Pela reindustrialização nacional

Para se transformar num país desenvolvido, o Brasil precisará (re)posicionar a Indústria como carro-chefe da economia nacional. Afinal, sem indústria, fábrica e manufatura nenhum Estado é rico e independente.

A razão básica para essa busca de reindustrializar o Brasil deriva do fato de que há uma correlação empírica entre prosperidade de uma nação e tamanho da Indústria no Produto Interno Bruto. Essa correlação se elevará na medida em que esta Indústria for de alta intensidade tecnológica.

A questão chave é empreender movimento de reindustrialização de novo tipo, qualitativamente superior ao processo realizado pelos brasileiros no século 20, tendo em vista, por um lado, a base produtiva relativamente complexa que já acumulamos, e por outro lado, pela continua revolução industrial e correspondente progresso tecno-científico que novas facetas apresenta neste início de século 21.

Assim, devemos buscar um novo ciclo de industrialização baseado em setores intensivos em conhecimento e inovação; mesmo apostar em áreas de fronteira de “ruptura tecnológica”. No geral, buscar segmentos de alta complexidade tecnológica, fomentando um “núcleo tecnológico” da Indústria brasileira. Esta deve ser a base da atualização do “modelo brasileiro de desenvolvimento” (1).

O quadro atual é dramático: a participação da manufatura deverá fechar 2015 com uma participação abaixo de um digito como proporção do PIB neste 2015 (9%), ante 10,9% em 2014 e 18% em 2004 (FSP, 13/09/2015). Na verdade, a curva da participação da Indústria como proporção do PIB declina desde 1985, quando atingiu seu ápice, cerca de 25%.

O tamanho da Indústria segue sendo fator determinante de riqueza e prosperidade nacional. Não por acaso, os países mais desenvolvidos, buscam recompor a indústria como forma de seguirem ricos e prósperos. Os Estados Unidos tem perseguido, desde 2013, um plano para a revitalização da manufatura, pilotado por um escritório de política industrial vinculado diretamente a Casa Branca, num esforço que inclui a busca por trazer de volta ao país empresas posicionadas no exterior, tendo como um dos atrativos o barateamento da energia derivado da exploração do xisto. Já a UE anuncia uma política industrial com metas claras para 2020, almejando ter uma participação da indústria no PIB na casa dos 20% através do aumento da taxa de investimento para 23% (FBCF/PIB).

A industrialização como mola do progresso econômico e social é fato histórico e contemporâneo. Historicamente, como não lembrar do papel da Indústria na emancipação nacional da Alemanha de Bismarck, dos Estados Unidos de Alexander Hamilton, do Japão da Revolução Meiji ou, mais recentemente, da China de Deng Xiaoping, esta às vésperas de alcançar o posto de primeira economia mundial apoiando-se na indústria?

No nosso caso, como não observar a transformação de um país agrário-exportador para uma das grandes economias industriais do mundo a partir dos “50 anos” de nacional-desenvolvimentismo deflagrados com a revolução de 1930? Sim, o Brasil durante boa parte do século 20, cresceu a “taxas chinesas”, revolucionando sua base material, e permitindo se situar entre as grandes economias do mundo.

No caso brasileiro, esta luta pela industrialização é histórica e vem dos princípios de nossa construção nacional. Rigorosamente, podemos situá-la antes da própria independência, nas ações visionarias do Marques de Pombal em favor do dinamismo econômico dos domínios ultramarinos.

Efetivamente, a primeira tentativa para se promover a industrialização no Brasil datam do início do século 19, a partir do inédito fato na historiografia mundial, da transferência da corte portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808.

Sendo sede do império português, um grande personagem, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o Conde de Linhares, conselheiro do príncipe regente, argumentou nesse sentido tendo em vista que em sua opinião Portugal não mais constituía o centro da monarquia português, ao passo que no Brasil se constituía “a possibilidade de criar um poderoso império”. Assim, num alvará de 28 de abril de 1809, o príncipe regente D. João propõe inaugurar a era industrial no Brasil, concedendo a isenção de direitos aduaneiros às matérias-primas necessárias às fabricas nacionais, isenção de imposto de exportação para os produtos manufaturados do país e utilização de produtos nacionais para o fardamento das tropas reais.

