Quintana, o passarinho saltimbanco

"Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha, 
nem desconfia que se acha conosco desde o início 
das eras. Pensa que está somente afogando problemas 
dele

Mário nasceu em Alegrete (RS), filho do farmacêutico Celso de Oliveira Quintana, e de D. Virgínia de Miranda Quintana. Trabalhou na farmácia da família. Publicou seus primeiros trabalhos em 1919, na revista Hyloea, órgão da Sociedade Cívica e Literária dos alunos do Colégio Militar de Porto Alegre. Em 1929, começou a trabalhar na redação do diário O Estado do Rio Grande. No ano seguinte, entusiasmado com a revolução de Getúlio Vargas, foi para o Rio de Janeiro, como voluntário do Sétimo Batalhão de Caçadores de Porto Alegre. Em 1931 voltou à capital gaúcha e à redação de O Estado do Rio Grande. A partir de 1934 passou a trabalhar também como tradutor. Verteu para o português 138 obras de Giovanni Papini, Fred Marsyat, Charles Morgan, Rosamond Lehman, Lin Yutang, Marcel Proust, Voltaire, Virginia Woolf, Maupassant, dentre outros, quase sempre sob a direção do romancista gaúcho Érico Veríssimo.
 
Sobre esse trabalho, contou: “No tempo em que eu era criança, o francês era moda e a minha mãe era professora de francês. Então, quando a gente, por exemplo, não queria que os empregados soubessem o que a gente estava dizendo, aí se falava em francês. Grande parte da revolução de 23, por exemplo, foi preparada em francês, porque se reuniam as senhoras dos oficiais para tomarem chá e comunicavam as coisas todas em francês. Imagine que na minha terra, em Alegrete, se fez revolução em francês. Que barbaridade! Naquele tempo as comunicações com a Europa eram bem mais fáceis que hoje. A França era a capital literária do mundo. Eu, quando estava na farmácia do velho, tinha conta numa livraria francesa. Eles mandavam os boletins e eu encomendava. Tudo vinha direto de Paris para Alegrete”.
 
O seu grande legado é a poesia. Em 1939, Monteiro Lobato leu doze quartetos de Quintana e encomendou-lhe um livro. Com o título Espelho Mágico, esse livro só foi publicado só em 1951, trazendo na orelha comentários do autor do Sítio do Pica-pau Amarelo. Logo a partir de seu primeiro livro, A Rua dos Cataventos, de 1940, seus sonetos passam a figurar em livros escolares e antologias, inclusive a organizada por Manuel Bandeira, que sobre sua obra poetou:
 
São cantigas sem esgares.
Onde as lágrimas são mares
De amor, os teus quintanares
.
Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Morais, Cecília Meireles e João Cabral de Melo Neto elogiaram seus trabalhos. Numa carta a um poeta, Quintana afirmou: “Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. … O Profeta diz a todos: ‘eu vos trago a verdade’, enquanto o poeta, mais humildemente, se limita a dizer a cada um: ‘eu te trago a minha verdade’. E o poeta, quanto mais individual, mais universal, pois cada homem, qualquer que seja o condicionamento do meio e e da época, só vem a compreender e amar o que é essencialmente humano. Embora, eu que o diga, seja tão difícil ser assim autêntico. Às vezes assalta-me o terror de que todos os meus poemas sejam apócrifos!”
 
É o poeta das coisas simples, fez poemas “sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema” e confessou:
 
Eu faço versos como os saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos
 
Quintana surpreende o leitor com algumas de suas constatações:
 
O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloqüência ao mudo…
Nem mudar água pura em vinho tinto…
Milagre é acreditarem nisso tudo!
 
Escreve, em A grande surpresa:
 
Mas que susto não irão levar essas velhas carolas se Deus existe mesmo…
 
Não se casou e nem teve filhos, “Talvez porque não tenha tido tempo”, declarou numa entrevista. Mário Quintana faleceu em Porto Alegre, dia 5 de maio de 1994. Por três vezes se candidatou, sem sucesso, à Academia Brasileira de Letras. Sobre as derrotas, versejou:
 
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!

 

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