Os entulhos e a “burguesia associada”

A “deixa” para escrever este texto veio a partir de declarações feitas na última sexta-feira em Betim (MG) pelo presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, para qual existe “a necessidade de se remover os en

Do fascismo de Vargas à “burguesia associada”

A opção em fazer ciência não é nada fácil. Mas pode ser. Entre essas facilidades (financiadas) encontra a “genial” elaboração de Fernando Henrique Cardoso datada acerca do caráter “associado” das burguesias latino-americanas e consequentemente brasileira. Superficial na medida em que não existia burguesia digna deste nome (com capital acumulado a ponto de assumir o poder) em canto nenhum da América Latina. Superficial também por outros motivos.

As conseqüências da assimilação desta brutalidade teórica são graves, entre elas podemos citar a derrota de 1989, a entrega do patriota Itamar Franco ao colo do PSDB em 1993 e a incapacidade do campo hegemônico da esquerda em gestar um projeto alternativo ao neoliberalismo. Para muitos a história do Brasil começou com as greves de 1979 e tudo que veio antes disso foi “populismo” ou “entulho autoritário”. Para que projeto se a qualquer momento o “Messias” poderá surgir entre nós e salvar nossa pátria de mais de 500 anos de incompetência e insensibilidade social e que criou uma burguesia que sempre “mamou” nas tetas do Estado?

A acusação de fascista a Vargas também é um conveniente fácil, pois de cima para baixo ele atrelou os sindicatos ao Estado, criando uma Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) semelhante às vistas na Itália de Mussolini. Este tipo de assertiva rendeu muito dinheiro de fora para financiar pesquisa de muita gente. Mas, esquece-se que a CLT brasileira foi um grande avanço na medida em que criava as condições para a formação de um mercado interno, além de que, nesta área jurídica nada antes havia sido criado, enquanto na Itália foi um grande retrocesso na medida em que os trabalhadores já tinham direitos assegurados e militavam em sindicatos fortes e independentes. Não é a toa que enquanto para Mao Tse tung Vargas “havia sido morto pelo imperialismo”, para a nossa intelectualidade revolucionária do eixo Rio-SP, Vargas foi um fascista autoritário. Daí a acreditarmos em uma “burguesia associada” é um pulo.

Ao mesmo passo que se acha “revolucionário” incriminar e exorcizar Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda (esquecem que o “homem cordial” era para o bem para o mal) nossos historiadores “marxistas” dependentistas e estagnacionistas apelam à Stálin e uma passagem conhecida dele na qual afirmava pouco antes de sua morte, que as burguesias nacionais da periferia tinham renunciado à sua missão. Falam isso com a maior facilidade para platéias de analfabetos, fazendo de conta que a Petrobrás não existia, nem o Banco de Avio no México, ou o Corfo no Chile e o BNDE no Brasil, além da PDVSA e a PEMEX no México. Isso sem falar que no final da década de 1950 todos os mecanismos de financiamento estatal no Brasil estavam prontos e que, aliás, foram desmantelados durante o governo do teórico da “burguesia associada” cuja missão era “enterrar a era Vargas” e em conseqüência a “burguesia associada” que dela surgiu. Os agraristas da década de 1920 passaram à dianteira do processo. Os opostos se atraem

Os “revolucionários” do eixo Rio-SP fazem de conta que não tem nada a ver com essa história. Para que projeto. É mais tranqüilo deixarmos de disputar o voto de Antonio Ermírio de Moraes para que possamos em seguida com uma política econômica imposta de fora destruirmos seu império produtivo e financeiro. O desemprego em massa e o conseqüente isolamento político da classe trabalhadora não têm nenhuma ligação com nossa fronteira de aliados políticos delimitada por “gênios” da estratégia política.

A “burguesia associada” rural

Na mesma trilha de raciocínio dos “teóricos” da dependência, vem a idéia amplamente difundida pela esquerda brasileira da necessidade de se anular politicamente os empresários rurais “associados”. Do ponto de vista político isto é uma aberração sem limites, pois se trata de arrumarmos mais um inimigo (além da burguesia industrial) esquecendo-nos que o imperialismo é o principal inimigo. Mas como somos donos da verdade e a história há de nos dar razão, podemos agir da forma que der em nossa telha, numa arrogância que justifica o hegemonismo nas alianças políticas.

