Perdemos e ganhamos Mario Benedetti

José Saramago tem razão: “Temos perdido e temos ganhado, porque aí estão seus livros que, afortunadamente, sobrevivem”. Escritores como Mario Benedetti se eternizam em suas obras.

Mas de todas as maneiras, não há como fugir da tristeza gerada por sua morte, ocorrida no último domingo (17/05). Os uruguaios e todos os que aprendemos a fazer a “defesa da alegria” na luta cotidiana por afirmar que “o sul existe” e que cada vez mais vai se pavimentando um novo caminho, diferente daquele que vigorou por quase toda a sua longa vida de 88 anos, rendemos homenagens a este “mito discretíssimo das letras” latinoamericana. Ao lado de Idea Vilariño – que morreu mês passado também aos 88 anos de idade –, Juan Carlos Onetti, entre outros, fizeram parte da Geração de 45, importante movimento da literatura uruguaia. Particularmente, sempre tive como referência da literatura uruguaia a Galeano e Benedetti.


 


 


Neste momento procuro uma reportagem antiga da Revista Veja, que nunca foi apagada de minha memória como referência à hipocrisia que rege a vida política das elites a qual Benedetti tantas vezes denunciou.  A matéria era sobre o sequestro de Washington Olivetto e lá pelas tantas diziam que os terroristas envolvidos eram fãs de Che Guevara e leitores de Mario Benedetti. Serviu como uma propaganda para que eu procurasse, desde então, aprofundar a leitura de suas obras, por sinal uma das mais profícuas e variadas do último século.


 


 


Em dezembro de 2007, um mês após o Congresso da Oclae, recebeu das mãos de Hugo Chávez, na Universidade da República do Uruguai tomada pelos estudantes, a Ordem Francisco de Miranda, a mais alta condecoração que outorga o governo venezuelano pela contribuição à ciência, educação e progresso dos povos. Talvez tenha sido esta sua última aparição pública.


 


 


Vasculhando sua biografia descobrimos mais sobre sua agitada vida. Durante a ditadura uruguaia se exilou na Argentina, Cuba e Espanha. Foi poeta, dramaturgo, ensaísta e narrador. Possuía uma extensa obra com mais de oitenta títulos. A maioria de suas obras tem como protagonista a classe média de Montevidéu. Em entrevista concedida pela passagem dos seus oitenta anos ao jornal argentino El Clárin, assumiu ser essa sua limitação. “Me sinto muito inseguro se saio do montivedeano de classe média. Esse é o território que conheço…. Muitas vezes, inclusive, me reprovam que não trato da classe operária. Mas as vezes que tentei me pareceram falsos. Meus trabalhadores nunca falam como trabalhadores, então não insisti mais. É uma limitação e me atenho a ela” (1).


 


 


 Ícone da esquerda latinoamericana sua obra é reconhecida em todo o mundo e distinguida pelos povos. O prêmio Iberoamericano José Martí, entre tantos outros, é uma singela distinção do caráter progressista de sua obra. 


 


 


Entre tantos poemas, seleciono este, escrito por ocasião da morte do ex-presidente estadunidense Ronald Reagan, em que o poeta manifesta seu ódio de classe ao tirano que qualifica como um canalha, e que bem serviria a tantos outros, como Pinochet, Fujimori, Fulgêncio Batista…


 


Segue no original, em espanhol.


 



Obituario con Hurras, de Mario Benedetti.


 



Vamos a festejarlo
vengan todos
los inocentes
los damnificados
los que gritan de noche
los que sueñan de dia
los que sufren el cuerpo
los que alojan fantasmas
los que pisan descalzos
los que blasfeman y arden
los pobres congelados
los que quieren a alguien
los que nunca se olvidan
vamos a festejarlo
vengan todos
el crápula se ha muerto
se acabó el alma negra
el ládron
el cochino
se acabó para siempre
hurra
que vengan todos
vamos a festejarlo
a no decir
la muerte
siempre lo borra todo
todo lo purifica
cualquier día
la muerte
no borra nada
quedan
siempre las cicatrices
hurra
murió el cretino
vamos a festejarlo
a no llorar de vicio
que lloren sus iguales
y se traguen sus lágrimas
se acabó el monstruo prócer
se acabó para siempre
vamos a festejarlo
a no ponermos tibios
a no creer que éste
es un muerto cualquiera
vamos a festejarlo
a no volvernos flojos
a no olvidar que éste
es un muerto de mierda


 


 


¹ http://www.clarin.com/diario/especiales/benedetti/nota1.htm.


 

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