O salto necessário para o processo civilizatório

Norbert Elias, ao caracterizar o processo civilizatório que ocorreu na passagem da Idade média à Idade moderna, tendo como elemento “transitório” o Renascimento, alicerça a argumentação que desenvolve em dois conceitos importantes: cultura e civilização. 

Em ambos os casos, grosso modo, o fato típico desta transição foi a ideia de que houve um desenvolvimento dos modos de conduta humana, caracterizada pela intervenção do próprio homem no seu modo de agir, e não em uma evolução natural da humanidade.

Os valores morais não foram adquiridos naturalmente, mas introduzidos no homem através do hábito, instituindo novos valores e costumes. O gentil homem entra em cena, suplantando o homem selvagem, bárbaro e inculto da medievalidade.

É com base nessa esteira civilizatória que o homem moderno é construído por ele próprio. Com este novo homem, há a valorização do próprio sujeito, dotado de razão e senhor dos próprios atos.

Além disso, este novo homem compactua direitos e deveres com os demais, estabelecendo regras legais e morais para a conduta social.

É nesse contexto que é publicada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento chave que estabelece direitos iguais para todos, como também garante a liberdade individual, contrapondo-se, portanto, ao modo autoritário e “excludente” do mundo medieval.

Aliada a esta ideia de civilização, há a de progresso, que tem como fundamento o fato de a humanidade caminhar em direção ao melhor dos mundos possíveis. Baseada em uma teleologia civilizatória, o mundo futuro é, necessariamente, melhor que o atual.
Contudo, não é este o registro do mundo contemporâneo.

Vivemos em uma sociedade caracterizada pelo antagonismo entre a civilização e a barbárie, entre a ideia de progresso e a de regresso.

Um bom exemplo observado é que, em escala mundial, convivemos em uma época marcada pelas conquistas produzidas pela ciência, mas, ao mesmo tempo, habitamos um planeta caracterizado pela constante ameaça de guerra e pelo aumento do misticismo.
Faço este preâmbulo para compartilhar a seguinte tese:

No Brasil contemporâneo, a bandeira dos Direitos Humanos sempre foi uma marca das agremiações partidárias do campo da esquerda (PT, PCdoB, PSB, PDT), das organizações sindicais e estudantis e, mais recentemente, de algumas organizações não-governamentais (ONG’s). Parte destas forças políticas compõe o Governo Federal e exercem certa força política no Congresso Nacional.

Por outro lado, o mesmo Governo Federal é composto por segmentos sociais anticivilizatórios, que compactuam com o lema conservador: “direitos humanos para humanos direitos”. Seus principais expoentes são os deputados federais Marcos Feliciano (PSC/SP) e Jair Bolsonaro (PP/RJ), além dos tradicionais atores políticos que compõe a oposição governamental e que habitam as trincheiras do DEM e PSDB ou por atores sociais, como os ‘Malafaias’ da vida.

Fruto deste antagonismo existente, a pauta dos Direitos Humanos converteu-se em um elemento importante do debate político do nosso tempo. Temas vinculados à Comissão da Verdade, legalização do aborto, direitos civis para os casais homoafetivos, direitos à livre circulação da informação, atenção especial para as denominadas “minorias” (negros, índios, ciganos, etc.), maioridade penal, para citar alguns exemplos, entraram de vez no cotidiano dos brasileiros.

Se, por um lado, isso é extremamente importante, por outro, a atuação das forças conservadores pode converter estes temas em elementos anticivilizacionais.

Adepto de que o progresso econômico e a melhoria na condição de vida dos brasileiros, por si só não é o suficiente para darmos o salto civilizacional em direção à universalização dos Direitos Humanos, penso que o momento é oportuno para as forças comprometidas com o processo civilizatório repactuarem o próprio campo político a que pertencem, buscar constituir uma nova hegemonia social e deslocar do poder as forças conservadoras e anticivilizacionais.

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