Porque não haverá a paz em Israel

Esta semana resolvi colocar em dia algumas leituras pendentes da excelente revista Retrato do Brasil, dirigida pelo combativo jornalista de tradições democráticas Raimundo Pereira. Um desses excelentes artigo foi escrito pelos também jornalistas Armando Sartori e Yuri Martins Fontes.

O conjunto de pesquisa que eles fizeram, os livros que consultaram, fizeram com que eu me decidisse compartilhar com meus leitores essas informações.

Israel, uma sociedade antidemocrática

Propagado aos quatro cantos do mundo, pela mídia controlada pelos sionistas, Israel sempre procurou posar de um estado “democrático”. Uma verdadeira falsidade. Na verdade, desde a sua fundação, esse estado tem um caráter judaico e se é judaico, como garantir direitos às minorias não judaicas? Os árabe-palestinos que moram em Israel já compõem 20% dos sete milhões de cidadãos israelenses. Mas, com a direitização da sociedade e da vida política em Israel, as coisas vão ficando cada dia piores. Discute-se hoje inclusive, a retirada de cidadania de todos os quase 1,5 milhão de palestinos que moram em Israel. Recentemente, o equivalente judeu do nosso Supremo Tribunal Federal decidiu que ficam proibidos casamentos de judias com palestinos. A tendência desse estado judeu é ser cada vez mais reacionário, segregacionista, discriminador de árabes e palestinos. Portanto, falar em democracia soa como uma verdadeira falácia.

Os competentes jornalistas que produziram as cinco páginas de matéria especial fizeram consultas a diversos livros, entrevistas e revistas, na sua maioria em inglês. As seguintes obras foram consultadas: a) Tower anda open tumb: the crisis of Israel society (Monthly Review Press, 2004), de Michel Warchawski; b) Israel and the Palestinian arabs, Midle East Institute, 1958, de Don Peretz; c) Estados fracassados – o abuso do poder e o ataque à democracia – Bertrand Brasil, 2009, de Noam Chomsky; d) The Israel/Palestine question – Routledge, 1999, de Nur Marsalha; e) entrevista no Haaretz com Avraham Burg entre outras fontes consultadas. Um belo trabalho. A edição da revista a que me refiro é de maio de 2009 e seu título é Um acordo. E muito mal estar, páginas 36-40. Trata-se do comentário dos acordos políticos estabelecidos por Netanyahu com o Partido Trabalhista Israelense de Ehud Barak que continuou na função de ministro da Defesa de Israel. Mesmo tendo sido responsável direto pela operação Chumbo Derretido que massacrou e matou 1,5 mil palestinos e resultou na condenação de Israel pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU a partir de relatório do juiz Goldstone, da África do Sul que concluiu que Israel cometeu crimes de guerra e contra a humanidade.

Vale a pena compartilhar com nossos leitores, os melhores momentos da reportagem.

• A discussão introduzida pelos jornalistas, da ocupação das terras palestinas, não é nova. Um dos vários mitos que os sionistas difundem é de que os palestinos abandonaram “espontaneamente” as suas casas e terras. Ou, quando muito, diziam que os árabes não “aceitavam viver sob o jugo judaico ou porque foram orientados a abandonarem pelos vizinhos governos árabes. Pura falácia. Relatórios novos que vieram à tona, da própria inteligência de Israel, estimam em pelo menos 390 mil árabes terem sido expulso (e ainda falam em margem de erro de até 15% para mais) e isso ocorreu fruto de “operações hostis das forças sionistas”, ou em outras palavras, prática de terrorismo;

• Relatório da ONU de 1947 estimava que viviam em terras designadas para os judeus, 950 mil palestinos. No entanto, durante o período que compreende dezembro de 1947 e junho de 1949, que os sionistas chamam de “guerra de independência” (sic), o Estado Israelense já tinha uma área 50% maior do que a aprovada pelas Nações Unidas em novembro de 1947;

• Cresce a cada dia na sociedade israelense – e com muita força – a ideia de manter os palestinos a “pão e água”. A composição do parlamento israelense nunca foi tão extremista como agora (a esquerda história e partidos progressistas possuem no máximo 14 deputados entre 120 (11,6%!). dos 30 ministros do gabinete direitista de Bibi (Netanyahu), pelo menos 12 são altos oficiais ou da reserva ou mesmo da ativa. Nunca na história israelense de 60 anos o exército teve papel tão preponderante como na atualidade. Isso levou Ahron Barak, presidente da Alto Corte de Justiça e sobrevivente do holocausto, a declarar que “a situação interna de Israel nesta década pode ser comparada com a da Alemanha nazista”;

• Israel não tem constituição escrita. E nem se esforça para tanto. Os partidos judaicos e religiosos (que possuem 23 deputados pelo menos) na inexistência de leis específicas procuram aplicar o Torá e as regras do Talmude para dirimir dúvidas de convivência. Com esse quadro, com Israel sendo cada dia mais um “estado judeu”, como pode ser democrático?

• Somados a esses religiosos ultraortodoxos, aparecem a terceira força do país, liderada pelo fascista Avigdor Liebermann, que hoje ocupa o cargo de ministro das Relações Exteriores. Seu Partido, o Israel Nossa Casa (Beitenu), tem 15 cadeiras. Representam basicamente os “russos” imigrantes judeus vindos das repúblicas da ex-URSS. Aliam-se, ainda que laicos, com os partidos ortodoxos. Os conceitos de “democracia, governo pela lei, separação de poderes e liberdades civis nada significam”;

• A visão que muitos ainda difundiam de um “sionismo judaico democrático laico, com conotação liberal” encontra-se completamente em decadência. O que se presencia hoje é um “militarismo nacionalismo mais ou menos associado com fundamentalismo religioso; impregnado de messianismo; e uma tendência a questionar cada norma democrática”;

• Na sociedade israelense hoje, “apenas uma minoria continua a lutar pelos direitos dos palestinos quanto a parar a transformação de Israel num estado fundamentalista que acabe com as pretensões democráticas”;

• A opinião de Avraham Burg, que presidiu o parlamento de Israel, o Knesset, publicada no Haaretz, vai no sentido de que “definir o Estado de Israel como um estado judaico é a chave para o seu fim”. Essa opinião é bombástica, vindo de uma pessoa dessa magnitude. Mas, o que se vê hoje é exatamente isso: uma judaização cada vez maior de Israel;

• Toda legislação ordinária (lembremo-nos que Israel não tem constituição escrita), vai no sentido de assegurar duas coisas: a) ampla tomada de terras, apropriação indevida, de todas as terras abandonadas pelos palestinos; estas foram anexadas e consideradas passíveis de assentamentos judaicos e b) o direito automático ao retorno de todo e qualquer judeu que more em qualquer lugar da terra. Aqui reside o maior problema. Ainda que a imensa maioria dos judeus do mundo não tenha atendido ao apelo de mudar-se para Israel, os que quiserem fazê-lo ao desembarcarem no aeroporto de Tel Aviv viram imediatamente cidadãos israelenses com todos os direitos decorrentes disso. Aos palestinos, em que pese várias resoluções da ONU, esse direito é completamente negado;

• Uma nova geração de historiadores judaicos tem recontado a versão da chamada Guerra da Independência de Israel. Falam mais próximos de uma verdade histórica, dão dados de como os palestinos foram expulsos, seja por massacres diretos perpetrados contra eles e suas aldeias, seja por rumores das atrocidades, criando-se um clima de terror entre os quase um milhão de palestinos da época (hoje a ACNUR estima em quatro milhões de refugiados);

• O próprio Ben Gurion tem artigos escritos – e o trabalho cita um deles pelo menos – defendendo uma mudança de rumo nas coisas do lado dos judeus, no sentido de que “um novo conjunto de ‘regras’ tinha que ser aplicado. A terra poderia e deveria ser conquistada e retida; poderia haver mudanças demográficas”. Aqui esta claro a chamada limpeza étnica, expulsão e mesmo tentativa de extermínio de palestinos, como ocorreu no famoso massacre de Deir Yassim em abril de 1947, liderado por Menachem Béguin, que posteriormente tornou-se primeiro Ministro de Israel e em 1979 recebeu o prêmio Nobel da “Paz”;

• Sholomo Levi, expoente com Gurion do MAPAI, precursor do Partido Trabalhista (Labor Party), num debate interno no Partido afirma que “a transferência de árabes para fora do país era uma das mais justas, morais e corretas coisas que poderiam ser feitas” (sic).

Porque a paz hoje é quase impossível?

Sou e todos nós somos defensores da paz. Mas, os que me seguem nesta coluna há quase oito longos anos sabem que sou pessimista com relação à paz. Não só porque o governo atual é dos mais direitistas que vivemos na história israelense, mas fundamentalmente pelo fato que a correlação de forças em favor de um mundo com mais justiça, com mais igualdade e direitos dos povos que sofrem e são oprimidos nos é ainda amplamente desfavorável.

Não há sinal algum de que o imperialismo norte-americano esteja disposto a ceder qualquer fatia de poder em benefício dos países e povos em desenvolvimento e que lutam pela sua soberania e independência nacional. Agora mesmo a secretária de Estado, Hilary Clinton, em visita à Israel, acabou por defender a proposta do governo de Netanyahu, qual seja, de não serem desmantelados a maior parte dos assentamentos, um eufemismo para colônias, de judeus ortodoxos na Cisjordânia. A paz vai ficando cada vez mais distante. Não há vontade para a paz. Não há clima para a paz. A sociedade israelense esta brutalizada, ficou extremada e ideologicamente direitista. A questão da colonização, da segurança interna, a judaização da sociedade, a expulsão dos palestinos passa a ser a questão central.

Por isso, sigo pessimista. Mas, confio na capacidade de luta do povo palestino e na sua liderança política e revolucionária que haverá de achar um caminho para levar adiante e até o fim a luta pelos direitos inalienáveis desse povo milenar.


Benny Morris, um dos novos
historiadores judeus que recontam
a história de Israel

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