Olhares atentos à China

A partir desta sexta-feira, a cada semana nos veremos neste espaço para discutirmos os principais temas relativos à China e, claro, suas implicações para o Brasil. Será um prazer ampliar o debate acerca do gigante asiático, hoje responsável por cerca de 30% do crescimento global, segundo o Banco Mundial. É mais que Estados Unidos, União Europeia e Japão juntos.

Vivi na China de 2007 a 2013 e até hoje trabalho diariamente com o país. Edito uma plataforma de análise sobre as relações sino-brasileiras, o Radar China, e sou colaboradora da Xinhua e da XinhuaNet. A primeira é a agência oficial de notícias da China e a segunda, o braço online da agência. A fim de sistematizar as observações jornalísticas ante o vigor da economia chinesa, faço mestrado em Economia. E aqui no Portal Vermelho, pretendo ampliar esta discussão, nesta coluna que é motivo de orgulho e, espero, de muitas trocas com os leitores.

Nas últimas semanas, o imbróglio que muitos já chamam de guerra comercial entre Estados Unidos e China domina as manchetes. No Brasil, aparecem análises sobre o impacto disso para o país – e não só porque a decisão norte-americana sobre as taxas tem efeito para o Brasil. O estopim foi o anúncio, em 8 de março, de que os Estados Unidos passariam a impor tarifas de 25% sobre a importação do aço e de 10% sobre a do alumínio (na Cúpula das Américas, que ocorre neste final de semana no Peru, o tema será debatido bilateralmente entre Brasil e EUA).

A partir daí, a queda de braço envolvendo EUA e China evoluíram para o anúncio de taxas em outros setores (a soja norte-americana é um exemplo), mas principalmente para o campo da propriedade intelectual. O governo de Trump sustenta que a China viole regras neste sentido. Beijing nega.

É fundamental neste ponto olhar para a estratégia Made in China 2025, anunciada por Beijing em 2015 e que só agora vem chamando a atenção mundial: trata-se de uma política de incentivo às indústrias chinesas para conquistar excelência em 10 setores de manufatura avançada, apostando (e investindo) em produção nacional. Os eleitos são tecnologia de informação e inteligência artificial, robótica, aeroespaço e equipamentos, tecnologia naval e equipamentos, trens de alta velocidade, veículos e equipamentos movidos a novas energias, geração de energia, biofármacos e produtos médicos e implementos agrícolas. Neste guarda-chuva de manufatura tecnológica está uma política de conteúdo nacional – e de campeões nacionais – que não agrada a muitos. O temor é de que os produtos chineses possam por meio de incentivos governamentais entrar com força em setores intensivos em tecnologia, o que hoje não é a tônica, e que, para alcançar tal objetivo, a China esteja forçando justamente a transferência de tecnologia por parte de parceiros estrangeiros.

Nesta semana, no Fórum de Boao, um mecanismo inaugurado pela China em 2001 e que reúne anualmente as principais economias asiáticas – além do setor privado -, mas não restrito apenas a convidados da região, o presidente Xi Jinping afirmou que fortalecerá a proteção dos direitos de propriedade intelectual. Não citou as disputas com os EUA, mas era claramente uma resposta às ações norte-americanas, afirmando que a China encoraja intercâmbio tecnológico e cooperação entre empresas locais e do exterior sem impor transferência de tecnologia.

Na mesma ocasião, Xi anunciou que serão reduzidas as tarifas sobre a importação de veículos – e isso beneficiaria empresas norte-americanas como a Tesla – além de para outros produtos. Fato é que antes mesmo de a China qualificar sua manufatura e poder provocar novos arranjos no comércio internacional, o déficit dos EUA ante a China já é preocupação central para Trump, anunciada ainda durante a campanha eleitoral. O presidente norte-americano afirma que se tratam de US$ 500 bilhões, embora a China sustente que esteja na casa dos US$ 275 bilhões.

Enquanto a disputa parece estar longe de ser resolvida, o Brasil busca entender como pode eventualmente se beneficiar. Os resultados positivos estão, em geral, no campo das exportações de commodities – o que nem de perto significaria um incremento na pauta de exportações brasileiras à China, demanda já antiga de governos e empresários brasileiros, mas que parece esbarrar na competitividade dos produtos de maior valor agregado ou intensivos em tecnologia no Brasil. Se tecnologia e inovação parecem estar no centro da disputa e justamente as deficiências brasileiras no setor nos impedem de avançarmos em outros campos, parece que o recado final desta disputa iniciada entre Washington e Beijing é a centralidade deste terreno para as economias que pretendem se firmar como protagonistas globais.

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