O desenvolvimento como questão nacional

A ciência, no sentido strictu sensu do termo, deve ser o instrumento pelo qual se busca a melhor compreensão das relações que norteiam a atividade humana, logo não deve se apreender ao estudo de “coisas”, o que pode redundar na “coisificação”, qu

Pois bem, a busca de respostas ou uma definição para o termo “esenvolvimento” deve a priori ser a síntese de uma série de relações que permeiam nossa sociedade e nossos desafios. Desafios estes que para bom termo tem na busca pelo desenvolvimento seu elemento principal, sua espinha dorsal. Buscarei no curto espaço que disponho definir o conceito de desenvolvimento relacionando com a categoria de nação.


 



A definição do conceito partindo dos desafios da nacionalidade


 


Seria interessante partirmos para uma definição generalizada de desenvolvimento. Para tal seria interessante conceituar desenvolvimento como o processo que vai além de números crescentes de aumento do PIB e renda per capita capazes de dar conta das necessidades materiais de um determinado povo e nação. A realização do desenvolvimento neste sentido tem relação direta com o desenvolvimento espiritual e material do povo e tem serventia na medida em que consegue a partir do processo de crescimento econômico equacionar das grandes diferenças de renda entre as diferentes classes que se reproduzem em um determinado território.


 


O “casamento” do conceito de desenvolvimento com a categoria de nação deve partir do pressuposto de que a humanidade vive – a milênios – um rico processo de aprendizado, um processo no sentido filosófico da palavra.


 


Claro que a idéia de um homem universal não é uma utopia, mas este virá a seu tempo, porém deve se ter claro que tal transição (ao homem universal) compreeende a transformação do homem bárbaro com um egoísmo herdado pelas imensas dificuldades de reprodução da vida impostas pela áspera condição de vida, baseada num rudimentar instrumental para o domínio da natureza à seu favor (Rangel, 1960, p. 20). Esta constatação é imperativa para que não tomemos nossos desejos por realidade. Durante este processo milenar, para onde transitamos no rumo do cidadão do Universo, o homem, nesta escola maternal de humanismo, é convertido em cidadão de uma pátria limitada. Em brasileiro, no nosso caso corrente.



O conceito de desenvolvimento aplicado às realidades periféricas


 


Por mais interessante que seja definir o conceito de desenvolvimento a partir de uma definição aceita universalmente e que já exposta acima, o rigor científico deve nos encaminhar para a apreensão da histocicidade das leis da ciência. Desta forma, portanto, não podemos acreditar que uma economia tribal pré-cabralina seja regida pelas mesmas leis inerentes à bolsa de Nova Iorque ou aos planos quinquenais chineses, apesar de em todos os casos encontram-se homens buscando a reprodução da vida. Isso é o genérico, o abstrato. Da mesma forma, o conceito de desenvolvimento deve necessariamente variar de acordo com as realidades específicas, deve ser analisado à luz do concreto.


 


Desta forma constata-se que as nações que nasceram a partir da segunda metade do séulo 20 não guardam as mesmas aspirações de outras nações que nasceram anteriormente a elas. O que caracteriza o nascimento das nações em nosso tempo não é somente a busca pela afirmação de sua soberania territorial e enquadramento jurídico e político no sentido westphaliano do termo. As nações-crianças de nossa época nasceram buscando a exigência pelo desenvolvimento e a capacidade de planejar este mesmo desenvolvimento.


 


Logo, a aplicação do conceito de desenvolvimento para realidades específicas, ou periféricas como o Brasil, deve ser a síntese de uma relação entre desenvolvimento e nação, ou seja, desenvolvimento neste caso deve ser visto como o meio por onde as nações buscam sua afirmação, equacionando seus problemas internos, unificando seu território criando as bases para a divisão social do trabalho e criando assim condições objetivas para se fazer valer e ouvir – de forma soberana – na comunidade internacional das nações. Esse é o melhor conceito de desenvolvimento possível de ser aplicado em realidades periféricas como a nossa. Assim sendo, o desenvolvimento é o melhor meio para se conquistar a autonomia necessária à reprodução nacional. Acredito, sem nenhuma dose de presunção que esta é a melhor forma de conceituar desenvolvimento, linkando, com nossa especificidade periférica.


