faxina. Ora, “Seu” Alfredo, por comandar trabalho e injetar dinheiro no pequeno comércio para obter lucro é um capitalista. Chega a ser uma pilhéria escrever isso.

O nosso personagem vive sob o pesadelo de fechar as portas. Sua renda depende da demanda dos moradores do bairro. É muito pouco e o seu “lucro líquido” não chega a R$ 2 mil por mês. Mas o pequeno comerciante é capitalista. Vive no “reino da liberdade” e seu futuro está vinculado ao “maravilhoso” modo de produção capitalista. Se olharmos com a complacência canalha de quem defende a “economia de mercado” e mostra que o “seu” Alfredo seria uma amostra micro desse “reino”, veremos um empresário sempre disposto a trabalhar muito, suar, entregar-se ao trabalho e, somado a outros milhões iguais a ele, formam um imenso mosaico que, livre, anima o sistema.

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O mercadinho do “seu” Alfredo é um dos milhares que existe no “Brasil real”, fora do eixo central da acumulação de capital, mesmo estando numa zona urbana bem populosa. Imaginem quantos semelhante a ele existem no Brasil dos médios e pequenos municípios que operam em condições bem menos alvissareiras.

Depois que fechou o comércio, nessa segunda-feira, 16, o capitalista potiguar fez seu corpo cansado (tem mais de 65 anos) desabar no sofá da sala de sua residência, onde aliás fica seu e-commerce e foi ver as notícias do dia. DE repente, arregalou os olhos arregalados, ao ver a notícia de que uma das maiores empresas do mercado varejista do país, a Lojas Americanas, foi pega numa espetacular falcatrua, que até o momento chega a R$ 40 bilhões. O números é tão espetacular que “Seu” Alfredo, estupefato, nem sabe dimensionar. Seriam necessários cerca de 1,7 milhão de anos para que os R$ 2 mil mensais do pequeno comércio do nosso laborioso capitalista alcançasse esse valor. Como aparentemente o “Seu” Alfredo não viverá todos esse tempo, o valor é fora de sua realidade. Ele apenas respira, assustado.

O maior escândalo no mercado de capitais da história desse país é um grande mistério para o “Seu” Alfredo que, no dia seguinte ao escândalo continua seu labor junto com seu sobrinho. Ele não consegue fazer uma conexão sobre o que ele e o que o sistema no qual está inserido o trata de forma totalmente diferente dos responsáveis por essa espetacular falcatrua.

O sistema, que precisa se retroalimentar, na verdade, necessita de “Seu” Alfredo. Ele é a minúscula peça de um gigantesco sistema de acumulação de capital, que, à exceção dos seus primeiros espasmos, não foi concorrencial e, quando se estabeleceu, nos séculos XIX e XX, jogou o termo “livre mercado” para os mofados manuais de economia e engrossou o vocabulário de economistas que afirmam, até hoje, que o “mundo livre” (sic) vive num sistema onde o empreendedorismo prevalece. Que alguém vá dizer ao “Seu” Alfredo que ele é um “empreendedor”, com sagacidade e volúpia, que disputa mercados e os seus espetaculares R$ 2 mil de renda mensal, são parte desse grande “família capitalista”. Aleluia!

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No caso das Lojas Americanas S/A, ela conseguiu esconder, durante uma década, seu endividamento. Portanto enrolou a poderosa Bovespa e, ao que parece, teve como cúmplices empresas de auditoria que jogaram para debaixo do tapete esse nó. Os três maiores acionistas dessa grande rede, Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, o mesmo trio que comanda a Inbev (antiga AmBev), GP Investimentos, América Latina Logística e outros grupos, tentam se desvencilhar dessa pilantragem, afinal são reverenciados como “homes de sucesso”.

O capitalismo do “Seu” Alfredo, frágil e dependente de qualquer espirro do sistema, é muito diferente do capitalismo do trio Lemann-Telles-Sicupira, corrupto e excludente.

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