O fracasso da política americana para o Oriente Médio

Em agosto de 2002, o vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, quando apresentava seus argumentos em defesa da invasão do Iraque, que já vinha sendo preparado, com base em argumentos falsos como sempre se soube (de que o Iraque teria armas de destr

Como se vê, nada disso se verificou e a cada dia, fica mais claro o absoluto fracasso da política externa dos Estados unidos para o Oriente Médio. A mais recente agressão que Israel impõe ao povo libanês, que já vitimou mais de 400 árabes (e em torno de 40 judeus), mostra isso de maneira bem clara.



Nos últimos dias, como faço sempre, concentrei-me em leituras de todos os artigos que saem na imprensa nacional, sejam eles de correspondentes estrangeiros, artigos publicados em grandes jornais no exterior ou mesmo análises e entrevistas realizadas por jornalistas brasileiros com especialistas em política internacional. A esmagadora maioria dos estudiosos indica que os EUA erram na sua atitude com relação ao apoio intransigente à Israel, que esse Estado teria o direito de se defender, sem que outros estados árabes tenham esse mesmo direito à autodefesa.


 


Motivos e razões da agressão sionista



Há um debate amplo, profundo, sobre quais seriam mesmo as razões e os motivos para que os Israel usasse todo o seu poderio militar, desfechando ataque por terra, ar e mar, contra o Estado Libanês e especialmente contra a sua população civil, destruindo praticamente toda a infra-estrutura desse antigo país árabe. A precariedade da situação no sul do Líbano (fronteira norte de Israel) e em bairros de Beirute é imensa. É como se o Líbano retrocedesse pelo menos 30 anos no tempo, desde quando, em 1975, iniciou a guerra civil. Porque Israel toma essa atitude? Porque os Estados Unidos apóiam e calam-se ante ao massacre que vem ocorrendo? São perguntas que temos que debater e tentar uma resposta.



Não queremos crer que os motivos dos ataques sejam tão somente a tentativa de libertação de dois soldados israelenses seqüestrados por milicianos do Hizbolláh em 12 de julho passado, além de um outro seqüestrado no final de junho por milicianos do Hamas, em Gaza, na Palestina. Há muitas outras coisas e fatores envolvidos.



Os tempos em que vivemos ainda são neoliberais, apesar de muitos avanços registrados em vários países. Hoje, os movimentos islâmicos que ocorrem no Afeganistão, Iraque ocupado, Palestina e no Líbano, contribuem para a luta antiimperialista em curso no mundo. No entanto, particularmente com relação aos muçulmanos, sejam eles xiitas ou não, estes vem sentindo-se crescendo a sua força e sua unidade. Seja desde a expulsão soviética do Afeganistão, dos americanos e israelenses do Líbano, de Israel da Faixa de Gaza e mesmo a crescente ofensiva da resistência iraquiana que poderá resultar na expulsão americana desse país (2).



A melhor análise que pude ler nos últimos dias partiu do editor chefe do jornal Daily Star, de Beirute, Rami G. Khouri. Ele enumera o que chama de “pares e duplas”, dos atores envolvidos no conflito em todo o Oriente Médio que, como já o dissemos antes, é regional e poderá tornar-se global, com o desenrolar dos acontecimentos. Os tais pares e duplas seriam os Estados Unidos e Israel; governos da Palestina e do Líbano; a Síria e o Irã e os grupos e partidos políticos-religiosos Hamas e Hizbolláh (3).



A conclusão é clara e cristalina: um absoluto e rotundo fracasso da política americana para o Oriente Médio nas últimas quatro décadas (desde pelo menos a posição que esse país assumiu, de apoio à Guerra dos Seis Dias em junho de 1967, quando Israel ocupou a Cisjordânia, a Faixa de Gaza, as Colinas de Golã, a península do Sinai e posteriormente, em 1982, ocuparia o sul do Líbano, na região de terras chamada de Fazendas de Sheeba, na operação chamada sugestivamente de “Paz na Galiléia”).



Com a falência e a completa inoperância e subserviência de governos árabes tradicionais, servis à potência dos Estados Unidos, cresceram e se fortaleceram os grupos de resistência baseados no islamismo, seja ele de linha xiita ou sunita, que prestam amplo leque de serviços e apoios às populações mais carentes, pela omissão de estados e governos árabes. Tais grupos são hoje o Hizbolláh e o Hamas. O primeiro, liderado desde 1992 pelo xeique Hassan Nasrallah e o segundo, ocupando o governo da Palestina, através da ANP.



Do lado de Israel, a reação ao seqüestro de três de seus soldados, além de completamente desproporcional e amplamente condenado por países e entidades do mundo todo, parece ter como objetivo claro o de que, destruindo toda a infra-estrutura do Líbano, o povo libanês se voltaria contra o Hizbolláh (e no caso palestino, contra o Hamas). No entanto, o resultado tem sido exatamente o contrário. E isso não só entre libaneses e palestinos, mas entre os povos do mundo inteiro e entre os formadores de opinião. Poucas foram as vozes que se levantaram em defesa dos ataques e do massacre que Israel vem cometendo contra os libaneses. Não há nada que justifique tais atitudes, matança indiscriminada de mulheres e crianças e mesmo observadores das Nações Unidas.



