Presidencialismo, coalizão, diversidade local e unidade nacional

Os comunistas brasileiros, desde a ruptura com o oportunismo de direita entre as décadas de 1950 e 1960, desenvolveram um pensamento tático e estratégico baseado no socialismo revolucionário, na teoria da revolução formulada por Lênin e na análise concreta da realidade concreta. 

Este pensamento foi plasmando-se ao longo do tempo, a partir de um aprendizado feito também com a experiência prática de uma organização política que sempre esteve imersa em intensos e profundos combates e batalhas pela libertação nacional e social do povo brasileiro.

Adquirimos uma visão ampla e flexível, simultaneamente firme e combativa, compreendemos a necessidade imperiosa de acumular forças e de criar as condições para a mais ampla unidade do povo brasileiro, a fim de enfrentar inimigos poderosos – as classes dominantes retrógradas e o imperialismo. O valor que tem para os comunistas a unidade de amplas forças democráticas, patrióticas, populares, progressistas, anti-imperialistas, de esquerda, revolucionárias pode ser aquilatado pela frase de João Amazonas, síntese de um pensamento: “A unidade é a bandeira da esperança”.

O Brasil vive há 11 anos uma nova etapa política. Depois de três mandatos presidenciais, que mudaram o País, vivemos um cenário em que a primeira tarefa é a “renovação da esperança”, como adequadamente assinala o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, para o que é indispensável a unidade das forças que querem mudar o Brasil no sentido do aprofundamento da democracia, do reforço da soberania nacional e da conquista do progresso social.

Os comunistas propugnam a constituição de uma “frente de afinidades de esquerda”, assumida coletivamente como resolução congressual, em novembro do ano passado. Uma frente que não é apenas de partidos, nem apenas eleitoral, mas abrange também organizações e movimentos populares, sindicais, juvenis, femininos, culturais, com toda a diversidade de bandeiras e enfoques, assim como personalidades independentes.

Por óbvio, o tema da unidade adquire maior força e sentido prático num período pré-eleitoral como o que o País atravessa, em que já é aguda a luta política entre os partidários da reeleição da presidenta Dilma, de um lado, e os setores alinhados em torno das candidaturas que se habilitam a representar as classes dominantes, a oligarquia financeira, o imperialismo internacional com suas políticas neoliberais e conservadoras – caso do tucano Aécio Neves e do líder do PSB Eduardo Campos. O tema se torna complexo quando uma das forças hoje situadas no campo da oposição ao governo progressista fazia parte dele até setembro do ano passado e ainda mantém episodicamente um sistema de alianças locais que inclui petistas e comunistas.

Convencionou-se dizer que o sistema político brasileiro tem por peculiaridade o "presidencialismo de coalizão". O conceito é apresentado como uma deformação congênita, uma dessas perversões atribuídas ao caráter nacional, um defeito imanente da formação histórica brasileira.

A crítica, mesmo quando bem intencionada e fundamentada, baseia-se numa confusão entre coalizão e clientelismo, este sim um traço atávico das classes reacionárias, que sempre governaram o Brasil alternando a violência contra o povo com os conchavos entre as diversas facções dominantes. Há também uma inversão dos termos, como se no presidencialismo de coalizão a figura central – o ou a presidente eleito pelo voto majoritário do povo – fosse um fantoche ou um refém da coalizão clientelista e a governança fosse uma sucessão de atos de distribuição de benesses como meio para assegurar a estabilidade do poder.

Contudo, a experiência demonstra que o presidencialismo pode ser uma instituição decisiva para promover transformações sociais e políticas de caráter progressista, se apoiado na mobilização e no protagonismo do povo, como também na unidade política de uma ampla frente democrática, nacional e popular. O fenômeno é nítido em países latino-americanos e de algum modo no Brasil, nas peculiares condições políticas do País. Nesse sentido, compreende-se que o presidencialismo e a coalizão, dois fatores essenciais à construção de um sistema político democrático e progressista, podem servir um ao outro se a autoridade do mandatário eleito emanar efetivamente do povo e a coalizão for a expressão da unidade política entre forças progressistas.

Outro conceito que se presta à confusão é o da “megadiversidade política e regional” nos marcos da Federação brasileira. Arraigadas tradições que vêm dos tempos do Brasil Colônia, das rebeliões provinciais contra o Império de Pedro I e Pedro II, das escaramuças locais pela República e do modo próprio como se formaram as oligarquias no passado até a constituição da burguesia contemporânea nos estados que compõem a República Federativa, entre muitos outros fatores, fazem com que os interesses demarcados nos âmbitos estaduais e municipais condicionem muitas decisões políticas.

Mas, convenhamos, os estados não são feudos, nem a República é uma confederação entre entes estanques. É uma Federação, em cujo vértice está a União. Os poderes locais não se sobrepõem ao poder central. Ficou muito para trás a chamada “política dos governadores”, coisa antediluviana, anterior à revolução de 1930.

Assim, as estratégias políticas e eleitorais dos partidos nacionais – e no Brasil não há partidos “locais” – são presididas por perspectivas e objetivos nacionais. Do mesmo modo que a coalizão, vista como expressão do clientelismo, não deve substituir a aliança ampla baseada em escolhas e definições programáticas, os enfoques locais legítimos e necessários ao avanço das forças progressistas não ditam o alcance, a dimensão, o ritmo e a forma do embate nacional.

As realidades locais compõem a luta, mas não determinam em última instância a eleição presidencial. As forças progressistas não podem ter um candidato a presidente num estado e outro noutros.

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