O novo governo do Líbano

O Líbano é um dos países mais emblemáticos do mundo árabe. E não pelo tamanho de sua população, que tem cerca de quatro milhões de habitantes. Mas, especialmente pela sua população extremamente diversificada e heterogênea, sua intelectualidade e modo de vida laico e praticamente ocidental. Muitos consideram esse país o mais europeu do Oriente Médio.

Há quase um ano com governo provisório pela renúncia do 1º Ministro, surge agora uma nova composição. Trataremos disso nesta coluna.

A composição do governo libanês é sui generis. Viveram uma guerra civil de 1975 até 1990. Existem muitas confissões religiosas – provavelmente em torno de 20 – e uma divisão sectária na sua política. A partir dos acordos de Taif – cidade balneária da Arábia Saudita – de outubro de 1989, as coisas começaram a mudar.

Na verdade, o que ocorreu nessa cidade foi a assinatura de um acordo chamado Carta Nacional de Reconciliação. Todos os deputados do parlamento libanês, 31 muçulmanos e 31 cristãos se deslocaram para essa cidade, debateram a reconciliação e assinaram a Carta. Diga-se de passagem, o custeio da viagem da imensa comitiva, foi bancado pelo ex-primeiro Ministro Rafic Hariri, assassinado em 2005. Um dos homens mais ricos do Líbano à época.

Quando digo sui generis esse país, quero dizer que o que acabou sendo estabelecido no acordo nada mais era do que uma tradição que vinha desde a década de 1940. Isso significa que todo presidente do país tem que ser necessariamente um cristão maronita (é um patriarcado ortodoxo, mas católico que segue as orientações da Igreja e do papa), o primeiro Ministro tem que ser um muçulmano sunita e o presidente do parlamento um muçulmano xiita. Não conheço outro país no mundo que seja assim a divisão religiosa do poder.

De qualquer forma, procurou-se respeitar o equilíbrio do tamanho das comunidades. As eleições parlamentares são também pelas confissões religiosas e são distritais. Do acordo de 1989 resultou menores poderes para o presidente, que é eleito indiretamente pelo parlamento.

Dito isso, precisamos entender hoje a política libanesa. Esse país tem como vizinho Israel, que já o invadiu diversas vezes. De outro lado tem a Síria, que também já teve imensa presença militar no país, ainda que a pedido do próprio governo libanês. O país acolhe mais de meio milhão de palestinos. Os campos de refugiados de Sabra e Shatila ficaram tristemente famosos pelo massacre que sofreram entre os dias 16 e 18 de setembro de 1982 onde quase quatro mil palestinos foram assassinados.

Basicamente temos dois blocos no país. O “8 de Março”, com cristãos maronitas, muçulmanos xiitas do Amal e o Partido Hezbolláh, que tem guerrilheiros preparados para defender o Sul do país contra Israel e mantém boas relações com a Síria. A outra coligação chama-se “14 de Março”, com partidos mais do campo dos Estados Unidos e da Arábia Saudita.

O bloco “14 de Março” governo o Líbano de 2005 até 2009. Com a saída do Partido Socialista do druso Walid Jumblat daquele campo, o bloco “8 de Março” passou a ter maioria no parlamento e formou novo governo com o primeiro Ministro Najib Mikati, também ele um dos maiores empresários libaneses.

Ocorre que o conflito na Síria tem profundos reflexos no Líbano. Com a constante derrota no campo militar por parte dos terroristas financiados pela Arábia Saudita, a tensão no Líbano tem aumentado muito. De uns meses para cá, diversos atentados terroristas tem ocorrido em Beirute, em especial em áreas xiitas, vitimando muitos libaneses. Terroristas chamados jihadistas no desespero de ver a sua iminente derrota na Síria, tem fugido para o Líbano e outros países vizinhos, trazendo o conflito para dentro do país.

