O palácio do rei, uma reflexão para os líderes

É reconhecido o bom patamar de reajuste do salário mínimo no governo Lula, mas nem de longe cumpre o preceito constitucional “capaz de atender as suas necessidades vitais básicas”. Enfim, por tudo isso, faz sentido a descrição do grande escritor português que como Niemeyer permanece no topo da idade afirmando a necessária convicção comunista e achei por bem reproduzir para refletirmos no limiar de 2010.

Neste natal, onde presenciamos um renascer de esperanças e o desfecho de ano político difícil, com crises econômicas, escândalos espetaculares em alguns governos e outros igualmente espetaculares nas mega-empresas privadas — como o caso dos bônus para os executivos da AIG– em meio à crise mundial que promoveu pacotes de salvação governamentais trilionários pelas Américas, Europa, dentre outros e de saldo deixou uma imensa conta aos trabalhadores cujo desprazer foi assistir a drenagem de dinheiro para as montadoras, os banqueiros, agências financeiras, as corporações imobiliárias, todas que já tinham realizado um grande montante de mais-valia e se encalacrado numa crise de superprodução.

A estes, a gastança trilionária. Aos trabalhadores, o desemprego, os cortes nas áreas sociais e o arrocho nos salários, tornando ainda distante o efeito da legalidade constitucional brasileira que determina a constituição em seu artigo 7º, inciso IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender as suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.

É reconhecido o bom patamar de reajuste do salário mínimo no governo Lula, mas nem de longe cumpre o preceito constitucional “capaz de atender as suas necessidades vitais básicas”. Enfim, por tudo isso, faz sentido a descrição do grande escritor português que como Niemeyer permanece no topo da idade afirmando a necessária convicção comunista e achei por bem reproduzir para refletirmos no limiar de 2010.

Diz José Saramago em seu livro O CONTO DA ILHA DESCONHECIDA, que "um homem foi bater à porta do rei e disse-lhe: Dá-me um barco. A casa do rei tinha muitas portas, mas aquela era a das petições. Como o rei passava todo o tempo sentado à porta dos obséquios (entenda-se, os obséquios que lhe faziam a ele), de cada vez que ouvia alguém a chamar à porta das petições fingia-se desentendido, e só quando o ressoar contínuo da aldabra de bronze se tornava, mais do que notório, escandaloso, tirando o sossego à vizinhança (as pessoas começavam a murmurar: Que rei temos nós, que não atende), é que dava ordem ao primeiro-secretário para ir saber o que queria o impetrante, que não havia maneira de se calar.

Então, o primeiro-secretário chamava o segundo-secretário, este chamava o terceiro, que mandava o primeiro-ajudante, que por sua vez mandava o segundo e assim por aí a fora até chegar à mulher da limpeza, a qual, não tendo ninguém em quem mandar, entreabria a porta das petições e perguntava pela frincha: – que é que tu queres?

O suplicante dizia ao que vinha, isto é, pedia o que tinha a pedir, depois instalava-se a um canto da porta, à espera de que o requerimento fizesse, de um em um, o caminho ao contrário, até chegar ao rei. Ocupado como sempre estava com os obséquios, o rei demorava a resposta e já não era pequeno o sinal de atenção ao bem-estar e felicidade do seu povo quando resolvia pedir um parecer fundamentado por escrito ao primeiro-secretário o qual, escusado seria dizer, passava a encomenda ao segundo-secretário, este ao terceiro, sucessivamente até chegar outra vez à mulher da limpeza, que despachava sim ou não conforme estivesse de maré.

Contudo, no caso do homem que queria um barco, as coisas não se passaram bem assim. Quando a mulher da limpeza lhe perguntou pela nesga da porta: – Que é que tu queres? O homem, em lugar de pedir, como era o costume de todos, um título, uma condecoração, ou simplesmente dinheiro, respondeu: – Quero falar ao rei.
– Já sabes que o rei não pode vir, está na porta dos obséquios, respondeu a mulher.
– Pois então vai lá dizer-lhe que não saio daqui até que ele venha, pessoalmente, saber o que eu quero, rematou o homem e deitou-se ao comprido no limiar tapando-se com a manta por causa do frio.

Entrar e sair, só por cima dele. Ora, isto era um enorme problema, se tivermos em consideração que, de acordo com a pragmática das portas, ali só podia atender um suplicante de cada vez, donde resultava que, enquanto houvesse alguém à espera de resposta, nenhuma outra pessoa se poderia aproximar a fim de expor as suas necessidades ou suas ambições.

À primeira vista, quem ficava a ganhar com este artigo do regulamento era o rei, dado que, sendo menos numerosa a gente que o vinha incomodar com lamúrias, mais tempo ele passava a ter e mais descanso para receber, contemplar e guardar os obséquios. À segunda vista, porém, o rei perdia e muito, porque os protestos públicos, ao notar-se que a resposta estava a tardar mais do que o justo, faziam aumentar gravemente o descontentamento social, o que, por seu turno, ia ter imediatas e negativas consequências no afluxo dos obséquios.

No caso que estamos narrando, o resultado da ponderação entre os benefícios e os prejuízos foi ter o rei, ao cabo de três dias, e em real pessoa, à porta das petições, para saber o que queria o intrometido que se havia negado a encaminhar o requerimento pelas competentes vias burocráticas.

Repartido entre a curiosidade que não pudera reprimir e o desagrado de ver tanta gente junta, o rei, com o pior dos modos, perguntou três perguntas seguidas, Que é que queres, Por que foi que não disseste logo o que querias, Pensarás tu que eu não tenho mais nada que fazer? Mas o homem só respondeu a primeira pergunta: – Dá-me um barco, disse.

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