Ainda segundo Khouri, pelo menos quatro coisas acontecem quando Israel desfecha esses terríveis bombardeios: 1. Os governos libanês e palestino perdem completamente o poder e a importância, na medida que Israel inclusive não se dispõe a negociar com ambos; 2. O Hizbolláh e o Hamas angariam amplo apoio na população afetada e em outras regiões; 3. Aumenta a capacidade militar desses grupos políticos e 4. Cresce exponencialmente a campanha anti-Israel e anti-EUA em todo o mundo. Israel e os Estados Unidos, que os apóiam, só tem a perder com tais atitudes.



O que vai ficando cada vez mais claro é a completa incapacidade dos EUA e de sua política externa e para o Oriente Médio, de oferecer uma alternativa para a solução global dos conflitos. Os EUA só vêem uma saída: o caminho das armas e da força bruta e não o da diplomacia e da negociação. Dentro desse quadro, Israel vê-se envolvido em pelo menos quatro problemas, ainda segundo Khouri: 1. Vai ficando cercado por dois poderosos movimentos islâmicos de amplo respaldo popular, que são o Hamas e o Hizbolláh; 2. Cada vez que ocorrem eleições em algum país no OM, acabam vencendo os seguidores de partidos de linha fundamentalista, anti-imperialista e anti-sionistas e israelenses; 3. Os governos árabes vão ficando cada vez mais imobilizados e irrelevantes e 4. Vão surgindo contra Israel, inimigos cada vez mais fortes ideológicos, que desafiam essa política equivocada, que contam com apoio e respaldo de países como o Irã e a Síria.



Assim, nesse contexto, os EUA acabam assumindo uma posição marginal no contexto do OM, ainda que sejam atores principais, mas não tem o que oferecer, proposta alguma, sequer um cessar fogo imediato, pois apóiam os bombardeios. A saída, seguramente, deve ser uma negociação global entre o que o jornalista chama de quatro pares em busca de uma saída global. Parece que Israel tenta mandar um recado, junto com os EUA: ou o governo libanês se livra do Hizbolláh ou ele passará a ser tratado como cúmplice desse grupo (nunca é bom esquecer que esse partido tem 14 deputados no parlamento entre 128 membros – 11% – e dois ministérios). Israel se ilude que, com os ataques aos palestinos e libaneses, as suas cidades estariam mais seguras, que os grupos de resistência islâmica ficarão sem foguetes, sem rotas de suprimentos e que os ataques diminuirão (4)



A jornalista Déborah Berlinck, correspondente do jornal O Globo em Paris, citando Antoine Basbous, membro do Observatório dos Países Árabes, apresenta possíveis interesses que estariam por trás das ações da Síria e do Irã. A primeira poderia estar querendo ofuscar a investigação internacional conduzida por um advogado alemão, que apura o envolvimento desse país na morte de Hafic Hariri, ex-primeiro Ministro do Líbano e que ainda tem poder e controle da política libanesa. O segundo, no caso do Irã, seria uma resposta à condenação em curso pelo CS da ONU, do seu programa nuclear (5). Tais analistas não levam em conta um fator fundamental: que esses países poderiam apoiar a luta pela libertação da Palestina e da resistência libanesa, contra a ocupação de Israel de terras árabes em geral. No caso da Síria em particular, parte de seu território – as colinas de Golã – ainda encontram-se ocupadas militarmente por tropas de Israel e esse país sequer se dispõe a negociar um calendário de retirada de seu exército dessas terras árabes.



Perspectivas e desdobramentos


 


No momento em que escrevemos nossa coluna semanal para o portal Vermelho, instala-se em Roma, uma Conferência Internacional, sob os auspícios da ONU, para uma tentativa de superar o impasse criado. Israel segue nos pesados e constantes ataques à população civil do Líbano sob o esdrúxulo argumento de que o castigo à população civil e a destruição de toda a infra-estrutura do país, castigaria também o grupo “terrorista” do Hizbolláh e destruiria o seu arsenal militar.



Diversas propostas têm vindo à tona, especialmente por parte da secretária de Estado dos EUA, Condoleeza Rice. Esta chegou ao descaramento de dizer que um cessar fogo só seria possível e os EUA apoiariam tal proposta se imediatamente o governo libanês desarmasse o Hizbollah. Propôs ainda que as suas milícias recuassem a trinta quilômetros da fronteira norte de Israel e que os soldados israelenses fossem libertados sem a libertação de nenhum prisioneiro libanês ou palestino das masmorras israelenses, fossem também libertados.