Por outro lado, mais à esquerda, existem aqueles que justificam tal procedimento com a necessidade de se levantar a bandeira da reforma agrária, como forma de se quebrar o poder do latifúndio no campo. É a velha bandeira dos proto-marxistas de 1935. O problema é que como o estudo de nosso processo de acumulação não é bem vista pelos porta-vozes da verborragia revolucionária nos partidos políticos e na universidade, não é perceptível para tais o fato de que o poder no Brasil não mais se assenta sob o monopólio da terra como o fora até meados da década de 70, e sim no monopólio dos meios de produção.

Desta forma o que derrubou o poder do latifúndio não foi nenhuma guerrilha rural e sim logo o espraiamento do capitalismo no campo justamente pelo surgimento do mercado de terras que “jogou para baixo” o preço da terra, inviabilizando o poder do latifúndio e abrindo espaço para o surgimento de uma burguesia rural, cuja existência do latifúndio improdutivo é um mal, pois se transforma em fator de perda de mercado no exterior.

Outra opção de cunho mais estratégico seria pensarmos na superação da grande propriedade capitalista, pela fazenda estatal ou coletiva. Mas isto não importa muito, pois para esses “revolucionários” é mais importante socializar não as máquinas e sim o a enxada, a tração animal, etc. É mais importante e politicamente correto incentivar a “agricultura familiar” como alternativa, esquecendo-se (num marxismo de oitava categoria) que a produção familiar, nada tem de familiar, pois esta forma de produção está altamente inserida na divisão social do trabalho e que, portanto rege-se pelo ritmo ditado pela grande produção e não pela vontade de nossos intelectuais “revolucionários” e diletantes.

Interessante é que essa discurseira “revolucionária” e “anti-economicista” (leia-se fuga do debate econômico) é financiada na universidade brasileira pela Fundação Ford que sob seu manto financeiro aparelhou laboratórios de Geografia Agrária pelo Brasil, com o intuito estratégico claro de destruir o quase imbatível agrobusiness brasileiro. Pela segunda vez repito: os opostos se atraem.

A abordagem da pequena produção familiar e das “virtudes do modo de vida camponês” nada tem de marxista pela total falta de visão de conjunto da economia ou falta de exercitar a tal da “anatomia do macaco” facilmente compreendida a partir da anatomia do homem. Ora, para compreender o futuro do campo deve-se olhar para as cidades, logo o futuro do campo é a indústria.

Quem está lendo pode analisar: será que se o Brasil voltar a crescer nos próximos anos a índices de 7 a 8% ao ano, alguém em alguns anos vai propor essas aberrações de política agrária, tendo em vista a criação de novos campos de investimento e milhões de empregos? O problema é nossa estrutura fundiária ou a falta de crescimento? A bandeira do crescimento econômico é “economicista” ou não se trata de uma verdadeira “questão nacional” neste início de século? Você (leitor) prefere socializar a enxada ou o grande maquinário agrícola?

Como elaborar políticas indutoras de desenvolvimento não passa pela cabeça de nossos teóricos e políticos dependentistas e estagnacionistas, fica difícil ir á raiz do problema e perceber que nosso agronegócio está sendo inviabilizado tanto por suas “geniais” elaborações teóricas, quanto pela ação dos oligopólios estrangeiros (Monsanto, Cargill, Bunge) que desde o início da década de 1990 passaram a, além de dominar nosso mercado de insumos, a também a financiar as pesquisas estatais no campo agrícola. A EMBRAPA, orgulho de todos os brasileiros, teve suas linhas de financiamento científico cortados, logo tais multinacionais institucionalizaram esta reserva de mercado. O agronegócio sangra também pela política econômica imposta de fora: o atual câmbio e taxas de juros são responsáveis pelo fato de o que se arrecada com exportações (soja, p. ex.) não paga nem metade dos custos de operação.

