O rumo do governo Lula segundo Gilson Reis

O lançamento de um livro com análises progressistas é um feito que no Brasil merece efusivas saudações. É o que acontece agora com a publicação de Lula lá, aonde?, uma obra que aprecia com rara sensibilidade social temas cruciais para a vida d

Em resumo: vale a pena ler o livro Lula lá, aonde?, de Gilson Reis, presidente do Sindicato dos Professores de Minas Gerais e colunista do Vermelho, recentemente publicado pela Mazza Edições Ltda. Agora, um pouco menos resumido: se você quer ler análises de temas atualíssimos — como desemprego, crises financeiras, cultura —, dar boas risadas e ao mesmo tempo aprender sobre economia, sindicalismo e política por meio de historinhas ou exemplos concretíssimos, leia este livro. Ou se você sente aquele raro prazer de ler coisas boas e se tiver facilidade de tê-lo em mãos rapidamente, pule o resto desta coluna e vá direto a ele.


 


O livro enfeixa 38 artigos que abrangem o período desde a fase preparatória da subida de Luis Inácio Lula da Silva à Presidência da República em 2002 até a reta final da campanha presidencial de 2006, nos quais Gilson Reis mantém-se fiel a seu estilo fortemente crítico — para não dizer ácido. Às vezes, impressionam os ataques frontais e duros. Mas ele os justifica dizendo que seu principal objetivo é mostrar que os temas de que está tratando são de capital importância para a vida real.


 


Magnatas sem face e sem coração


 


A narrativa parte de uma regra básica: esqueça as palavras de significado vago. O autor explica idéias profundas com formulações que fazem o leitor entender as coisas facilmente. Esta característica é algo reconfortante — pois estes temas muitas vezes são tratados de modo assustador. A mensagem de Gilson Reis parece ser o privilégio do pensamento sério e completo em oposição ao discurso baseado em slogans e análises superficiais. Outra preocupação constante parece ser mostrar que as teorias científicas funcionam e são comprovadas pelos dados da realidade — ao contrário do que se tornou comum pensar.


 


No artigo O rato roeu (página 67), por exemplo, Gilson Reis explica as transformações da economia mundial começando com historinhas infantis para chegar ao G-7, ao FMI, ao Bird e à OMC. Uma maravilha! A idéia é mostrar como o mundo passou ao controle político e econômico de um punhado de magnatas sem face e sem coração. Substituiu-se a perenidade dos bosques europeus pela aceleração das auto-estradas norte-americanas. O tempo que as pessoas se davam para sentar em um café parisiense, ler um livro e viver, pela refeição fast food. E o bem-estar social pelo desemprego, pelo abandono, pela miséria gerada na competição que desce à mesquinharia do cotidiano.


 


Formulações magistrais


 


Hoje, nada é feito para durar muito. Tudo é descartável. E veio a futilidade como validação estética da baixa erudição (a rasa cultura norte-americana legitima a ignorância média desde que esta se recubra de boa dose de marketing). E rebaixou-se todo ato humano que não seja eminentemente artificial. O brilho da casca, enfim, passou a valer mais do que o miolo. Hoje somos menos horizontais socialmente, menos democráticos e menos bem-humorados por conta da expansão cultural da futilidade norte-americana na “era neoliberal”.


 


Gilson Reis sintetiza tudo isso em formulações magistrais. Uma delas: “O rato de outrora era pequeno e audacioso, enfrentava o império e potencializava nossas fantasias. O rato de hoje não é um roedor típico, não é do tipo que enfrenta o império. Muito pelo contrário: é o próprio império. Outra: “O rato de hoje não é aquele que roeu a roupa do rei de Roma, mas é do tipo que rói nações e povos e, sobretudo, rói a esperança de um mundo mais justo e solidário.” Como se vê, Gilson Reis embrenha-se em matas densas sem perder a leveza.


 


Características típicas dos livros


 


É uma pena que escritos deste tipo tenham pouca divulgação. É dura a vida de escritor no Brasil. Primeiro você tem que ultrapassar a barreira do esquálido público que lê livros. É um mercadinho. Depois você tem que ultrapassar uma barreira ainda mais cruel: o controle autoritário dos monopólios de mídia sobre a divulgação de idéias. Mas é a velha história: é melhor acender uma vela do que maldizer a escuridão. Conheço pessoas que lêem livros por puro prazer e outras para quem a leitura não é tudo isso.


 


Está certo que a tecnologia vem facilitando o caminho rumo a uma informação mais ágil. Ninguém duvida do poder da multimídia como ferramenta interativa, com sons e efeitos que agradam a nossos sentidos. Nada parece substituir, porém, a leitura de bons livros. O ser humano parece gostar da obra em papel. Não quer prescindir da portabilidade, do fácil acesso, de poder tocar, virar e revirar, de tê-lo como companhia na cama. São características típicas dos livros. Lula lá, aonde? tem a vantagem de ser uma obra de artigos curtos, bem-escritos, engenhosos e fluentes.


 


O autor tem farinha no saco


 


Gilson Reis é, antes de qualquer outra coisa, um conhecedor da alma do povo. E isso o difere já de início, substancialmente, de quem ganha a vida montando frases de efeito e expelindo perdigotos em palestras mundo afora. Radiografa a essência das contradições sociais, gera artigos seminais, cria paradigmas e equações para entender e explicar o que ocorre no mundo da atualidade. Ganha a vida — e bem, segundo dizem — lecionando biologia, mas sua especialidade é a militância no movimento sindical combativo.


 


Ao contrário da maioria das pessoas que escrevem e falam sobre esses assuntos, Gilson Reis tem farinha no saco. Não é um propagador de idéias alheias, como tantos. É uma das raras fontes. Por tudo, o livro de Gilson Reis precisa ser lido. Por sua originalidade, pela seriedade e consistência dos seus artigos, porque ele escreve bem. E isso merece altos elogios. Regras de concordância, de ortografia, de sintaxe, de regência e de pontuação são, em geral, massacradas em textos sobre estes assuntos. Por alguma razão obscura tornou-se moda no Brasil considerar que a utilização correta do português é algo secundário, desimportante. E é claro que não é assim.


 


Conclusões mal fundadas


 


Quando se fala em redigir bem um texto não se pretende dizer que é necessário escrever com grande estilo ou saber métrica e fazer poemas. Trata-se apenas de usar instrumentos básicos para a comunicação. Textos absolutamente pobres de idéias e com frases, sentenças e orações desconexas de cara perdem a importância. Muitas vezes, o português se transforma numa língua inteiramente desconhecida de qualquer cidadão nascido e criado no Brasil. O problema é que pouca gente pode reduzir o escrever bem a um ofício simples como pretendia o poeta chileno Pablo Neruda. ''Escrever é fácil. Você começa com letra maiúscula, termina com ponto final e no meio coloca as idéias'', dizia ele. A coisa não é bem assim.


 


O erro número um que a maioria das pessoas comete é escrever para si próprias — não para quem vai ler a mensagem. Redigir um bom texto dá trabalho mesmo. Exige conhecimento, atenção, concentração, esforço, tempo, dedicação, treino. E paciência para começar de novo muitas vezes. É desanimador? O leitor dificilmente poderia imaginar a quantidade de energia e tempo gasta na feitura de um artigo deste tamanho. Só falta um comentário sobre o título. Lula lá, aonde? é o nome de um artigo do livro que induz as pessoas desavisadas a mergulhar em conclusões mal fundadas. A obra faz duras críticas ao governo, mas em nenhum momento questiona o seu rumo.


 


 



 

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