O derretimento de Bolsonaro…

Apenas um terço dos candidatos apoiados pelo presidente Bolsonaro conseguiram se eleger

Foto: Arquivo AFP

Numa análise ainda preliminar, pois faltam os resultados das eleições em segundo turno, que serão realizadas no dia 29 em 18 capitais e 38 municípios de grande porte, um fato é inquestionável: Bolsonaro e o bolsonarismo começaram a sofrer um nítido processo de derretimento político e eleitoral.

Em nenhuma das sete capitais que concluíram o pleito no primeiro turno (Belo Horizonte, Salvador, Campo Grande, Curitiba, Florianópolis, Palmas e Natal), a escolha recaiu sobre os candidatos do bolsonarismo, declarados ou dissimulados. Invariavelmente, foram eleitos nessas capitais representantes do centro democrático, sendo muito deles manifestos opositores do presidente, especialmente quando se trata da defesa da vida e da democracia, além de críticas relevantes que sustentam à condução ultraliberal de Guedes na economia.

A derrota bolsonarista aconteceu, principalmente, em São Paulo, onde o candidato do presidente ficou em quarto lugar, quase em quinto. Os candidatos de Bolsonaro também estão fora do segundo turno em Recife e em Manaus. Em Belo Horizonte, outra importante capital, o apoio declarado a Bruno Engler não impediu a vitória em primeiro turno do atual prefeito Alexandre Kalil.

Ao segundo turno, chegaram apenas Crivella, no Rio, e Capitão Wagner, em Fortaleza. O primeiro, se arrastando em razão de grande rejeição; e, o segundo, sob declínio já antes do primeiro turno.

Matematicamente, dos 59 candidatos a prefeito ou a vereador, apoiados por Bolsonaro em suas lives, apenas 11 conseguiram se eleger. Seus ministros mais próximos também não tiveram sorte. Damares Alves aproveitou uma live com Bolsonaro para apoiar uma candidata à prefeitura de Cabedelo (PB) que foi derrotada. Figuraram ainda no “horário eleitoral” bolsonarista candidatos de cidades importantes como Santos, Sobral e Criciúma. Todos amargaram a derrota, contaminados que foram pela presença de Bolsonaro em suas campanhas.

Em Mato Grosso, onde ocorreu, simultaneamente, uma eleição suplementar para uma vaga no Senado Federal, a candidata de Bolsonaro também ficou de fora.

Outro fato que chama atenção é que, nas 18 capitais onde terá segundo turno, as forças de esquerda, progressistas e antibolsonaristas disputarão em quase todas. O PCdoB, com Manuela D´Ávila em Porto Alegre; o PDT, com Edvaldo Nogueira e Sarto Nogueira, em Aracaju e Fortaleza; o PSOL, com Guilherme Boulos e Edmilson Rodrigues, em SP e Belém; o PSB, com JHC e João Campos, em Maceió e Recife; o PT, com Marília Arraes e João Coser, em Recife e Vitória.

Além disso, é importante frisar que, nas demais capitais – e mesmo nessas já assinaladas, disputam as eleições representantes de forças do centro democrático antibolsonarista, com destaque para Bruno Covas em São Paulo. A situação nos demais 38 municípios onde também haverá segundo turno não é muito diferente, o que reforça a convicção de que a derrota bolsonarista se aprofundará em 29 de novembro.

O resultado das eleições é produto direto de dois fatores fundamentais: da política negacionista praticada por Bolsonaro durante a pandemia, que fez com que o Brasil, ao lado dos EUA de Trump, atingisse um dos maiores índices de contaminação e de óbitos resultantes da Covid-19; e da política ultraliberal implementada por Guedes e Bolsonaro muito antes da crise sanitária e aprofundada com ela, diante da sabotagem às ações de apoio aos trabalhadores e ao setor produtivo da economia.

A única ação que efetivamente surtiu efeito foi a do auxílio emergencial, só aprovado em sua extensão e valor por conta da pressão social e da articulação das oposições com o centro político no Congresso Nacional.

Não fosse isso, certamente o PIB seria mais fortemente impactado. A última previsão, das mais otimistas, é de que o encolhimento da economia nacional, em 2020, ficará em torno de 5%, quadro que deverá se agravar ainda mais no próximo ano em decorrência da forte redução do apoio emergencial, do aumento cavalar do desemprego e do fechamento em massa de pequenas, médias e, até, grandes empresas, dos mais diversos segmentos da economia.

Nenhuma luzinha no fim do túnel, nem mesmo para a implementação de uma ajuda emergencial duradoura a partir de 2021, diante da resistência declarada de Guedes e de Bolsonaro de, pelo menos, flexibilizar o teto de gastos, que engessa o orçamento e impacta de forma brutal os investimentos públicos, vitais para retomada do crescimento e a geração de emprego e renda.

A reação de Bolsonaro – de clara incompreensão do resultado eleitoral em muitas cidades, inclusive capitais, que reelegeram prefeitos que agiram positivamente no enfrentamento da pandemia, com medidas de isolamento social, entre outras, só revela o quanto ele e Guedes, que avalia o crescimento em “V” da economia e prevê ingresso “em massa” de capital externo (quando os dados oficiais demonstram exatamente o contrário), estão totalmente descolados da realidade.

“A esquerda sofreu uma histórica derrota nestas eleições, numa clara sinalização de que a onda conservadora chegou em 2018 para ficar”, disse Bolsonaro após a divulgação dos primeiros resultados das eleições municipais no primeiro turno, numa evidente autoprojeção do que está acontecendo com ele próprio.

Bolsonaro, sim, sofreu uma derrota histórica, que deverá ser ampliada, ainda mais, no próximo dia 29.

Quando à festejada “onda conservadora”, um reparo indispensável e oportuno: a onda que chegou em 2018, com o acidente eleitoral que o levou à Presidência da República, teve outro caráter: neofascista e ultraliberal, que produziu e produz um verdadeiro genocídio no país. O genocídio silencioso de empregos e empresas, que só faz aumentar a legião de miseráveis e agravar a situação e desigualdade social; e o genocídio clamoroso verificado no enfrentamento da pandemia, diante da negação da ciência – fato recrudescido, agora, com a campanha declarada contra a vacinação obrigatória, um elemento civilizatório que conquistamos há mais de um século com Oswaldo Cruz e outros tantos cientistas brasileiros.

Trata-se de uma posição muito diferente daquela sustentada por forças conservadoras que mantém, ainda que com matizes diferenciados, compromisso com a democracia política, a justiça social e a vida dos brasileiros.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *