Que estado queremos?

A grande maioria da população brasileira tem vivido, ao longo dos cinco séculos de existência da Nação, confiando na sua comunidade e desconfiando das instituições do Estado. Respeitava a autoridade que usava a força tanto para fazer uso da mão de obra popular como para impor determinados comportamentos sociais à medida em que foram surgindo as vilas e cidades. Assim foram nascendo as leis e os códigos de conduta para a formação da sociedade.

Até ao início do século XX ainda havia resistência no interior do Brasil à aplicação de vacinas assim como ao pagamento de impostos e taxas de registro civil. O Estado era visto como um cabide de empregos para os familiares e amigos dos políticos mais poderosos e a sua ação para satisfazer exclusivamente os interesses da elite dominante.

Com os movimentos políticos democráticos desencadeados para a defesa dos direitos humanos e o respeito pela população mais pobre que participava como trabalhadora nas cidades e na produção de alimentos nos campos, as leis foram evoluindo no sentido de vencer a discriminação que separava, para o Estado, as classes sociais. Esta evolução das instituições oficiais exigiu grandes lutas cujas vitórias introduziram novos conceitos jurídicos no funcionamento do Estado e propiciaram a implantação de novos conhecimentos na consciência de todos alterando o comportamento habitual na sociedade e a formação cultural em geral. Só recentemente foi criminalizada a prática de preconceitos de raça e de sexo, mas é necessário exercer constante fiscalização para que a lei seja sempre aplicada. A luta prossegue nos nossos dias para vencer as oposições criadas pela elite que não cede nos seus privilégios de impunidade quando foge ao cumprimento das leis.

A vigência, ainda hoje, da impunidade para os crimes cometidos pelos poderosos do sistema, é responsável pela manutenção dos mais pobres na fronteira da legalidade, em atividades econômicas informais como fonte de trabalho e vivendo em terrenos de risco nas zonas de várzea e encosta junto às grandes cidades. Temos assistido aos terríveis desastres provocados pelo clima e agravados pela falta de planejamento das urbanizações em favelas e periferias das grandes cidades no Brasil e um pouco por todo o mundo. As estatísticas mostram que o trabalho informal ocupam mais ou menos a mesma proporção das atividades legalmente organizadas sobretudo nos países ainda subdesenvolvidos. O Estado ainda não tem a organização necessária para atender a toda a população, e de fora ficam os mais carentes.

Anteriormente escrevemos sobre os grandes passos democratizantes dados durante os oito anos do Governo Lula para superar os erros e vícios políticos do passado oligárquico. Hoje vemos em programa da grande mídia uma “descoberta” interessante que os jornalistas fazem: que a colaboração de cidadãos que usam as novas tecnologias – you tube, sites e blogs, celulares e outros recursos modernos – registrando a realidade para além do que é visto pelos jornalistas, introduz uma nova visão dos fatos que sensibiliza o cidadão comum. Em outras palavras, uma visão de baixo para cima, mais real que o trabalho burocratizado como já se sabia. Em vários setores essas “descobertas tardias” tem trazido novas luzes ao conhecimento formal, com características democráticas. De vagar se vai ao longe, diz o velho ditado.

Também a capacidade de gerar recursos e empregos do trabalho informal já é amplamente reconhecida por economistas que recomendam não usar a força institucional para impedir a sua existência garantindo friamente a imposição das leis. Vão sendo criados mecanismos de apoio com créditos populares e orientação técnica de gestão para que cheguem à formalização legal sem serem destruídos. A fronteira da legalidade em que a sociedade ainda vive é respeitada pela sua condição histórica e cabe ao Estado propor formas de integração – o que democratiza as próprias instituições oficiais.

Outra discussão, que tem sido enriquecida na sociedade brasileira, tanto diante da solidariedade popular manifestada em todas as catástrofes climáticas que têm atingido o país, como nas iniciativas informais para promover atividades educativas que atendam “meninos de rua” e divulguem arte, esporte e conhecimentos em geral, nos bairros mais carentes, o papel da comunidade começa a ser valorizado como uma continuidade do Estado (ou um substituto quando ineficiente). Mais uma vez, reconhece-se que a participação organizada da população enriquece a ação democrática das instituições.

Seria interessante recolher opiniões, as mais variadas, sobre estas mudanças de comportamento, tanto da população que participa como dos responsáveis pela democratização institucional. Fica então a pergunta: QUE MODELO DE ESTADO QUEREMOS no Brasil?

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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