Além disso, este alvará de Dom João concedia privilégios exclusivos, por 14 anos, aos inventores ou introdutores de novas máquinas, no que foi a primeira política industrial baseada em inovação concebida no Brasil. Adicionalmente, o mesmo alvará determinava a distribuição anual de 60 mil cruzados, produto de uma loteria do Estado, “às manufaturas que necessitassem de auxílio, particularmente as de lã, algodão, seda, ferro e aço” (Vilela Luz, p.21).

O desafio atual

Nos últimos doze anos, o país observou a apresentação de três versões de política industrial: a PITCE (Política Industrial e de Comércio Exterior), de 2004, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), de 2008, e o Plano Brasil Maior, de 2011. Estas tiveram grande mérito, impedindo um retrocesso mais precoce e agudo, sobretudo tendo em vista o apagão neoliberal dos anos ’90 e início do 2000, na qual inclusive se teorizava sobre a inconveniência da Indústria como vetor central da riqueza nacional – a exemplo do que faziam os fazendeiros na República Velha, antes de movimento industrialista iniciado com a revolução de 1930.

Mas as tentativas de política industrial dos últimos três períodos de governo colidiram frontalmente com a macroeconomia. O fato é que a regressão industrial nos últimos 20 anos está diretamente ligada ao pacto nacional vigente desde 1994: a partir do Plano Real – vai-se duas décadas –, define-se que o centro da política econômica é a manutenção da estabilidade de preços, mesmo que a custa do crescimento e da Indústria. A combinação de cambio sobrevalorizado e as taxas de juros “mais altas do mundo” conferiram nas últimas duas décadas, uma política econômica anti-Indústria, neutralizando – essencialmente –, as positivas iniciativas de política industrial. Incrivelmente, somos um país que tem meta de inflação e meta de superávit, mas não meta de crescimento ou de capacidade industrial. A presidente Dilma buscou enfrentar estas questões: no primeiro mandato, derrubou as taxas de juros a patamares civilizados (atingindo 7,25% a.a., com juros reais de cerca de 2% em outubro de 2012). Nesse caso, entretanto, a reação de setores vinculados ao rentismo e ao capital financeiro internacional foi tão forte que forçou sua reversão.

Atualmente, a desvalorização cambial permite certo fôlego a Indústria, já registrando certo movimento de substituição de importações. Mas para ir fundo, será necessário um movimento mais ousado de reindustrialização.

Recente estudo aponta que a reindustrialização decorrente de um crescimento continuo na casa de 5,3% durante 15 anos, permitiria ao Brasil tornar-se um país desenvolvido, tomando por base a evolução de sua renda per capita, até 2030 (FIESP, 2013). Trata-se de um nível de crescimento econômico absolutamente razoável tendo em vista o que foi a maior parte do século 20 e sobretudo tendo em vista as excepcionais potencialidades brasileiras todavia não decantadas.

Assim um novo ciclo de industrialização nacional urge iniciar-se, baseado em setores intensivos em conhecimento e inovação, apostando em áreas de fronteira, tais como a (dual) indústria de Defesa, biotecnologia e nanotecnologia, novos materiais e manufatura aditiva, fármacos e energia limpa, inclusive a nuclear.

Este é o grande desafio posto: por em pé uma nova política industrial ancorada em inovação, buscando assim, reindustrializar o Brasil engatando o país em movimento similar ao que se observa nas economias mais avançadas (2).

Nota

(1) http://renatorabelo.blog.br/2015/09/01/a-atualizacao-do-modelo-brasileiro-de-desenvolvimento/

(2) Nos Estados Unidos, esse movimento toma o nome de “manufatura avançada”; na China, “manufatura inteligente”; na Alemanha, “Indústria 4.0”.

Referências

Carmona, Ronaldo. “Notas sobre Estratégia de Defesa e Estratégia de Industrialização”. Texto apresentado em seminário na Câmara dos Deputados, 06 de maio de 2014.

FIESP. “Por que reindustrializar o Brasil?” (agosto de 2013).

Vilela Luz, Nícia. A luta pela Industrialização no Brasil: 1808 a 1930. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1975.

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