Quem está associado: a nossa burguesia rural ou àqueles que concentram em suas mãos  os instrumentos cruciais do processo de acumulação capitalista (crédito, câmbio, finanças).

Mais e incrivelmente: deputados do PFL como Ronaldo Caiado e Kátia Abreu, hoje estão na linha da frente na Câmara dos Deputados contra a ação de tais oligopólios. Kátia Abreu inclusive elaborou matéria sugerindo pesquisas que visam criar “genéricos” em insumos agrícolas, o que seria o fim da ação destas empresas estrangeiras no Brasil. Ao chamado “núcleo de esquerda” da aliança que vai reeleger Lula, caberia pedir uma ação política e executiva no sentido de transformar esta proposição em ação concreta. Antes que o Brasil tenha suas linhas de abastecimento nas mãos do imperialismo, como verificado no Chile durante o golpe contra Salvador Allende, conforme nos lembrou Marlon Medeiros e Carlos Espíndola em belíssimo artigo escrito recentemente à nossa Revista Princípios.

Mas como para nossos teóricos dependentistas e estagnacionistas a política não é síntese de convergências, fica mais fácil e politicamente correto jogar Ronaldo Caiado e outros no colo do inimigo, afinal trata-se de um “burguês rural associado”, sem perceber que seu consevadorismo tem mais a ver com a confusão entre os interesses do latifúndio e do agronegócio. Mas também com a capacidade que a esquerda hegemônica de achar inimigos em todo o canto. Nem capacidade de minar a ação do inimigo é mostrada.

As “relações perniciosas” entre Estado e empresariado e o Consenso de Washington

É chegado o momento neste curto espaço de se polemizar acerca das origens de nossa “burguesia associada”. Para os “revolucionários” e teóricos do dependentismo e em conseqüência, do estagnacionismo pós-1964, a nossa “burguesia associada” é fruto de um enriquecimento privado a partir do financiamento do Estado, como se o financiamento do Estado não fizesse parte do processo de acumulação em todas as vias tardias de industrialização (via prussiana) entre eles o Brasil, a Alemanha e o Japão. Trata-se uma crítica muito bem lembrada pelo meu amigo e professor do CFH-UFSC Marcos Aurélio da Silva assinalando que tal crítica, está em fina sintonia com o pensamento conservador norte-americano, mais precisamente aquele que tem informado as atuais reestruturações neoliberais no Terceiro Mundo (O processo de industrialização no Sul do Brasil. Cadernos Geográficos n° 15, maio de 2006.
Departamento de Geociências do CFH-UFSC). Logo, as reformas de mercado para acabar com esta “farra” eram urgentes e ninguém mais do que o teórico da teoria da dependência teria moral e força política interna e externa para tal. Pela terceira vez repito: os opostos se atraem.

De fato a raiz deste absurdo de análise está na forma como a intelectualidade “revolucionária”, dependentista e estagnacionista encara o processo de formação social no Brasil, pois não partem do estudo de nosso processo de acumulação, muito menos da análise de ciclos econômicos. Digo ciclos econômicos para caracterizar alguns movimentos, entre eles o do surgimento de ciclos endógenos de substituição de importações, primeiramente no seio da fazenda de escravos e não somente a partir de 1933 (na década de 30 inicia-se os ciclos decenais, ou seja, o processo solidificado) como atesta a literatura estruturalista e furtadiana, hegemônica na esquerda brasileira.

O outro movimento refere-se, conectado à esta dinâmica exposta acima, do surgimento de uma pequena produção mercantil encampada por colonos estrangeiros, que com uma mentalidade capitalista típica das “democracia rurais” européias foi o fator central do processo de surgimento de uma burguesia nacional no Brasil.

Estes argumentos esbarram em dois modismos frequentes. O primeirorelacionado com a idéia de não-feudalismo no Brasil, logo a idéia de pequena produção mercantil (comum nas análises de Marx, Lênin e Maurice Dobb) seria um petardo teórico nas análises contrárias ao feudalismo (o que colocaria em situação embaraçosa muitos “revolucionários” da academia), pois Marx em Formações econômicas pré-capitalistas deixa muito claro a relação entre feudalismo ocidental, pequena produção mercantil e posterior dinamismo capitalista.

