Perspectivas do Islã Fundamentalista

Para surpresa de muitos, a semana trouxe uma notícia que poucos esperavam, especialmente os tais analistas internacionais americanos: o parlamento inglês decidiu abrir conversações com os grupos fundamentalistas islâmicos, especialmente o Hamas Palestino,

Uma decisão que surpreendeu


 


É bem verdade que a decisão não é do pleno do parlamento britânico, chamada por lá de Câmara dos Comuns, uma espécie de Câmara dos Deputados. Foi apenas uma comissão que emitiu um relatório. No entanto, é uma das comissões mais poderosas. Trata-se do Comitê de Assuntos Exteriores (Foreing Affairs Comite na sigla em inglês).


 


O governo inglês, agora sob o comando do também trabalhista moderado Gordon Brown, que foi ministro das Finanças de Toni Blair, não tem obrigação de acatar as sugestões. Mas elas foram contundentes. Faço aqui para nossos leitores, um breve resumo de seu conteúdo:


 


• A estratégia americana no Oriente Médio fracassará – aqui é comentado o caso da Palestina. O plano americano, chamado de “Mapa do Caminho” (no original em inglês é map of road). Tende inclusive a cair no esquecimento, no completo fracasso, na ignorância, na medida em que ninguém o acatou e não é implementado por completa falta de vontade política das partes envolvidas, especialmente os Estados Unidos que deixam Israel correr solto, fazer o que quiser e especialmente agredir diuturnamente os palestinos;


 


• Os Estados Unidos vão fracassar também no Iraque – há uma contundente crítica ao plano americano de ampliar as tropas americanas nesse país, sem marcar a data de sua retirada. Afirma que isso tende ao fracasso e ampliará ainda mais o desgaste dos Estados Unidos;


 


• Propõe um diálogo com os grupos fundamentalistas islâmicos – aqui o relatório vai completamente na contramão dos Estados Unidos, da União Européia e de Israel. Propõe o início de um diálogo com o Hamas na Palestina, com o Hezbolláh no Líbano e com a Irmandade Muçulmana, criada em 1954, que atua no Cairo e interior do Egito. Não há elogio a esses grupos, mas fala que estes são reconhecidos e que isolá-los talvez seja o pior dos caminhos;


 


• Aponta o erro e o fracasso da política de boicote e isolamento aos grupos chamados radicais e fundamentalistas, afirmando que isso apenas os fortaleceu. Chega a fazer crítica explícita ao Reino Unido que se somou a esse boicote. Pede início imediato da reabertura do diálogo;


 


• Indica inclusive aspectos positivos nos sinais que a Síria e o Irã têm emitido de forma pública a respeito da disposição ao diálogo. Nesse sentido, recomenda à chancelaria britânica que inicie conversações inclusive com esses países;


 


 


Até o próximo mês de outubro, o primeiro Ministro Britânico deve anunciar uma nova política para o Oriente Médio. A Inglaterra mantém um contingente de cerca de oito mil soldados no sul do Iraque e pode anunciar a retirada de grande parte deles, enfraquecendo ainda mais a disposição de Bush de ficar por tempo indeterminado nesse país.


 


A origem do fundamentalismo


 


 


A religião islâmica tem mais de 1.400 anos de existência. Ela se proclama continuadora das religiões anteriores, que são o judaísmo e o cristianismo. Ela se considera a última religião revelada por Deus para a humanidade. Fala em seu livro sagrado, o Corão, em 25 profetas, desde Noé, Abraão, Moisés, Jesus e o último deles, o que fecha o ciclo de revelações, é Maomé, Mohammad.


 


 


Assim como todas as religiões na terra, o Islã tem suas variações, suas correntes internas, suas linhas diferenciadas de aplicação e interpretação das escrituras. A primeira divisão no Islã foi com relação à Sunna (tradições e costumes relacionados com os hábitos e práticas do profeta Maomé) e o Xiat Ali (Partidários de Ali). Essa foi a primeira divisão no Islã. Os seguidores de Ali Bin Abou Talib, genro de Maomé, casado com sua filha Fátima, seria o seu sucessor natural, com a sua morte em 632 da nossa era.


 


 


Aqui ocorrem as primeiras manobras que talvez tenham mudado em profundidade os rumos do Islã em todo o mundo. Enquanto a família do profeta preparava o seu enterro, os partidários de Abou Baker já o haviam elegido como o Califa sucessor de Maomé. Ali só conseguiu chegar ao poder 25 anos depois e ainda assim ficou pouco tempo. Seu filho, Hassan tentou sucedê-lo, sem conseguir e acabou sendo morto.


 


 


Os xiitas são considerados fundamentalistas, apegados aos fundamentos e aos escritos do Islã, do Corão. Não que os sunitas não o sejam também, mas é uma discussão sobre a questão do poder temporal, das relações entre estado e religião e sobre os governos e as leis das pessoas e os preceitos religiosos.


 


 


Entre os séculos 19 e início e meados do 20, diversos grupos mais conservadores e fundamentalistas surgiram no Oriente Médio. Alguns de viés mais político, outros exclusivamente religiosos. Hoje temos de tudo na região. Com um olhar à distância, de todos os três mencionados no relatório da comissão do parlamento inglês, nos parece que o Hezbolláh é o que parece ter uma visão mais ampla, não prega o estado religioso islâmico e procura aliados fora até mesmo das fileiras da religião islâmica para a sua luta antiimperialista.


 


Desdobramentos


 


 


A notícia da Câmara dos Comuns da Inglaterra chega a ser alvissareira. Em primeiro lugar é que é correto mesmo o diálogo. A Chancelaria britânica praticamente acatou as sugestões, ainda que tenha elencado três condições para que o diálogo ocorra: a) que os fundamentalistas renunciem à violência; b) que estes reconheçam o Estado de Israel e c) reconhecimento dos acordos de paz anteriormente assinados. Só para não irmos muito longe, o Hamas não aceita nenhuma dessas condições.


 


 


No entanto, apesar de todas as dificuldades que se possa ainda enfrentar, vejo como positiva essa posição e vai isolando cada vez mais George Walker Bush, que, nesta semana, perdeu mais um de seus falcões no governo. Seu isolamento se amplia com a saída de Karl Rove, direitista que era uma espécie de seu principal mentor nas duas eleições que ele venceu para a Casa Branca (a primeira inclusive pela fraude).


 


 


De nossa parte, que sempre reconhecemos os governos eleitos na palestina independente das orientações políticas e ideológicas de seus vencedores, seguiremos apoiando a luta desse povo para a conquista de seus inalienáveis direito ao retorno, ao seu estado, à liberação de seus prisioneiros e ater pelo menos parte de Jerusalém como sua capital. E não tenho dúvidas de que eles vencerão.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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