Desde o início do ano passado, Mikati havia renunciado. Mas, o presidente Michel Suleiman não conseguiu nesse período indicar um novo primeiro Ministro. Ocorre que o clima no país está muito tenso, pelos atentados. O sinal para um possível acordo veio há cerca de um mês com um pronunciamento do ex-primeiro Ministro Said Hariri (filho de Rafic). Ele, que vetava a participação em um governo de unidade nacional, disse que aceitaria participar de um gabinete com o Hezbolláh, que anda hoje é considerado pelos EUA um grupo “terrorista” (sic).

As forças políticas de todos os partidos colocaram-se em campo na tentativa da montagem de um novo gabinete de transição. Digo isso porque o novo governo que foi formado agora deve durar até maio quando, de forma indireta, ocorrerá a eleição de um novo presidente (que tem que ser maronita pelos acordos).

O site Oriente Mídia (www.orientemidia.org) foi o único no Brasil a noticiar não só o acordo, como os detalhes quais partidos ficaram com os ministérios. O novo 1º Ministro agora é Tammam Salam, vinculado ao chamado bloco centrista, não sendo de nenhuma coligação. O próprio presidente Suleiman indicou vários ministros independentes.

Interessante registrar que o bloco de Hariri acabou ficando com os ministérios que cuidam da segurança interna e por isso devem combater o terrorismo, que são Interior, Justiça (polícia) e Telecomunicações. Ao que tudo indica, esse acordo amplo só foi possível porque a Arábia Saudita – que na Síria financia os terroristas – deu sinal verde em consonância com o Irã, aliado prioritário do Hezbolláh xiita. O líder desse Partido, Hasan Nasrallah também pronunciou-se de público e disse que seu Partido poderia participar do novo gabinete.

O Líbano quer e precisa de segurança e tranquilidade. Israel, seu inimigo, está há poucos quilômetros na fronteira Sul do país. Jihadistas estão se infiltrando no país. Há mais de um milhão de sírio refugiados no país que precisam de assistência e querem voltar ao seu país. Assim, pacificar a Síria é também pacificar o Líbano. Aliás, tenho dito isso. Se Obama quer mesmo a paz no Oriente Médio, é preciso um acordo global e resolver ao mesmo tempo vários problemas. As prioridades são, nessa ordem: programa nuclear do Irã; questão palestina; paz na Síria; pacificação no Iraque e tranquilidade no Líbano.

A questão que vai estar posta nas conversas e nas mesas de negociações com os partidos e forças políticas é a eleição do novo presidente em maio. Como só pode ser um cristão maronita, vários nomes já se colocam. O ex-presidente, do Partido Falange, de direita, pode voltar à cena. O general Aoun, do Movimento Patriótico Livre também pode ser presidente. Até mesmo o indicado para o ministério da Cultura, Suleiman Frangiéh pode ser eleito.

Como diz o analista político do mundo árabe, Dr. Assad Frangiéh, editor do Oriente Mídia, o Líbano tem sido mesmo uma espécie de barômetro político do mundo árabe. O Líbano vai ter que viver e aprofundar diversas contradições. A maior delas é ter em ministérios que devem coibir o terrorismo, gente alinhada com a Arábia Saudita, país que mais financia o terrorismo. Que fazer com os terroristas que estão fugindo da Síria com suas armas pesadas?

No entanto, os poderes e abrangência do novo governo são completamente limitados. Vão organizar as eleições de maio e combater o terrorismo. No entanto, o sinal é claro pelo acordo e pela pacificação. Não sei se chegarão à unidade de 1989, mas pode ocorrer. A família Hariri e sua coligação conservadora conviver com os que eles combateram e vetaram por tantos anos é inédito. Isso é vitória do Hezbolláh e vitória da Síria, que coloca como centro da pauta política e diplomática de todo o mundo árabe o combate ao terrorismo. Foi isso que eles levaram para a Conferência de Genebra 2. Mas os ouvidos surdos dos estadunidenses não deu atenção.

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