Ora, se tal relação desemboca em formações industrais dinâmicas como o Norte da Itália e o Nordeste dos EUA, tais são facilmente perceptíveis em estados como Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, onde imigrantes europeus no melhor estilo self made man construiram verdadeiras potências nada associadas como a Gerdau, a WEG, a Hering, entre outras empresas altamente dinâmicas até hoje pela escala de produção que adquiriram (inclusive com filiais nos EUA e na China). Não existe nada de associação ao imperialismo. Muito pelo contrário, existe concorrência pesada entre nossas empresas com as do centro dinâmico do sistema, sendo que os verdadeiros associados.

Por outro lado não existe correspondência com a realidade idéias que relacionem transferências de recursos do setor cafeeiro para a industrialização, é só repararmos quantos barões do café se transformaram em industriais. Não chega a dez. Desta forma, fica aqui o debate em torno desta idéia que se transformou em senso comum (transferência de recursos do café), pois a mesma além de insuficiente teóricamente, não leva em consideração uma visão de conjunto da economia nacional, logo generalizando diferentes formações sociais dentro do país. Nada marxista, porém “abraçada” por muitos “marxistas”.

Neoliberalismo, a “associação” e o entulho da teoria da dependência

Barros de Castro oportunamente lembrou (1996) que. (…) desde que as elites locais sejam incriminadas, o receituário liberal adquire mesmo uma conotação progressista. Inclusive entre aqueles tradicionalmente imbuídos de uma postura crítica frente ao mercado, e genéricamente resistentes à cultura capitalista. Desta conversa, amplamente difundida pela intelectualidade dita de esquerda acerca da existência de uma “burguesia associada” nascem assertivas escalabrosas do tipo “BNDES não pode ser hospital de empresas”, abrindo o campo para os agentes externos comprarem nossas empresas como está ocorrendo agora com a Varig e tem ocorrido amplamente no Brasil, até hoje e sem grandes reações, inclusive com aplausos à mortal metáfora entre finanças do Estado e da família. Pela quarta vez repito: os opostos se atraem.

Um país periférico de larga industrialização como a nossa não pode prescindir do monopólio dos instrumentos cruciais da acumulação capitalista. Assucessivas depreciações cambiais no período Vargas, as correções monetárias do peíodo militar e a emissão monetária como forma de se gerir crescimento são prova disto. A nossa nação foi capaz de criar empresas de ponta em vários setores de atividade, que inclusive assustou a concorrência externa com nosso dinamismo.

Não é de se estranhar que as idéias de “burguesia associada” encontra ecos nos relatórios que o Banco Mundial produz sobre a Ásia (os famosos World Bank Report) trás as mesmas assertivas que nossos “revolucionários”, depedentistas e estagnacionistas repetem na América e no Brasil com a finalidade de justificar privatizações e desnacionalizações. A forma como o FMI agiu durante a crise financeira asiática de 1997 é exemplar. Exemplar também é a idéia de que nossos “revolucionários”, depedentistas e estagnacionistas fazem da idéia da utilização de poupança interna como indutora de crescimento econômico. Repetem a velha ladainha do “não”, pois a poupança potencial em poder de nossa “burguesia associada” transforma-se em gastos fúteis. Como se capital constante nas palavras do velho Marx não fosse poupança potencial, logo esta taxa de câmbio contra a “burguesia associada” não aumenta a ociosidade de nosso parque produtivo, mas antes serve para derrubar o poder desta classe nefasta.

O Consenso de Washington impõe-se – desta forma – sob o apanágio desta “esquerda” intelectual: paulista, medíocre e antinacional.

Caso se queira remover – conforme sugeriu o presidente Aldo – os estulhos ideológicos e políticos que emperram o curso de nossa nacionalidade, a nossa esquerda deve antes de mais nada remover este entulho chamada de teoria da dependência. Isso se quiser fazer parte desta empreitada que apaixonará gerações de patriótas.

Caso contrário, nosso destino colonial continuará na ordem natural das coisas.

                                                                                         

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