Tal proposta foi prontamente rejeitada por todos os atores envolvidos no conflito, até mesmo pelo primeiro Ministro do Líbano, Fouad Siniora, considerado mais pró-americano. De nossa parte e também pelas opiniões de analistas que temos visto em plano mundial, vai no sentido de defender um cessar fogo imediato. Levo sempre em conta que entre os lados em conflito existem profundas diferenças e desigualdades, pois da parte de Israel, um dos mais bem treinados e armados exércitos do planeta e do lado dos árabes, apenas guerrilheiros da resistência palestina e libanesa. Devemos defender a imediata troca de prisioneiros de guerra entre Israel e os guerrilheiros envolvidos no conflito, ou seja, a imediata libertação de presos políticos palestinos e libaneses, especialmente jovens e mulheres conforme se vêm reivindicando. Também a imediata retirada das tropas israelenses da fronteira do Líbano, podendo ser enviado para a região tropas das forças de paz da ONU (os famosos capacetes azuis). Israel precisa respeitar imediatamente a soberania do Líbano e não insistir na sua agressão.



É preciso que Israel suste imediatamente todo e qualquer ataque e agressão ao Líbano e à sua população, bem como aos palestinos que vêm sendo castigado na Faixa de Gaza. É preciso deixar que entrem em campo os diplomatas que sejam convidados à mesa de negociação todas as partes envolvidas no conflito. Sabemos que até mesmo grande parte da grande imprensa não crê mais nos rumos atuais da política externa americana. A capa da Time Magazine de 17 de julho passado estampava a surpreendente manchete The end of the cawboy diplomacy (o fim da diplomacia cawboy). É uma clara alusão ao fracasso retumbante da combinação das duas propostas que George Bush vem insistindo no OM, qual seja, dizer que combaterá o terrorismo e que levará a democracia para a região. Nenhuma das duas coisas foi feita até o momento.



No Brasil e no mundo, centenas de milhares de pessoas vão ganhando às ruas, protestando contra Israel e contra os Estados Unidos, pela sua política belicista de n;ao negociar com nenhum dos atores envolvidos nos conflitos. É preciso restabelecer a política de paz em troca de terras, que os palestinos vêm defendendo e que agora os libaneses vão sentindo claramente a importância de seu significado.



Declarações dadas recentemente pelos dois principais envolvidos nos ataques ao Líbano, o primeiro Ministro Ehud Olmert (“vamos demoli-los e nada vai nos segurar”) e do ministro da Defesa de Israel (“Nasrallah lembrará o nome de Amir Peretz para o resto de sua vida”) em nada ajudam na construção da paz. Da parte dos Estados Unidos, estes devem imediatamente retirar de Israel a permissão que vinham dando para que bombardeassem o Líbano, sob pena de ficarem cada vez mais isolados da comunidade política internacional.



Temos esperança que não só os muçulmanos sigam firmes na sua luta em defesa da libertação do mundo árabe, mas que despertem as antigas forças patrióticas e nacionalistas, que dominavam a região na época de Gamal Abdel Nasser.



Quanto ao dilema que analistas internacionais apontam, que se é Israel quem conduz a política externa americana no OM ou se são os Estados Unidos que usam Israel na sua “guerra ao terror”, não tenho dúvidas da resposta: os EUA usam Israel, apóiam Israel, endossam a sua violência contra os palestinos e agora contra os libaneses. É como se fossem “farinha do mesmo saco”, caminham de mãos dados e se apóiam mutuamente. A ilusão dos EUA é que com isso, poderiam eliminar a influência da Síria e do Irã em todo o OM (6). Como disse, uma doce ilusão e nessa linha, pode-se dar adeus a qualquer perspectiva de paz, democratização e estabilidade no Oriente Médio. Voltaremos, seguramente ao tema, na semana que vem.



Notas



(1) Ver artigo de Rupert Cornwell, correspondente do The Independent em Washington, intitulado “Estamos vendo o fim da Pax Americana?”, publicado no jornal Folha de São Paulo do dia 16 de julho de 2006, página A25.


(2) Essa é uma opinião de David Brooks, colunista do The New York Times, publicada no jornal o Estado de São Paulo, de 16 de julho de 2006, sob o título “Israel tenta recuar e inimigos se enfurecem”.


(3) “Quatro pares na dança da morte”, publicado na FSP em 16 de julho de 2006.


(4) Ver artigo de Ethan Bronner, colunista do NYT, publicado no Estadão de 18 de julho de 2006, sob o título “Buscando a paz por meio da guerra”, na página A13.


(5) “Uma nova velha guerra”, publicado na edição de 16 de julho de 2006, domingo, página 39.


(6) Essa é uma opinião com a qual compartilho, do analista Ehsan Ahrari, consultor de defesa da Strategic Paradigms Defense Consultancy, publicada no jornal OESP, sob o título “Será difícil para Israel vencer guerra de guerrilha”, em uma entrevista realizada pela jornalista Maria Tereza costa, do dia 24 de julho de 2006.

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