 


Claro que em tempos de neoliberalismo, existem aqueles – por sinal são maioria – que trazem para a discussão a chamada “internacionalização de fatores” como forma de mostrar que a categoria de nação não é mais aplicável em nossos dias. Claro, que a técnica por si só impôs uma determinada divisão social e internacional do trabalho. Porém, não exige mais que uma expansão do comércio internacional, que nas condições atuais de avanço da financeirização como forma moderna de acumulação, exige ainda mais para as nações periféricas uma imensa capacidade de planejar seu comércio internacional no sentido de contabilizar superávits comerciais e acúmulo de moeda estrangeira em suas reservas.


 


Acúmulo este indispensável como forma de proteção a choques externos. Porém este raciocínio (comércio internacional e acúmulo de divisas estrangeiras) só é possível nos marcos de um planejamento do comércio exterior, como parte de um todo, que envolve o desenvolvimento nacional como um fim. O crescente processo em marcha em países como a China, a Índia, a Coréia do Sul, a Argentina e outros vem demonstrar que a relação entre desenvolvimento e nação aponta para uma fusão dos dois conceitos.


 



O desafio brasileiro


 


Devemos partir do pressuposto de que o Brasil – juntamente com a URSS e o Japão – foi o país que mais cresceu no mundo entre os anos de 1930 e 1980, crescemos com grandes anomalias, pois a industrialização feita sem prévia reforma agrária (via prussiana) teve como conseqüência, a brutal concentração de renda como vemos hoje. Mas não temos como voltar atrás, pois a trajetória brasileira nos anos citados pode ser classificada como brilhante. Uma verdadeira nação pôs-se de pé no século passado. Desta forma o principal desafio brasileiro no rumo do desenvolvimento é a retomada do projeto nacional iniciado por Vargas em 1930 e que encontrou expressão em em verdadeiros estadistas do porte de JK e Ernesto Geisel.


 


Um verdadeiro edifício industrial foi construído e completado de maneira brilhante com a implantação de um novo Departamento 1 (indústria mecânica pesada) no final da década de 1970, que por sua vez dotou o país de capacidade produtiva pronta para continuar o processo iniciado por Vargas e ao mesmo tempo, enfrentar o desafio colocado pelo grande endividamento externo de nosso país.


 


O centro econômico do desafio é a retomada por parte do Estado nacional do controle flexível dos instrumentos cruciais da acumulação capitalista em nosso país, nomeadamente o câmbio, o crédito, os juros e as finanças. Este é o pressuposto para o planejamento ao enfrentamento de nossos verdadeiros desafios (infra-estruturas estranguladas) e do fim do ciclo de desindustrialização ainda em marcha.


 


Trata-se de se colocar no centro do problema não a estabilização monetária a partir de um câmbio ideológico, abertura comercial, compressão de demanda, etc. e sim continuarmos a marcha iniciada com a revolução de 1930, travando o debate de idéias partindo do ponto de que sem crescimento econômico não pode haver estabilização monetária e que uma política monetária deve ser medida não pela “beleza” dos índices macroeconômicos e sim pela capacidade de servir de base para a ampliação dos serviços e a redução da desigualdade social.


 


Por fim vem o entrelaçamento de tudo isso com a luta política concreta. A bandeira do desenvolvimento não deve ser hasteada somente por uma corrente política e sim deve ser uma questão nacional. Algo que vá além da direita e da esquerda e que sirva para unir desde o industrial produtivo ao trabalhador assalariado, desde o grande produtor rural que está sendo demolido pela atual política monetária ao trabalhador rural sem-terra. Deve unir dos estudantes aos funcionários do Estado.


 


Enfim, deve ser uma bandeira de luta, sobrevivência e da construção de uma convicção em torno dos mais nobres anseios de nossa nacionalidade.


 


Nota


 


Este artigo foi solicitado pelo grupo responsável na elaboração do “Projeto Nacional de Cultura”. do Ministério da Cultura.

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