País católico, com a bênção da lei

Desde que aqui chegaram e que daqui tomaram posse, os portugueses impuseram, junto com seu domínio, a fé católica. A cruz, a espada e as escolas se fizeram acompanhar também de leis.

Quando D.Tomé de Souza aportou no Continente, nomeado o primeiro governador-geral do Brasil, trouxe consigo o Regimento de Almerim, de 17 de dezembro de 1548, considerado a “Primeira Constituição do Brasil”. Esse regimento dizia que a razão principal do povoamento da nova terra era “a conversão do gentil à fé católica” e determinava as doações de terras “livremente, sem foro algum”, mas com pagamento de “dízimo à Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo”.

Mas oficialmente a  primeira Constituição do Brasil foi outorgada por Dom Pedro I em 25 de março de 1824 e escrita “Em nome da Santíssima Trindade”. Seu Título 1º trata do “Império do Brazil, seu Território, Governo, Dinastia e Religião”. Reza o Art. 5.: “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do templo”. O Art. 6 considera cidadãos brasileiros, no item V, “estrangeiros naturalizados, qualquer que seja a sua Religião”. O Art. 92 exclui de votar nas Assembléias Paroquiais os “religiosos, e quaisquer, que vivam em comunidade claustral” (item IV). O Art. 95 impede que sejam deputados os “que não professarem a religião do Estado” (item III).

O Art. 103 é enfático: “0 Imperador antes do ser aclamado prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Câmaras, o seguinte Juramento – Juro manter a Religião Católica Apostólica Romana, a integridade, e indivisibilidade do Império…”. O Art. 106 determina que o herdeiro do imperador, aos 14 anos de idade, “prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Câmaras, o seguinte Juramento – Juro manter a Religião Católica Apostólica Romana, observar a Constituição Política da Nação Brasileira, e ser obediente às Leis, e ao Imperador”. O Art. 14I determina que também os Conselheiros de Estado, “antes de tomarem posse, prestarão juramento nas mãos do Imperador de – manter a Religião Católica Apostólica Romana; observar a Constituição, e as Leis…”.

O item V do Art. 179 é uma pérola: “Ninguém pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do Estado, e não ofenda a moral pública” – ou seja, ninguém será perseguido por motivo de religião, desde que respeite a Católica Apostólica Romana (“a do Estado”) … Essas normas vigeram por 65 anos.

A segunda Constituição, de 24 de fevereiro de 1891, foi escrita após a Proclamação da República, por um Congresso Constituinte inspirado no modelo estadunidense (inclusive o país passou a se chamar Estados Unidos do Brasil). Era um momento político de forte influência do positivismo no país. O positivismo propunha à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia ou a metafísica. O Estado passou a ser laico e o Art. 11 veda aos Estados e à União, no seu § 2 º, “estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos”. O Art. 70, § 1º, item 4, proíbe o alistamento eleitoral para eleições federais e estaduais aos “religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que importe a renúncia da liberdade Individual” e os considera inelegíveis, no § 2º. O Art. 72, § 3º, reconhece: ”Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum”; o parágrafo seguinte diz que a “República só reconhece o casamento civil”; o § 5º informa que os “cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral pública e as leis”; o § 6º determina: “Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos”, e o § 7º afirma: “Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados”; o § 28 explicita: “Por motivo de crença ou de função religiosa, nenhum cidadão brasileiro poderá ser privado de seus direitos civis e políticos nem eximir-se do cumprimento de qualquer dever cívico” e o parágrafo seguinte acrescenta: “Os que alegarem motivo de crença religiosa com o fim de se isentarem de qualquer ônus que as leis da República imponham aos cidadãos, e os que aceitarem condecoração ou títulos nobiliárquicos estrangeiros perderão todos os direitos políticos”.

Mas Deus voltou à Carta legal menos de 50 anos depois, como veremos.

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