O instagram está matando mulheres

A morte da influenciadora digital Liliane Amorim durante procedimento estético é mais um alerta sobre uma cultura nociva às mulheres, principalmente nas redes sociais.

Ilustração: Reprodução Facebook/ @Pawel Kuczynski

No último domingo, 24 de janeiro, a influenciadora digital Liliane Amorim, de apenas 26 anos, faleceu em decorrência de complicações de uma lipoaspiração. Chama a atenção que Liliane, uma mulher que visivelmente correspondia a muitos dos padrões estéticos vigentes, e que trabalhava com a própria imagem, tenha morrido por complicações de uma cirurgia para eliminação de gordura. O fato gerou repercussão nas redes sociais, uma avalanche de postagens de famosas e anônimas sobre a pressão estética e a busca feminina pela perfeição.

O Brasil é o país que mais realiza cirurgias plásticas no mundo, de acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, e a busca por procedimentos estéticos cirúrgicos e não cirúrgicos só cresce a cada ano, com um aumento significativo durante a pandemia, especialmente por mulheres. Já o instagram, avaliado pela pesquisa da instituição britânica Sociedade Real de Saúde Pública, é a rede social mais nociva à saúde mental. O que uma coisa tem a ver com a outra? Tudo.

Nos últimos anos vimos surgir um fenômeno interessantíssimo: os influenciadores digitais, pessoas que trabalham produzindo conteúdo em redes sociais, que lucram com a divulgação de produtos aos seus seguidores e têm uma capacidade de mobilização significativa na internet e fora dela. Se antigamente a novela lançava moda nas ruas, hoje são as redes sociais, mais especificamente o instagram através de influenciadoras, que cria frisson sobre um estilo de sobrancelha, roupa, viagem, cabelo ou… procedimento estético.

Basta abrir o aplicativo e clicar na lupa que fica na parte de baixo da tela, lá se encontram as sugestões do aplicativo, são imagens de perfis que você não segue, com conteúdo que supostamente gostaria de seguir, oferecidos a partir dos famosos algoritmos. Os algoritmos são as regras estabelecidas por cada rede social, que determinam o que aparece para você. Se você curte postagens sobre um determinado tema, o aplicativo te mostra postagens semelhantes. Mas, se você é uma mulher, já percebeu que sempre aparece conteúdo sobre beleza?

Eu digo que o instagram está matando mulheres porque é uma plataforma que potencializa discursos violentos. É violento que mulheres sejam ensinadas a odiar os próprios corpos, mas esta é a realidade da sociedade na qual vivemos. Somos ensinadas desde criança a buscar um ideal de feminilidade inalcançável, a nos submetermos aos mais dolorosos procedimentos para que nossos corpos sejam “adequados”.

E o que é um corpo de mulher adequado? É simples, é um corpo-objeto, que existe em função de agradar ao outro, que precisa de constante validação alheia. É por isso que os elogios que direcionamos às meninas quase sempre dizem respeito à sua aparência, e é por isso que aquelas que não atendem ao padrão de beleza (leia-se de feminilidade) são constrangidas e rechaçadas.

Se por décadas as revistas femininas serviram ao propósito de reverberar os padrões de beleza/feminilidade, o instagram hoje cumpre este papel. É preciso bombardear diariamente as mulheres, explorando suas inseguranças, para que permaneçam neste lugar de vulnerabilidade. A mulher insegura e vulnerável é um alvo fácil para a indústria da beleza, que vende soluções rápidas, que vende a felicidade como vestir um determinado tamanho de calça ou sutiã.

Não quero aqui demonizar procedimentos estéticos, pois, mulheres adultas são capazes de escolher o que desejam fazer com o próprio corpo, especialmente se elas têm consciência de si como sujeitos desejantes, porém, é preciso questionar a quem serve que odiemos nossos corpos, que nunca estejamos satisfeitas com nossa aparência e busquemos eternamente essa felicidade de quando “eu estiver magra, sem barriga”. A felicidade para mulher insegura está sempre num futuro que depende que seu corpo esteja adequado ao olhar alheio.  

Além disso, está em voga um processo traiçoeiro de sequestro de pautas feministas por pessoas em busca de lucro, o que não é nada novo, o capitalismo se apropria de absolutamente tudo e transforma em produto. O autocuidado, uma pauta tão cara ao movimento feminista, figura para muitas, como um pote de creme caríssimo ou, um retiro espiritual que custa 5 salários mínimos.

Penso que o feminismo oferece resposta e alternativas às opressões que nos afligem enquanto mulheres, a saída é sempre pela coletividade. Só é possível questionar os padrões de beleza quando em contato com a diversidade de mulheres, e apenas fortalecendo a si e a outras mulheres que combatemos as violências às quais somos expostas, ainda que virtualmente.

Hoje eu lamento a morte de Liliane, uma morte física. E lamento ainda a morte simbólica de milhões de mulheres que odeiam os próprios corpos. Desejo a todas nós o amor que só encontrei em outras mulheres, o amor do reconhecimento das dores da outra em si, da esperança de cura e libertação para todas.

Publicado também pelo jornal O Imparcial

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