O coronavírus e o federalismo brasileiro

Do governo federal não virá direcionamento porque em verdade não existe mais governo federal: existem insulamentos burocráticos que muito raramente conversam entre si

Foto: Marcos Corrêa/PR

O Brasil é um país de dimensão continental e suas fronteiras foram demarcadas a partir do esforço político de articulação e negociação com os países vizinhos, mas também, através do uso da violência. Desde o período colonial, quando Portugal disputava com a Espanha os limites do Tratado de Tordesilhas, até o começo do século XX, quando o Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, finalizou seu trabalho de definição dos limites territoriais.

Com o Império se construiu a identidade nacional a partir desta fórmula tão conhecida quanto reducionista sobre a miscigenação (mito das três raças). Neste período também foram definidos importantes símbolos nacionais como a língua e as cores da bandeira. A proclamação da República inaugurou um novo momento na construção do que significa “ser Brasil” e em sequência, Vargas promoveu a consolidação dos signos nacionais que permeiam o imaginário social do brasileiro até hoje.

Porém, a ideia de um Brasil uno e indissolúvel nem sempre foi consenso, vide as revoltas e rebeliões que a história testemunhou. Além disso, há em nosso país, devido à sua magnitude, uma histórica disputa entre poder central e poderes locais. Esse combate de forças centrípetas e centrífugas atravessa a construção do Brasil com nação. E hoje, diante da pandemia que vivemos, testemunhamos mais um episódio de conflito entre as instâncias de poder governamental, só que dessa vez, o desfecho talvez seja diferente.

O federalismo brasileiro, caracterizado pela capacidade de coordenação da União frente aos estados e municípios, está, a cada dia que passa, sendo transformado. O governo federal tem atuado em direções contrárias, enquanto o presidente minimiza a o novo coronavírus chamando-o de “gripezinha, resfriadozinho”, o Ministério da Saúde articula estratégias de combate ao vírus. Esta situação demonstra a incapacidade de Bolsonaro em atuar como se deve, em liderar o país num momento de grave crise sanitária e agravamento da crise econômica. Se não fosse suficiente este avião sem piloto, o chefe da nação tem diariamente atacado governadores, prefeitos e a imprensa.

Praticamente todos os países que registraram casos de Covid-19 adotaram medidas de isolamento social, investimento na saúde pública e de amortecimento do impacto financeiro gerado pela paralisação produtiva. Mas o presidente do Brasil tem sido um pária na política internacional e no seu próprio país. Em discurso na última terça-feira, 24 de março, Bolsonaro criticou as medidas tomadas pelos governadores, e fez declarações bastante polêmicas nas suas aparições diárias para seguidores e coletivas de imprensa.

Apesar do desdém por parte do presidente em relação à gravidade da crise, o Ministério da Saúde segue dialogando com os estados na busca por estratégias eficientes de mitigação da propagação do vírus, só que dessa vez o protagonismo não é mais do executivo. O judiciário e o legislativo têm atuado no enfrentamento à pandemia enquanto o mundo inteiro assiste Bolsonaro performando, de maneira circense, insanidades para o seu eleitorado cada vez mais restrito.

A sustentação do governo por parte do empresariado vai se tornando rarefeita à medida que os estados brasileiros, por conta própria, decidem isolar seus cidadãos, deixando facultativo obedecer ou não os comandos da presidência. A crise econômica vivida no país é anterior ao coronavírus, os problemas de articulação política são anteriores ao coronavírus e o cenário que enfrentaremos daqui em diante é de completo desalento.

Cabem aos governadores estabelecerem parâmetros mais ou menos confiáveis de 1) até quando sustentar o isolamento; 2) como definir o investimento público no combate ao vírus; 3) de que forma se articular para retomar o crescimento econômico pós-pandemia.

Do governo federal não virá direcionamento porque em verdade não existe mais governo federal: existem insulamentos burocráticos que muito raramente conversam entre si. Caixa Econômica e BNDES, Ministério da Economia e Ministério da Justiça, Palácio do Planalto e Ministério da Saúde, os exemplos de desencontro na adoção de medidas já estão amplamente documentados pela mídia brasileira.

A administração fragmentada de Bolsonaro está preocupada com o fôlego da narrativa autoritária de negação de evidências científicas, tensionando ainda mais o tecido democrático pois a eles nada disso importa. Os apoios esporádicos e eventuais desse projeto político estão se desfazendo ao passo que nenhum recuo é visto no horizonte.

O vírus expõe as nossas dificuldades históricas de alinhar as regiões do país e o governo central, mas também expõe as rachaduras da aposta antipetista de colocar uma liderança inepta na cadeira presidencial.

Artigo redigido em parceria com Hesaú Rômulo, cientista político e professor, pesquisa sobre reapresentação política na América Latina e também colunista do Portal Vermelho.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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