O espetáculo da dor

O fato de a meninazinha Isabella Nardoni ter sido arremessada da janela de um edifício e morta, supostamente pelo pai e pela madrasta, ganhou tintas de reality show nos veículos de uma imprensa vazia e parcial. A dor dos familiares da vítima e o constrangimento dos acusados foram exibidos na praça. Mais um espetáculo do cardápio cotidiano de violência. O diferencial é que o Judiciário, o Ministério Público e a Advocacia pactuaram no estrelismo midiático. O julgamento, fato normal quando ocorre qualquer crime, transformou-se num Armagedon, onde a condenação ou absolvição do casal Nardoni seria a panacéia para os milhares de processos sem julgamento. Afinal, precisa-se de justiça. A mídia, sob concessão privilegiada, dá as costas à ética, ao pudor e sai á caça fácil de audiência. Às favas, o compromisso com a informação e a cidadania. O julgamento ficou dias no horário nobre da televisão e nas manchetes dos jornais. Jurados monitorados pelos “mídia”. Acusados expostos como execução exemplar de uma justiça canhestra, impotente para processar e julgar os criminosos coletivos. A não ser para conceder habeas corpus a algum figurão que saqueia bancos e órgãos públicos. A dor dos Nardoni e o fácil pranto dos brasileiros não podem ser oferecidos ao público como arquétipo de justiça. Todo criminoso deveria receber o discreto, sério e seguro julgamento. Dispensa-se, diante do estado atual de civilização, o foguetório, a performance de vitrine de promotores, juízes e advogados. Até os jurados, de costume recatados e discretos gozam a breve notoriedade. Em rede nacional externam suas impressões a um público boquiaberto e naturalmente acomodado às chacinas, aos estupros infantis, com morte, às sevícias das mulheres e idosos. Ao lado de uma possível justiça, teatralmente alcançada, cinematograficamente decantada, seguem outras tragédias que não são curadas pela condenação ou absolvição de um caso em particular. A nação, convocada por veículos favorecidos pelo poder público, vezes entregues a seitas, cartéis, exploradores da vulnerabilidade popular, assistiu ao espancamento, à asfixia e arremesso do pequeno corpo de Isabella. Ao vivo, em salas, quartos e bares do país. Vige a estratégia sádica do entretenimento. Pouco importam as milhares de vítimas de todos os dias. Os estreitos guetos ideológicos, que matam, mais que os corpos nas favelas, nos assaltos, nas chacinas, nas estradas, a sensibilidade nacional. O mesmo espetáculo já começou, quando quem deveria dar exemplo avança na goela do povo oferecendo o continuísmo de um governo de opereta. O marketing constrói a escultura de espuma. O escárnio entre foguetórios, entrevistas, bêbadas metáforas, quer transformar os anseios e esperanças da população num show. O espetáculo esconde, por trás de suas máscaras, um real que nos recusamos a ver, um espelho que quebramos todos os dias, em busca de ignorar o horror de nossa face.

*Aidenor Aires escreve neste espaço às sextas-feiras.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor