O resgate da memória e da verdade
Com o passar do tempo vai ficando cada vez mais claro para a esmagadora maioria do nosso povo que o golpe militar de 1º de abril de 1964 que derrubou o presidente constitucional e democraticamente eleito João Belchior Marques Goulart, o Jango, foi planejado, organizado, dirigido e financiado pelos Estados Unidos.
Publicado 06/03/2013 12:18
O cérebro do golpe foi o então embaixador norte-americano em Brasília, Lincoln Gordon, que contou com o irrestrito apoio dos militares vende-pátria, dos setores conservadores da Igreja Católica, das oligarquias tupiniquins e da velha mídia conservadora, venal e golpista.
Aos pouco os militares e civis golpistas vão se desmascarando, pois a verdade já não pode mais ser encoberta. É mais fácil pegar um mentiroso que um coxo. Documentos do Pentágono tornados públicos revelam a traição dos setores conservadores das Forças Armadas brasileiras e dos partidos políticos, com destaque para a velha e golpista União Democrática Nacional, a famigerada UDN, hoje representada pelo PSDB, DEMO e PPS.
Em novembro de 2011 a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei que criou a Comissão Nacional da Verdade para, no prazo de dois anos, apurar toda a violação aos direitos humanos praticada de 1946 a 1985. Pela limitação do tempo e do pequeno número dos membros da Comissão da Verdade, vários comitês se instalaram em todo o País e comissões por categoria começam a ser formadas para subsidiá-la.
Em janeiro último, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) formou a sua Comissão Nacional da Memória, Verdade e Justiça, tendo à frente o jornalista Audálio Dantas, ícone do jornalismo brasileiro, ex-presidente do Sindicatos dos Jornalistas Profissionais de São Paulo. Na última quarta-feira 27, Audálio veio a Fortaleza lançar a Comissão Memória, Verdade e Justiça dos Jornalistas Cearenses, primeira comissão estadual da categoria em todo o País, que tenho a honra de presidir. Cada estado instalará a sua comissão com o mesmo objetivo.
Audálio aproveitou sua vinda a Fortaleza para lançar o seu mais recente livro: As duas guerras de Vlado Herzog – Da perseguição nazista na Europa à morte sob tortura no Brasil. Audálio já havia denunciado a morte sob tortura de Vladimir Herzog, não permitindo que, como outras vítimas da ditadura militar, seu corpo fosse sepultado em silêncio. Agora, com esse livro, o bravo jornalista que dignifica a sua categoria desmascara de vez a versão mentirosa dos militares criminosos.
A Comissão da Memória, Verdade e Justiça dos Jornalistas Cearenses tem a incumbência de pesquisar e trazer a público a perseguição aos jornalistas perseguidos, demitidos, presos e torturados em nosso estado no exercício da profissão, por não concordarem com a ditadura militar. O maior número de jornalistas atingidos diretamente pela ditadura militar se concentrou no eixo Rio-São Paulo, mas em todos os estados houve perseguição aos verdadeiros democratas que ousaram discordar do arbítrio e exigirem o fim do regime de exceção.
Quando o jornalista Vladimir Herzog foi barbaramente assassinado nas dependências do DOI-Codi no dia 25 de outubro de 1975, Audálio Dantas era presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo e no mesmo dia denunciou a versão de suicídio apresentada pelos miliares assassinos. No enterro de Vlado e no Ato Ecumênico realizado sete dias depois na catedral da Sé, Audálio, mesmo sendo ameaçado de morte pelos militares caso comparecesse ao ato, não só compareceu como reafirmou a denúncia de assassinato.
A exemplo de Audálio Dantas, em Fortaleza também aconteceu caso semelhante, só que não com um jornalista, mas com um ferroviário. O jornalista Edmundo Maia, carinhosamente chamado de Mainha, denunciou que aquele ferroviário foi morto sob tortura nas dependências do DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social) cearense. Mainha foi agredido na Praça do Ferreira por dois elementos que depois se soube ser a mando do então superintendente da Reffsa (Rede Ferroviária Federal S.A.), José Walter Cavalcante que ainda está vivo e dá nome a um dos maiores bairros da cidade.
Este e outros fatos constarão do relatório final da comissão estadual que será enviado à comissão nacional.