Por que o cinema se move?

O vencedor do Oscar “Drive my car” e o cinema de Ryusuke Hamaguchi

O leitor tem que considerar a data em que escrevi os comentários a seguir sobre o cinema de Ryusuke Hamaguchi. Então olhe o quanto os comentários estão fora de realidade e mesmo como se mostram perceptíveis dos fatos que iriam acontecer. “Drive My Car” ganhou o Oscar de Melhor filme estrangeiro, está em exibição no Mubi com todo destaque e ainda está em exibição em muitos cinemas de shoppings. Esse é realmente o jogo da indústria cinematográfica que já foi uma das mais importantes do mundo capitalista com Hollywood. Mas temos de ver que essa indústria continua fundamental para a humanidade, pois a forma de comunicar com a imagem em movimento, junto ao som e linguagem escrita, é algo que não vai desaparecer dentro de muito tempo.

O cinema se move – Ryusuke Hamaguchi

Filme “Drive my car” | Foto: Dilvulgação

Por que será que o cinema se move? Claro que pelo que mostram novos filmes como os três que vi e analisei na semana passada do cineasta japonês Ryusuke Hamaguchi. Estão em exibição na plataforma Making Off e se chamam “Drive My Car”, lançado em 2021, e “Passion”, que foi a primeira produção do cineasta em 2008, quando ainda estudava cinema e arte em Tóquio, e mais “Happy Hour” de 2015. Como se vê, é uma obra deste século XXI e apresenta então toda uma sistemática de um novo cinema.

São filmes que não devem ter exibições em salas de cinema, embora o “Drive My Car” seja um candidato ao próximo Oscar, inclusive na categoria de Melhor filme estrangeiro e também como Melhor filme. O importante disso é que mostra – como escreveu a jornalista e crítica de cinema Débora Nascimento da revista “Continente” – como Ryusuke Hamaguchi faz um cinema reconhecido pela indústria norte-americana de cinema.

Esse filme mais recente, “Drive my car”, tem a duração de três horas e foi inspirado num conto do escritor japonês Haruki Murakami. Ainda que seja uma ilação não tão próxima e por isso o fato de ser um pequeno conto e o filme ter 180 minutos não importa muito. O que na verdade temos que notar é o sentimento do quanto a literatura de Murakami se aproxima da arte ocidental e nesse aspecto também o filme de Hamaguchi enquanto linguagem e cadência. Ambos se mostram não muito preocupados com a presença da cultura nipônica, e penso que é por aí que a inspiração de Murakami realmente está presente.

O filme “Happy Hour” tem nada menos do que 5 horas e 17 minutos e não é uma série, mas quer simplesmente ser um único filme. Foi feito enquanto o cineasta ainda estava estudando cinema e mesmo assim mostra um tipo de narrativa bem parecida com a que temos no filme mais recente. Isso também encontramos no primeiro deles, o “Passion”. Hamaguchi em entrevista lembra influências que tem de cineastas norte-americanos. Mas sua forma de narrativa não é hollywoodiana, pelo menos não a tradicional. Se há uma estória, ela vai se desenvolvendo através da conversa entre os personagens, fazendo assim com que a fala seja fundamental na estrutura do seu cinema.

Um fato que mostra facilmente que estamos diante de um cinema que se mostra novo é que certamente nenhum desses três filme terá ou teve vida através de salas de cinema. Só alguns poucos cinéfilos um tanto masoquistas entrarão numa sala por volta das 17 horas, por exemplo, para somente sair lá pelas 22h30m sem intervalos. “Happy hour” é um filme produzido levando em conta a exibição na internet pelas plataformas, onde o espectador pode parar e ver com os intervalos que forem necessários. Um filme com uma história parecida com a simples aparência de uma sessão psicanalítica, ou então mostrando um grupo de pessoas fazendo ginásticas orientais parecidas com yoga.

Nenhum dos três filmes conta uma estória dramática como num filme tradicional. Um cinema psicanalítico podemos dizer sobre esse cinema de Ryusuke Hamaguchi. Porém sem se conduzir para o lado que seja da dramaticidade hitchcockiana.

Olinda, 28. 02. 22

Ainda sobre o cinema de Ryusuke Hamacuhi

Filme “Happy Hour” | Foto: Dilvulgação

Veio a vontade de buscar mais questões em torno do cinema japonês de Ryusuke Hamaguchi, principalmente porque se trata de um cineasta atual e ainda pouco conhecido, inclusive dos cinéfilos. Essa categoria de cinéfilo era pequena nos tempos em que eu por exemplo comecei a estudar cinema. Era uma raridade de pessoa, o que hoje se transformou talvez numa grande multidão. Todo mundo é cinéfilo. Então todos querem comentar um possível novo cineasta. Embora seja melhor falar sobre cineastas de um país ainda mais estranho, a Coréia.

Tenho a impressão de que Ryusuke Hamaguchi quis fazer um filme a partir de um conto de Haruki Murakami não mais pelo fato de que se trata de um escritor bastante conhecido no mundo todo, que assim vai trazer divulgação para o filme, como tem acontecido. Mas não pelo interesse em aproveitar propriamente o conteúdo do conto. Hamaguchi já tem seus conteúdos direto na sua cabeça. Os três filmes que o Making Off está exibindo não falam nada mais do que sobre o homem e sua vida de hoje. O atual ser humano como pertencente a uma forma de ser psicológico. O que importa não é unicamente a estória que acontece. Mas o que acontece no mundo interior.

Entre os dois personagens principais de “Drive my car”, o casal, o que Hamaguchi quer mostrar mesmo é a grande disputa que na verdade existe entre os dois. Cada um querendo ser o melhor circunstante. Quem faz cinema melhor no caso. E isso vai se desenvolvendo desde os primeiros momentos até as cenas finais, mesmo quando a mulher já morreu. Mas é sempre a grande concorrente. Quem indica que o diretor de teatro está dirigindo com grande precisão. E sabendo mostrar aos outros atores como se interpreta criativamente.

E essa concorrência de pares também existe nos outros dois filmes, “Passion” e “Happy hour”, mesmo que o filme dure cinco horas e mais de continuidade. Talvez Ryusuke Hamaguchi teria se realizado melhor se tivesse sido um psicanalista, mas como foi ser cineasta exerce a sua vontade de psicanalista dentro do próprio cinema. O espectador será talvez uma espécie de cliente.

Olinda, 02. 03. 22

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